domingo, 20 de fevereiro de 2011

Os Lusíadas - Canto VII


Chegada a Calecut (est. 15 e 30) e Corte na Narração (est. 78-82)

Assunto

É aqui que começam a ser narrados os primeiros contactos de "tão famosos navegantes" com os povos da Índia, "onde vêm semear de Cristo a lei / e dar novo costume e novo Rei" (est. 15). E ainda pela boca de Monçaide (est. 30 e 31) é denunciado, mais uma vez, o espírito de cruzada daqueles que "do longinco Tejo e ignoto Minho / por mares nunca doutro lenho arados" ali chegavam pela mão de Deus, que certamente deles "pretendia algum serviço".
No fim do Canto (est. 78-82), o Poeta dirige-se às Ninfas do Tejo e do Mondego, interrompendo a narração, para recordar os trabalhos por que passou no mar, seus serviços em África e no Oriente ("numa mão sempre a espada e noutra a pena") e denunciar o desprezo a ele tributado pelos senhores "que cantando andava", pois, em vez "dos descansos" e "das capelas de louro", só lhe concediam "trabalhos nunca usados". Mau exemplo, sem dúvida, para futuros cantores das coisas pátrias.


Nota:
  • que neste Canto, como no Canto VIII, e nas primeiras doze estâncias do Canto IX, estamos na Índia com os navegantes, cuja estadia na viagem real durou 102 dias;
  • nas estâncias 15, 30 e 31, como no início do Poema, por exemplo, o objectivo da viagem do Gama: a materialização do ideal de cruzada, isto é, converter pela espada os mouros e infiéis, ainda que, na realidade, o controlo do comércio, a procura e produção crescente de mercadorias ("de ouro luzente e fina pedraria / cheiro suave, ardente especiaria") fosse a sua intenção primeira, pois, se "o serviço de Deus" norteou o Infante D. Henrique, que da ponta de Sagres sonhou novos mundos, em "O Lusíadas" subalternizou-se em proveito do "amor da Pátria" ("Quando na baía de Santa Helena os companheiros do Gama aprisionaram um negro que apanhava mel, não foi o crucifixo que lhe mostraram, mas o ouro, a prata, a especiaria. Este episódio vale como um símbolo. É o ouro, a prata, a especiaria que fazem aparelhar as velas das naus do Gama, onde vai desenhada a cruz de Cristo.");
  • que, se a função emotiva da linguagem caracteriza a lírica (Camões neste aspecto é, como sabemos, dos mais altos expoentes do subjectivismo português), também a trouxe para a épica, à qual imprimiu um cunho inconfundível, já que surge de quando em vez à superfície da narrativa sobrepondo-a à função referencial, filosofando sobre a sua pouca sorte ou lamentando-se desanimado da falta de protecção dos "senhores que o Tejo cria" (est. 78-82);
  • que a sua revolta pessoal se explica devido aos seus próprios problemas, o que o leva a desmascarar criticamente a situação colectiva: angústia pessoal perante o desconcerto humano e as misérias de uma expansão gloriosa;
  • a ironia que percorre a última estância, corroborada pelas frases de tipo exclamativo, para além da profunda intensidade emocional que emana de todas elas;
  • sob o aspecto estilístico: a metáfora (est. 30, v.2); a sinédoque (est. 30, v. 6); a anáfora (est. 78, vv. 7 e 8, 80, vv. 6-8 e est. 82, vv. 6-7); a alegoria (est. 78, vv. 5-8); a repetição intensiva de despois que… despois que (est. 15, vv. 3 e 5), de agora… agora (est. 79 e 80) e outras, além da redundância dos que, cuja soma nestas últimas cinco estâncias é de vinte e um.

1 comentário:

IldaS disse...

boa tarde. Estou a analisar o episódio da batalha de Aljubarrota dos Lusíadas e devo encontrar uma ironia na estância 43 e uma sinédoque na estância 41 e não estou a conseguir. será que me podia ajudar? agradeço imenso. Ilda Silva
pode responder para o mail: ildapatriciasilva@hotmail.com

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