sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Não há explicação!...


Conversando


8:00 Segunda-feira, 29 de Jun de 2009


Segunda-feira passada, a meio da tarde, faço a A-6, em direcção a Espanha e na companhia de uma amiga estrangeira; quarta-feira de manhã, refaço o mesmo percurso, em sentido inverso, rumo a Lisboa. Tanto para lá como para cá, é uma auto-estrada luxuosa e fantasma. Em contrapartida, numa breve incursão pela estrada nacional, entre Arraiolos e Borba, vamos encontrar um trânsito cerrado, composto esmagadoramente por camiões de mercadorias espanhóis. Vinda de um país onde as auto-estradas estão sempre cheias, ela está espantada com o que vê:

- É sempre assim, esta auto-estrada?

- Assim, como?

- Deserta, magnífica, sem trânsito?

- É, é sempre assim.

- Todos os dias?

- Todos, menos ao domingo, que sempre tem mais gente.

- Mas, se não há trânsito, porque a fizeram?

- Porque havia dinheiro para gastar dos Fundos Europeus, e porque diziam que o desenvolvimento era isto.

- E têm mais auto-estradas destas?

- Várias e ainda temos outras em construção: só de Lisboa para o Porto, vamos ficar com três. Entre S. Paulo e o Rio de Janeiro, por exemplo, não há nenhuma: só uns quilómetros à saída de S. Paulo e outros à chegada ao Rio. Nós vamos ter três entre o Porto e Lisboa: é a aposta no automóvel, na poupança de energia, nos acordos de Quioto, etc. - respondi, rindo-me.

- E, já agora, porque é que a auto-estrada está deserta e a estrada nacional está cheia de camiões?

- Porque assim não pagam portagem.

- E porque são quase todos espanhóis?

- Vêm trazer-nos comida.

- Mas vocês não têm agricultura?

- Não: a Europa paga-nos para não ter. E os nossos agricultores dizem que produzir não é rentável.

- Mas para os espanhóis é?

- Pelos vistos...

Ela ficou a pensar um pouco e voltou à carga:

- Mas porque não investem antes no comboio?

- Investimos, mas não resultou.

- Não resultou, como?

- Houve aí uns experts que gastaram uma fortuna a modernizar a linha Lisboa-Porto, com comboios pendulares e tudo, mas não resultou.

- Mas porquê?

- Olha, é assim: a maior parte do tempo, o comboio não 'pendula'; e, quando 'pendula', enjoa de morte. Não há sinal de telemóvel nem Internet, não há restaurante, há apenas um bar infecto e, de facto, o único sinal de 'modernidade' foi proibirem de fumar em qualquer espaço do comboio. Por isso, as pessoas preferem ir de carro e a companhia ferroviária do Estado perde centenas de milhões todos os anos.

- E gastaram nisso uma fortuna?

- Gastámos. E a única coisa que se conseguiu foi tirar 25 minutos às três horas e meia que demorava a viagem há cinquenta anos...

- Estás a brincar comigo!

- Não, estou a falar a sério!

- E o que fizeram a esses incompetentes?

- Nada. Ou melhor, agora vão dar-lhes uma nova oportunidade, que é encherem o país de TGV: Porto-Lisboa, Porto-Vigo, Madrid-Lisboa... e ainda há umas ameaças de fazerem outro no Algarve e outro no Centro.

- Mas que tamanho tem Portugal, de cima a baixo?

- Do ponto mais a norte ao ponto mais a sul, 561 km.

Ela ficou a olhar para mim, sem saber se era para acreditar ou não.

- Mas, ao menos, o TGV vai directo de Lisboa ao Porto?

- Não, pára em várias estações: de cima para baixo e se a memória não me falha, pára em Aveiro, para os compensar por não arrancarmos já com o TGV deles para Salamanca; depois, pára em Coimbra para não ofender o prof. Vital Moreira, que é muito importante lá; a seguir, pára numa aldeia chamada Ota, para os compensar por não terem feito lá o novo aeroporto de Lisboa; depois, pára em Alcochete, a sul de Lisboa, onde ficará o futuro aeroporto; e, finalmente, pára em Lisboa, em duas estações.

- Como: então o TGV vem do Norte, ultrapassa Lisboa pelo sul, e depois volta para trás e entra em Lisboa?

- Isso mesmo.

- E como entra em Lisboa?

- Por uma nova ponte que vão fazer.

- Uma ponte ferroviária?

- E rodoviária também: vai trazer mais uns vinte ou trinta mil carros todos os dias para Lisboa.

- Mas isso é o caos, Lisboa já está congestionada de carros!

- Pois é.

- E, então?

- Então, nada. São os especialistas que decidiram assim.

Ela ficou pensativa outra vez. Manifestamente, o assunto estava a fasciná-la.

- E, desculpa lá, esse TGV para Madrid vai ter passageiros? Se a auto-estrada está deserta...

- Não, não vai ter.

- Não vai? Então, vai ser uma ruína!

- Não, é preciso distinguir: para as empresas que o vão construir e para os bancos que o vão capitalizar, vai ser um negócio fantástico! A exploração é que vai ser uma ruína - aliás, já admitida pelo Governo - porque, de facto, nem os especialistas conseguem encontrar passageiros que cheguem para o justificar.

- E quem paga os prejuízos da exploração: as empresas construtoras?

- Naaaão! Quem paga são os contribuintes! Aqui a regra é essa!

- E vocês não despedem o Governo?

- Talvez, mas não serve de muito: quem assinou os acordos para o TGV com Espanha foi a oposição, quando era governo...

- Que país o vosso! Mas qual é o argumento dos governos para fazerem um TGV que já sabem que vai perder dinheiro?

- Dizem que não podemos ficar fora da Rede Europeia de Alta Velocidade.

- O que é isso? Ir em TGV de Lisboa a Helsínquia?

- A Helsínquia, não, porque os países escandinavos não têm TGV.

- Como? Então, os países mais evoluídos da Europa não têm TGV e vocês têm de ter?

- É, dizem que assim entramos mais depressa na modernidade.

Fizemos mais uns quilómetros de deserto rodoviário de luxo, até que ela pareceu lembrar-se de qualquer coisa que tinha ficado para trás:

- E esse novo aeroporto de que falaste, é o quê?

- O novo aeroporto internacional de Lisboa, do lado de lá do rio e a uns 50 quilómetros de Lisboa.

- Mas vocês vão fechar este aeroporto que é um luxo, quase no centro da cidade, e fazer um novo?

- É isso mesmo. Dizem que este está saturado.

- Não me pareceu nada...

- Porque não está: cada vez tem menos voos e só este ano a TAP vai cancelar cerca de 20.000. O que está a crescer são os voos das low-cost, que, aliás, estão a liquidar a TAP.

- Mas, então, porque não fazem como se faz em todo o lado, que é deixar as companhias de linha no aeroporto principal e chutar as low-cost para um pequeno aeroporto de periferia? Não têm nenhum disponível?

- Temos vários. Mas os especialistas dizem que o novo aeroporto vai ser um hub ibérico, fazendo a trasfega de todos os voos da América do Sul para a Europa: um sucesso garantido.

- E tu acreditas nisso?

- Eu acredito em tudo e não acredito em nada. Olha ali ao fundo: sabes o que é aquilo?

- Um lago enorme! Extraordinário!

- Não: é a barragem de Alqueva, a maior da Europa.

- Ena! Deve produzir energia para meio país!

- Praticamente zero.

- A sério? Mas, ao menos, não vos faltará água para beber!

- A água não é potável: já vem contaminada de Espanha.

- Já não sei se estás a gozar comigo ou não, mas, se não serve para beber, serve para regar - ou nem isso?

- Servir, serve, mas vai demorar vinte ou mais anos até instalarem o perímetro de rega, porque, como te disse, aqui acredita-se que a agricultura não tem futuro: antes, porque não havia água; agora, porque há água a mais.

- Estás a dizer-me que fizeram a maior barragem da Europa e não serve para nada?

- Vai servir para regar campos de golfe e urbanizações turísticas, que é o que nós fazemos mais e melhor.

Apesar do sol de frente, impiedoso, ela tirou os óculos escuros e virou-se para me olhar bem de frente:

- Desculpa lá a última pergunta: vocês são doidos ou são ricos?

- Antes, éramos só doidos e fizemos algumas coisas notáveis por esse mundo fora; depois, disseram-nos que afinal éramos ricos e desatámos a fazer todas as asneiras possíveis cá dentro; em breve, voltaremos a ser pobres e enlouqueceremos de vez.

Ela voltou a colocar os óculos de sol e a recostar-se para trás no assento. E suspirou:

- Bem, uma coisa posso dizer: há poucos países tão agradáveis para viajar como Portugal! Olha-me só para esta auto-estrada sem ninguém!

Miguel Sousa Tavares

Trabalhinho:


Colar

A Mena na cozinha

Massa com galinha

1 galinha do campo pequena (ou meia galinha se for grande)
2 cebolas
2 dentes de alhos
50 ml de azeite
1 dl de vinho branco
4 tomates
1 colher de sopa de farinha
1 colher de sopa de caril em pó
1 raminho de salsa
sal e pimenta
0,5 malagueta grande
1 folha de louro

Dê uma cozedura ligeira à galinha, de modo a poder desfiá-la grosseiramente. Pique a cebola e o alho, corte a malagueta aos pedaços. Refogue tudo no azeite e junte a carne, alourando-a um pouco. Regue com o vinho.

Deixe apurar um pouco e acrescente os tomates triturados, o louro e um pouco de água a ferver. Tempere com sal e pimenta. Tape e deixe cozer.

Com o caldo da cozedura da galinha faça uma canjinha de arroz.

À parte, misture a farinha com o caril e dissolva num pouco de água morna. Envolva na carne. Junte a salsa picada. Deixe cozinhar, em lume brando, até o molho ganhar consistência.

Coza a massa "al dente" e escorra-a bem.

Misture a galinha com a massa.

Sirva com salada.
Bom apetite!


Miminho


Este miminho foi-me oferecido por esta menina linda! Aqui fica para quem o quiser levar...




9 comentários:

Maria Cusca disse...

Olá amiga.
Eu adoro o tipo de escrita, do Miguel Sousa Tavares.
E este texto está fabuloso.
O trabalhinho, está super fofinho.
A galinha uma delicia.
Obrigada pelo miminho.
Jinhos e um óptimo fim de semana

Eunice Martins♥ disse...

Olá minha linda amiga!
Estou de volta, e tudo está bem...
As férias foram maravilhosas.

Amizade!

Começa sem que agente perceba,
de repente toca o coração,
se torna dependencia e alegria
no coração, algumas se desfazem
outras perduram uma vida inteira,
memo na distancia….
o reencontro sempre emociona e a
despedida nos fere, mas ao mesmo
tempo, sabemos que estão guardados
dentro do peito. Amizade,amigas(os) todas as
lembranças existem pra prenchermos
o livro da vida, sem elas não teriamos
essencia nem registro de quem fomos e somos.
DESEJO UM FIM DE SEMANA MARAVILHOSO.
BEIJOS COM CARINHO.

Sonia Facion disse...

Oi Mena!!!!

Nossa que confusão essa das auto estradas, uau!!!!!

Fiquei com fome, acho que vou fazer uma massa tbm.

bom findi

Sonia

Dulce disse...

Olá Mena,
Já há algum tempo que não deitava aqui um olhinho, mas hoje ficou cheio. Gostei muito do texto, gosto de ler Miguel Sousa Tavares, diz umas quantas verdades, adorei o vídeo do gato, as vozes até arrepiam e gostei muito do vídeo dos violinistas, só pairou uma dúvida, não gostáste do vídeo, acho que me escapou qualquer coisa. O violino é o instrumento da casa e achei espectacular.
Depois explicas-me.
Um bom ano lectivo, que já começou para ti, e vamos falando.
Bfs.
Beijinhos
Dulce

Piluki disse...

Gracias por tu comentario en mi blog. A pesar de no saber portugués he leído el artículo de Miguel Sousa y creo haber comprendido el mensaje y la ironía. Muy bueno.
Y el collar de hello kitty me encanta.
Besos y buen fin de semana.

Nile e Richard disse...

Oi Nena,bom dia.
Sinceramente estou abismada com o bate papo,converssa interessante e sem comentário.Sua cozinha me parece muito saborosa.
Seus trabalhos como sempre estão lindíssimos.Estou levando o mimo,obrigado.
Bom domingo para voce.
bjtos.Nile.

artes_romao disse...

boa tarde,td bem?
mas que conversa mais interessante.
pois este senhor escreve coisas mesmo em grande estilo.
adorei o restante post.
fica bem,jinhos***

~*Rebeca*~ disse...

Mena,

Não conhecia o Miguel Sousa e acabei adorando esse texto dele. Essa sua comida regado ao vinho, nem sei, nem sei... aiai.

Beijo imenso, menina linda.

Rebeca

-

isabel tiago disse...

Boa sugestão, esta galinha com massa.
Isabel

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