Jesus estaria contra esta política de soutien
Ando aqui no mundo há 51 anos. Nasci em Matosinhos, na Senhora da Hora, e tenho vivido como emigrante praticamente desde os 17 anos. Com essa idade, fui para França estudar Medicina. Passado um ano voltei e fui para o seminário. A minha vida tem sido muito mais no estrangeiro que cá. Sou biblista, faço tradução simultânea, trabalho para a Ordem dos Capuchinhos, para a Ordem Terceira, para a Federação Bíblica Mundial. No ano passado, o sítio onde estive mais tempo seguido foi no Peru, durante três semanas. Fiquei conhecido por ter comentado, na SIC, o livro de Saramago, Caim, que gerou alguma polémica. O que está por detrás da riqueza dos conceitos de Caim e Abel é alguma coisa de fabuloso. E criou-me estranheza que um homem que se dizia de esquerda não fosse capaz de ver que o que está ali é a maior denúncia da injustiça social. Partindo da etimologia, Caim é o que possui; Abel é o que não é nada.
Quais são as situações que mais o revoltam?
No que diz respeito à corrupção?
Profissão e trampolim?
A democracia vive das estruturas partidárias.
Se as pessoas deixarem de acreditar nos partidos, a que se vão agarrar?
Que reforma é que se pode fazer?
A Igreja, nesta altura, está a ser a única voz de esperança em Portugal. Há algum tipo de pastoral que dá razão ao Freud, que dizia que a religião é uma neurose colectiva , ou ao Marx, que dizia que a Igreja é o ópio do povo . Mas lamento profundamente. Se alguma coisa a Igreja deve ser, e não pode demitir-se de ser, é uma promotora da consciência de comunidade, independentemente das opções religiosas, políticas, sexuais. Há um colo, mas um colo responsável. Agora, existem, de facto, opções pastorais que levam as pessoas de carrinho [risos], e de que maneira! Pegam naquilo que a Igreja tem de pior, que é o transformar alguém em alguém que tem uma religião. A coisa pior que lhe pode acontecer a si, ou a mim, é termos uma religião. Eu não tenho uma religião; a religião é que me tem a mim.
Foi o nome que me puseram de baptismo. Mas frei só quer dizer irmão, não quer dizer mais nada. Este desafio de construção de fraternidade, quero reclamá-lo para mim e para toda a gente. E se eu tenho um partido, deixo de ser livre. Sou formatado para o disparate, como a quantidade de deputados que temos na Assembleia da República, que não servem para nada. Da segunda fila para trás podiam ir todos embora. Não temos dinheiro para alimentar aquela gente toda.
Do princípio ao fim. Desde logo, leria o texto dos vendilhões do templo. Há alguma perda do sentido do texto a partir das traduções que temos. A partir do original grego percebe-se que a grande fúria de Jesus é contra os vendedores de pombas. Porquê? As pombas eram o sacrifício, o gesto ritual litúrgico permitido aos mais pobres porque era o mais barato. Os muito ricos podiam oferecer uma vaca, os assim-assim podiam oferecer um carneiro ou uma cabra e os pobres uma pomba. A grande revolta está contra aqueles que, a partir da religião, oprimem os mais pobres. A revolta de Jesus hoje estaria, e está, contra aqueles que, tendo obrigação de cuidar da res publica, mamam à conta da res publica. Desculpe a vulgaridade, mas temos uma política de soutien: apoia a direita e a esquerda e mama das duas. Quem se lixa é o capim. Em África, há um ditado que diz que, quando os elefantes lutam, quem se lixa é o capim. E a todos os níveis nós estamos como capim: ora veja-se o elefante da senhora Merkel, coitadinha, que como pessoa me merece todo o respeito.
Para já, não tinha lá o submarino. A solução está em juntar o povo das barracas. Eu nasci no bairro operário da fábrica onde o meu pai trabalhou 52 anos, onde a minha mãe trabalhou 19 anos. E onde eu trabalhei ainda dois anos, no escritório. Na minha infância bebi a solidariedade. Não havia nada escrito, mas era assumido que se uma mulher adoecia, a vizinha do lado cuidava dela, ia às compras e tomava conta da canalha. O que faz falta é tirar o submarino da porta da barraca, abrir a janela e a porta para a barraca do outro lado. E eu, dentro da minha barraca, tenho de fazer perceber ao meu vizinho que estamos juntos, que vou fazer tudo aquilo que puder para que possamos puxar as barracas para a frente.
É obsceno, é pornográfico, porque as palavras estão mortas. Ao longo da história da humanidade, conseguimos criar formas de morte, umas até refinadas. O que nenhuma sociedade, antes da nossa, conseguiu fazer foi matar as palavras. Hoje estão mortas e é preciso ressuscitá-las.
Por isso é que ele não fala e não se compromete. Sempre que se trata de defender a dignidade de quem quer que seja, estar calado é um crime. Ponto final.
É preciso dar voz aos que não têm voz. O que se faz, infelizmente, é estar calado perante os poderosos. Esses silêncios são criminosos. Mas deixe-me voltar à questão das palavras mortas. Tenho escandalizado muitos católicos por dizer isto: enquanto cristão, se eu não percebo que sou desafiado por Deus, todos os dias, a fazer amor com toda a gente, e sem preservativo, não sei o o que estou cá a fazer. Na vida, usamos preservativos. E não falo dos das farmácias, que esses devem ser obrigatórios. Eu tenho medo é daqueles preservativos que usamos da cabeça aos pés, numa lógica de eu não te toco e tu não me tocas.
É uma vergonha para a Igreja a pedofilia, mas oxalá só os padres fossem pedófilos. A sociedade estaria melhor. Em relação ao casamento dos padres, é uma questão simplesmente de política de norma, que mudará com o tempo. Tudo isto são elementos de reflexão importantíssimos, mas não é por aí que temos de começar.
Tem de se começar por explicar a toda a gente da Igreja, sem excepção, a diferença entre poder e serviço. Em vários contextos, senti-me envergonhado de ser padre, diante da miséria e da prepotência de gente que tinha a obrigação de estar ao serviço dos pobres. Critico alguns senhores de cabeção e hábito de serem uns vaidosos insuportáveis. Parece que têm Deus na barriga. E andam a arrotar Deus por todos os lados. São pessoas que dão razão a Marx, que dizia que a religião é o ópio do povo. São pessoas que se aproveitam da fragilidade do povo para o apoiar, para lhe dar conselhos. E dar conselho a alguém, a não ser que seja mentalmente incapaz, é uma falta de respeito. Diante de alguém com um problema, a minha obrigação primeira é ouvir, filtrar a mensagem, mas dar ao outro a liberdade de ser gente.
Como vai ser o seu Natal?
2 comentários:
Ah se todos pensassem dessa maneira.
Beijo imenso, Mena.
Rebeca
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Olá Mena!
Passei para desejar uma boa semana!
bjs,
M. Céu
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