Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade.
E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.
Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.
Quem sabe quem os terá?
Quem sabe a que mãos irão?
Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.
Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.
Passo e fico, como o Universo.
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade.
E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.
Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.
Quem sabe quem os terá?
Quem sabe a que mãos irão?
Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.
Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.
Passo e fico, como o Universo.
Alberto Caeiro
O tema deste poema é a criação poética.
A "casa", no primeiro verso, é metáfora do universo, do Todo e pressupõe a ligação do Homem à Terra.
A altura funciona como a sugestão de ausência de um referente espacial concreto.
A janela sugere a dicotomia interior/exterior, ou seja, através da janela é estabelecido o contacto entre a interioridade do poeta e o exterior, antecipando-se a ideia de que os versos, apesar de terem sido escritos pelo sujeito poético, pertencem à Humanidade.
A imagem apresentada no verso remete para o contrário - o poeta não se situa num plano superior em relação à realidade que o circunda; a sua casa é, antes, a Natureza, o que implica a sua ligação à terra e a ideia de criação poética como um acto natural.
O Homem é um elemento que se insere no Universo; os versos pertencem, pois, à Humanidade - a comunhão do ser humano com o lado cosmogónico significa a recusa do individualismo e da criação poética como um produto do sujeito lírico.
"Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos (...)"
Aos meus versos (...)"
"Ei-los que vão já longe como que na diligência"
O facto de os versos do sujeito poético serem lidos por outros significa que cada leitor os interiorizará, por sua vez, de acordo com a sua própria subjectividade, pelo que o acto de leitura é um acto de recriação poética - os versos já não pertencem ao seu autor, mas a todos aqueles que os lerem, interiorizando-os.
"Quem sabe quem os terá?
Quem sabe a que mãos irão?"
Quem sabe a que mãos irão?"
A produção poética é caracterizada pela mesma incerteza que marca o destino da flor ou do fruto, ou seja, tal como os outros elementos naturais, também o homem participa de um destino, que se liga ao simples facto de existir.
"Flor, colheu-me o meu destino para os olhos."
O homem, o rio, as árvores ou as flores são elementos de uma mesma totalidade e situam-se ao mesmo nível, na escala da existência.
"Rio, o destino da minha água era não ficar em mim."
A produção poética é encarada como um acto natural, orgânico. A perda da subjectividade é aquilo que é anunciado nos versos:
"Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste."
Quase alegre como quem se cansa de estar triste."
Alegria e tristeza não significam nada - tudo se situa no mesmo nível; Alberto Caeiro nega a emoção e propõe que o ser humano sinta as coisas de acordo com as leis naturais - e na natureza, o significado dos dias de sol é o mesmo que o dos dias de chuva - tudo faz parte da existência e a relativização daquilo que se experimenta enquanto emoção liga-se à aceitação de uma realidade em que a diferença ou a antítese são elementos integrantes dessa mesma realidade.
Encontramos, no poema, um paralelismo semântico, a que subjaz a ideia da perda da subjectividade e da comunhão cosmogónica (este estabelece-se entre a primeira e a terceira estrofes).
flor => fruto => versos => elementos naturais
olhos => bocas => mãos/olhos => órgãos de percepção
Alberto Caeiro faz a apologia do fenómeno, daquilo que se vê, que nos é revelado e coloca a criação poética no plano do fenómeno natural (tal como a árvore dá frutos, o homem cria versos...).
Os espaços abstractos que surgem no poema por um processo de encaixe traduzem, assim, a ausência da conquista de um espaço, o que se prende à perda da identidade, à inserção do "eu" no Todo.
Casa/Natureza
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A perda da individualidade remete para uma visão pagã da realidade, segundo a qual o ser humano participa integralmente das leis da Natureza. A simbiose entre o sujeito lírico e o universo pressupõe a concepção mítica do eterno retorno - vida e morte são um processo dialéctico - a renovação implica que algo acabe e que algo comece - esta é, por excelência, a lei da Natureza.
"Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua."
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua."
"Passo e fico, como o Universo."
A regeneração cósmica significa, então, vida, mesmo após a morte de elementos singulares, pois o universo perpetua-se indefinidamente.
O sujeito lírico propõe, assim, a ruptura com a tradição cultural ocidental através da negação da individualidade (princípio enraizado na moral cristã), da recusa da subjectividade e da defesa do reencontro com a Natureza, de acordo com a perspectiva preconizada pelo paganismo.
Estrutura externa
Os três primeiros versos revelam a influência da poesia japonesa - o "haiku" é um poema japonês, geralmente composto por três versos, num total aproximado de dezassete sílabas, cuja finalidade é "mostrar" - não se defendem argumentos, constata-se uma determinada realidade (Zen afirma que " Mostrar uma vez vale mais do que dizer cem vezes").
O poema é composto por sete estrofes: terceto, sétima, terceto, dístico, quintilha, quadra e monóstico.
Características estilísticas
- Os adjectivos
A antonímia, ao nível dos adjectivos, traduz a recusa dos sentimentos sociais, convencionais. O poeta não sente como a maioria dos homens; para ele, o acto de sentir é substituído pelo acto de existir.
"E não estou alegre nem triste."
As cargas conotativas positiva e negativa destes adjectivos são neutralizadas; o poeta insere-se no meio natural, recusando integrar-se numa sociedade humana.
- Os nomes / As formas verbais
Os nomes apontam para uma escala de valor, a escala da existência, em que todas as coisas têm o mesmo sentido e a mesma importância - os versos são, também, um produto da Natureza, uma manifestação natural da vida humana.
versos = fruto / rio / flor
versos => verbo mostrar => "Escrevi-os e devo mostrá-los a todos"
flor => verbo esconder (forma negativa) => "Como a flor não pode esconder a cor"
"Escrevi-os e devo mostrá-los a todos" <=> "Como a flor não pode esconder a cor"
O verbo esconder, na forma negativa, aparece três vezes no infinitivo - a utilização do modo infinitivo aponta para a perda da identidade, para a ausência do sujeito lírico no processo de criação poética, associada à criação da Natureza, que é algo que se manifesta como processo que faz parte de uma unidade, em que o elemento singular não tem qualquer expressão.
- O deíctico (advérbio de designação) / Os advérbios adjuntos
"Ei-los que já vão longe"
Ei-los - deíctico - indicação de proximidade - acção de escrita
versus
já - advérbio adjunto de tempo - perda do "eu" na linguagem - a imediatez do advérbio remete para a ideia de que, após o acto de escrita, o poema deixa de pertencer ao seu criador - perda da individualidade, aquando da conclusão do poema
longe - advérbio adjunto de lugar - negação da proximidade apontada pelo deíctico - o poema já não pertence ao seu autor; é recriado pelo leitor
- A comparação
A comparação estabelece a união entre os sentimentos e os sentidos, conferindo uma dimensão física aos primeiros (o sentimento de pena é comparado a uma "dor no corpo").
"E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo."
Como uma dor no corpo."
Pena é dor, porque é sensação - o sentimento é captado como a cor da flor .
- A pontuação
A pontuação, no final do verso, evidencia a consciência da inutilidade da explicação, enfatizando o valor da constatação, enunciada pelo verso "Porque não posso fazer o contrário", o que implica a negação da subjectividade, aliada ao acto de constatar.
Sonoridades
Nalguns versos, a repetição de sons nasais sugere o prolongamento do som no espaço, estabelecendo a relação entre o possessivo ("minha" / "meus"), a forma verbal ("partem") e o grupo nominal ("lenço branco"), tornando óbvia a ideia da despedida, isto é, a recusa da aliança entre subjectividade e o poema.
"Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos (...)
Aos meus versos (...)
(...)
Ei-los que vão já longe como que na diligência"
Os sons aberto e semiaberto servem a constatação e o didactismo: alta, partem, humanidade, já (aberto); janela, versos (semiaberto).
2 comentários:
Pode explicar um pouco melhor o que quer dizer quando fala no paralelismo semântico?
Paralelismo semântico - Dizer o mesmo por outras palavras. PARALELISMO SEMÂNTICO: consiste numa sequência de expressões simétricas no plano das ideias.
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