sábado, 31 de agosto de 2013

Salada de fruta




A salada de fruta pode ser apresentada de muitas maneiras! Aqui fica uma que faz um "figurão": laranjas, cravinho e frutos à escolha.


A palavra salada


Hoje em dia, quando falamos de misturas, sejam elas quais forem, dizemos que se trata de uma salada, mais!, chegamos mesmo a dizer que é uma salada russa. E de mistura em mistura, de "ingredientes" vários, saem, por vezes, muitas vezes, as coisas mais disparatadas. Vejamos: se numa festa nos cruzámos com pessoas vestidas das mais variadas formas, algumas bem bizarras ou estranhas, outras “produzidas” de mais para o evento, outras ainda como se fossem para a praia, para a pesca ou para o campo, dizemos que a festa era uma “grande salada russa, uma salada para todos os gostos...”; se as ideias de uma pessoa são confusas, os argumentos não convencem ninguém e são, até, por vezes, antagónicos, dizemos, “bem que grande salada vai na tua cabecinha.”; se alguém anda com meio mundo, com este/esta, aquele/aquela, havendo, com certeza, uma certa confusão de sentimentos e não só..., dizemos "que salada!".
Uma salada é, como todos sabem, um prato frio composto de legumes, carne ou peixe..., temperado com sal, vinagre, azeite ou maionese, dependendo do gosto de cada um. O que caracteriza a salada é a mistura de vários ingredientes: legumes cozidos ou crus, frutos secos e frescos, queijo, peixe ou carne, ervas aromáticas, sementes...
A palavra salada deriva de sal, a palavra que deu origem a vocábulos como salada (claro!), saleiro, salgado, salina, salmoura...
Ora bem!, se salada provém de sal, que absurdo é esse de chamarmos "salada de fruta" à mistura de vários frutos, pois se o que adicionamos à dita cuja é açúcar, e não sal? 
A língua evolui, perdem-se palavras, novos vocábulos surgem... 
A palavra salada adquiriu o sentido de “mistura”, tendo-se afastado assim do sentido original.
Este fenómeno aconteceu com muitas palavras. Com o passar do tempo, alguns vocábulos perdem o seu sentido original, ganhando outro(s): salário (outrora pagamento em sal) - palavra derivada de "Sal", que se refere ao pagamento de serviços prestados diariamente, tem origem nas palavras Sal e Diário. Foi criada pelos árabes que utilizavam o sal como moeda de troca. 
Secretária, originalmente, era um lugar para guardar coisas secretas, o tratante era quem tratava, o impostor era quem criava ou cobrava impostos…
A língua é dinâmica, está em constante evolução...


sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Letras são tretas?

O filólogo [português] Artur Anselmo, presidente do Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, considera que o português está a ser vítima de uma banalização que faz com que, cada vez mais, «as pessoas falem todas da mesma maneira», empregando «uma parcela ínfima» dos vocábulos ao seu dispor. 
«Nós temos 110 mil palavras dicionarizadas – e não falo nas locuções, que aí iríamos para as 300 mil – e o português básico está reduzido a menos de mil palavras, o que é péssimo», refere, criticando «esta falta de variedade, esta uniformidade em que caímos». 
E exemplifica:«O verbo 'pôr' está a desaparecer, hoje toda a gente 'mete', diz-se 'meto a mesa' em vez de 'ponho a mesa', e isto é mau. O verbo 'fazer' também está a desaparecer: já ninguém 'faz' perguntas, toda a gente 'coloca' questões». 
E acrescenta: «Os portugueses complicam desnecessariamente uma língua que é uma obra-prima da nossa História" quando "o simples é o contrário do banal – falar com simplicidade é falar bem, não é falar difícil nem com estereótipos banalizados». 
«O purista acabou, aquele indivíduo que nos dizia constantemente as regras da língua» já não existe, considera Artur Anselmo, para quem a ortografia é importante sobretudo para «ajudar à pronúncia correcta». 
«Agora, o que é a pronúncia correcta, a chamada ortoépia?», questiona, recordando que, tradicionalmente, se considerava que, no caso de Portugal continental, essa pronúncia passava numa isoglossa (fronteira geográfica de uma certa característica linguística) «situada aproximadamente entre a Mealhada e Leiria», dando-se como exemplo o 'falar de Coimbra', «devido ao prestígio da erudição universitária». 
Actualmente, «a ortoépia é feita pelos comunicadores, pelos locutores. Os 'predicatores', que antes eram pessoas ligadas à Igreja e à universidade, hoje são os comunicadores». 
Por outro lado – acrescenta –, o número de filólogos «tem diminuído consideravelmente» em Portugal, pois vive-se uma época «em que esse tipo de preparação universitária não é rendível ou, como para aí se diz, 'rentável'.» 
«Eu digo 'rendível' porque sei que vem do latim e sei que o 'rentable' francês deu o galicismo 'rentável', mas vou para a praça pública crucificar-me a dizer 'passem todos a usar rendível'?", interroga, dando também o exemplo dos países africanos de língua oficial portuguesa, cujo acrónimo correcto é PALOP. 
Os portugueses dizem, por vezes, 'PALOP's'. "O 's' não sei de onde veio, mas o que é que eu vou fazer? Vou pegar numa régua e ameaçar todas as pessoas que dizem PALOP's? Quem manda na língua são os seus falantes e, se estes a falam mal, o problema é deles», declara o investigador da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, para quem nem o Acordo Ortográfico «vai resolver todos os problemas». 
«As línguas vão continuar a evoluir», sublinha, dando como exemplo o inglês: «Percebo que os ingleses não tenham acordo nenhum com a Austrália e que os australianos não tenham acordo nenhum com os Estados Unidos da América. Nós queremos consultar um dicionário do inglês de Inglaterra e consultamos o Oxford, mas, se queremos consultar o inglês dos Estados Unidos, vamos ao Webster»
No caso da língua portuguesa, para o português do Brasil existem dicionários como «o Aurélio ou o Houaiss», enquanto para o português de Portugal estão disponíveis obras como o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de António Cândido Figueiredo, originalmente publicado em 1899 e objecto de várias reedições. 
No que respeita à Filologia, o presidente do Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Academia das Ciências de Lisboa entende que esta área de estudo não é muito atraente «numa sociedade de consumo em que o dinheiro é adorado em todas as ocasiões». 
«Infelizmente, o discurso que as gerações mais antigas passam aos novos é aquele que já se passava no meu tempo. Quando eu decidi ir para Letras, as amigas da minha mãe diziam 'Letras são tretas'», recorda, afirmando não estar, contudo, arrependido da escolha. «Eu amava as Letras mais do que a mim próprio e por isso cá vou andando, feliz da vida.» 

* Lusa

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Ainda o cheque-ensino



O presidente do “Fórum para a Liberdade de Educação”, Fernando Adão da Fonseca, interpelou os leitores do artigo que escreveu neste jornal, no passado dia 25, sob a epígrafe “A liberdade de educação e os inimigos da liberdade”. Antes, referindo-se à proposta de revisão do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, classificou os comentários que se têm produzido sobre o tema em dois exclusivos grupos: os que visam “simplesmente confundir o esclarecimento do que está em causa” e os que demonstram “uma oposição reacionária a qualquer mudança”. Porque sou um dos interpelados (li o artigo) e porque sou um dos visados (ousei comentar o tema), importa dizer algo. Comecemos pelas interpelações. Pergunta Adão da Fonseca se o reconhecimento de pertencer aos pais a tutela primeira sobre a educação dos filhos traduz valores de “esquerda” ou de “direita”. A resposta é óbvia e é o articulista que a dá, quando nos recorda que o conceito está contido na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Insiste Adão da Fonseca e volta a perguntar se o direito dos pais orientarem a educação dos filhos de acordo com as suas convicções religiosas, filosóficas e pedagógicas é coisa da “esquerda” ou da “direita”. E volta ele próprio a dar, liminarmente, a resposta ao que pergunta, com manifesta redundância, quando cita que tal direito está contido na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Finalmente, reincide Adão da Fonseca, perguntando se é apanágio da “esquerda” ou prerrogativa da “direita” a liberdade de aprender e ensinar, que a Constituição da República Portuguesa consigna. As questões que Adão da Fonseca escolheu para interpelar os leitores não são propriedade da “esquerda” nem reduto privado da “direita”. São questões de direitos básicos, humanistas, que a todos incumbe proteger. Adão da Fonseca sabe-o e o que escreveu demonstra-o. Por que fez, então, tais perguntas? Porque quando estendeu o indicador acusando os autores dos comentários desfavoráveis à generalização do cheque-ensino se esqueceu do polegar espetado, que o aponta como querendo, ele sim, “confundir o esclarecimento do que está em causa”. E o que está em causa é saber se deve o Estado financiar o ensino privado e se podemos falar de Educação, como faz Adão da Fonseca, como “mercado da educação”.

Retomo o que já escrevi para relembrar que a Constituição da República fixa ao Estado (Artigo 75º) a obrigação de criar “uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população”. O DL 108/88 mandou que a referida rede se fosse desenvolvendo (Artigo 3º), começando por construir escolas em locais onde não existissem escolas privadas. Assim, o legislador protegeu, e bem, as escolas privadas já instaladas, numa lógica de economia de meios. Através de “contratos de associação”, o Estado tem vindo a pagar integralmente o custo do ensino que as escolas privadas ministram a alunos que habitam em zonas não cobertas pela rede pública. E continua a pagar, desta vez mal, em zonas onde a rede pública é suficiente, delapidando recursos públicos para proteger interesses privados. É aquilo e não mais que aquilo que o Estado deve financiar. O sistema de ensino português tem dois subsistemas: um público, outro privado (cerca de 20% da rede é privada). Querer tornar os dois indiferenciáveis, por via da falsa questão da liberdade de escolha, é uma subtileza para fazer implodir o princípio da responsabilidade pública no que toca ao ensino. Os cidadãos pagam impostos para custear funções do Estado. Uma dessas funções, acolhida constitucionalmente, é garantir ensino a todos. Quando pago impostos não estou só a pagar o ensino dos meus filhos. Estou a pagar o ensino de todos. Se escolho depois uma escola privada, sou naturalmente responsável por essa escolha. A diversidade também se cumpre permitindo que as escolas públicas se diferenciem umas das outras, por via autonómica efectiva.

Adão da Fonseca invoca diversos estudos que a associação que dirige tem divulgado, para sustentar a tese que defende. Mas acrescente-se que por cada estudo pró, podemos encontrar outro contra. Basta seguir as fontes de financiamento e conhecer a ideologia das instituições que os promovem. Se pendermos para as mais independentes, a bondade redentora do cheque-ensino estatela-se. Cite-se, por todos, o caso da Suécia, ainda que as condições económicas e sociais do país (detentor de um dos melhores, senão o melhor quociente GINI do mundo) torne sem sentido qualquer transferência de políticas para a nossa situação: os resultados dos alunos suecos caíram em sede de PISA, logo que o sistema se adoptou. E esta é, talvez, uma questão crucial a debater: podem os factos sociais surgir da importação/imposição de políticas alheias ou, outrossim, devem ser construídos socialmente, respeitando a realidade local, por maior que seja o novelo de dúvidas que a caracterize?

Santana Castilho 

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Dia Mundial da Fotografia


Para assinalar este dia, nada melhor do que brincar com fotografias!
Podem experimentar aqui! http://en.animations.funphotobox.com




















sábado, 17 de agosto de 2013

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Ontem foi noite de cinema


Embora a crítica não seja muito boa, eu gostei e a minha companheira destas andanças também. Obrigada, filhota, pela companhia! Voltámos... 

sábado, 10 de agosto de 2013

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

I Love You



Hoje acordei a cantar isto! Just because i love you, baby!



You're just too good to be true can't take my eyes off of you
You'd be like heaven to touch I wanna hold you so much
And long last love has arrived and I thank God I'm alive
You're just too good to be true can't take my eyes off of you

Pardon the way that I stare is nothing else to compare
The sign of you usually weak there are no words left to speak
But if you feel like I feel please let me know that it's real
You're just too good to be true can't take my eyes off of you
I love you baby and if it's quite all right
I need you baby to warm your lonely night
I love you baby trust in me when I say
Oh pretty baby don't bring me down I pray
Oh pretty baby come on and find you stay
And let me love you baby let me love you

You're just too good to be true...
Can't take my eyes off of you can't take my eyes off of you
You're just too good to be true can't take my eyes off of you
You'd be like heaven to touch I wanna hold you so much
And long last love has arrived and I thank God I'm alive
You're just too good to be true can't take my eyes off of you
I love you baby and if it's quite all right
I need you baby to warm your lonely night
I love you baby trust in me when I say
Oh pretty baby don't bring me down I pray
Oh pretty baby come on and find you stay
And let me love you baby let me love you

Oh give you baby trust to me what I said
I need you baby to warm your lonely night
Oh pretty baby come on and find you stay
And let me love you baby let me love you

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Ontem foi dia de cinema!


Ontem foi dia de cinema, de pipocas e de cocacola! 
O filme não podia ter sido melhor!   
A Gaiola Dourada, filme de estreia de Rúben Alves, conta com leveza e humor a história de um casal de emigrantes. E é Rúben Alves  que nos diz "este filme conta a realidade dos portugueses em França, não a dos que vivem em Portugal. Mas senti que o público percebeu o filme e recebeu-o exactamente como eu queria. Pelo menos riram-se." 
E é verdade, rimo-nos a bom rir! Rimo-nos não só por ser uma comédia, mas porque está ali a "alma portuguesa". É que nós, portugueses, somos mesmo assim. Quem é que não se vê ali retratado? Desenganem-se se pensam ou respondem à pergunta: os emigrantes, claro! Não, estamos todos lá, nas pequenas subtilezas, no sentido de humor tão nosso... É uma caricatura que tem muito a ver com a realidade, rimo-nos e comovemo-nos logo a seguir. O que vemos ali retratado é a vida de muitos emigrantes e as pessoas revêem-se, riem e choram. Mas não só, não sou emigrante, não sou filha de emigrantes, mas revi-me ali, porque os portugueses são genuínos, são subtis, gentis, desenrascados, gostam de ajudar... mas, atenção, nada de lhes/nos pisarem os calos...

Vão ver, vale mesmo muito a pena ver! Eu vi e não me importava de voltar a ver! As interpretações são fabulosas: Rita Blanco, Joaquim de Almeida... O elenco não podia ser melhor!  

Em França, este filme já foi visto por um milhão de pessoas. Rita Blanco diz "toda a gente sai com um brilhozinho nos olhos". 

Parabéns, mãe!


A minha mãe fez anos! Ela já não quer comemorar o seu aniversário... da maneira tradicional, claro, com velas, bolinhos... essas coisas!
Agora, a comemoração faz-se com a presença das pessoas, com a atenção, um gesto de carinho, um abraço apertado, um sorriso cúmplice, um beijinho, dois beijinhos, um cento de beijinhos, uma carícia na cara...
Os anos passam e deixam marcas, umas boas, outras nem tanto... Gostaria que as marcas do rosto da minha mãe fossem de "coisas" boas... Claro que a vida não é sempre cor-de-rosa! Claro que por mais que tenhamos os pincéis sempre à mão e as tintas escolhidas para colorir a nossa vida sempre bem ao nosso lado, há sempre uma fada que teima em trocar-nos as tintas... Dir-se-ia, propositadamente, é que uma vida sempre cor-de-rosa, sempre do mesmo tom, tornar-se-ia monótona, pensa a fada, logo será um fardo difícil de carregar... Sempre o mesmo sorriso estampado na cara, sempre igual... Não! Até mesmo o sorriso de felicidade tem de ser sempre diferente, mais aberto, mais florido, mais colorido, acompanhado com uma, duas, muitas gargalhadas... Logo, as fadas, que sabem bem qual é o seu trabalho, estão sempre atentas, e quando o sorriso feliz começa a murchar, a não ter o mesmo brilho, a ser sempre igual, como se fosse uma máscara, elas trocam-nos as voltas, ou seja, as tintas... e vai uma pincelada de roxo ou cinzento na nossa vida para, logo a seguir, quando dermos por isso, e tentarmos desfazer as nódoas amargas das cores frias e feias das nossas amigas fadas,  escolhermos outro rosa, misturarmos as tintas até encontrarmos o rosa certo, já não será decerto aquele rosa anterior, desbotado, será outro, muito mais bonito, muito mais colorido, festivo até! E as fadas não se zangam! Não. Tudo é muito bem engendrado, combinado entre elas, é um abanão que elas nos querem dar: acordem, a vida pode ser sempre melhor, as tintas têm vários tons de felicidade, chegou a hora de avivarem as cores da vossa vida! 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O homem que nunca amou



Conheci-o num banco de jardim.
Estava calor. Estava muito calor! Estava à espera da minha filha que fora andar de barco com os amigos. Primeiro, fiquei debruçada na ponte a vê-la passar com os colegas. O barco girava de um lado para o outro, completamente desnorteado... 
Acusavam-se aos gritos: larga os remos, tu não sabes remar! E os remos andavam de mão em mão, como o barco ia de margem a margem, às voltas, embatendo aqui e ali e nos barcos que iam passando, ganhando terreno, ao mesmo tempo e com a mesma velocidade com que a algazarra e as incriminações se sucediam. Perdida de riso, acabei por deixá-los ali a decidir a melhor maneira de fazerem avançar o barco. Desci as escadinhas de madeira da ponte, bordejada de mil verdes e de flores coloridas e perfumadas e sentei-me no primeiro banco perto do lago e do local onde o alarido continuava animado.
Ele estava sentado na outra ponta do banco com o olhar perdido na água esverdeada do lago, onde saltitavam dois ou três alegres peixinhos prateados. Olhei-o de soslaio, não queria que se sentisse incomodado com a minha presença: podia ser um solitário, um sonhador...
Peguei num pauzinho e comecei a riscar o chão, tentando não fazer pó. E, enquanto desenhava círculos, corações, flores, astros..., o homem foi desviando a sua atenção da água e pegou também ele numa pequena haste caída da frondosa árvore que nos fazia sombra. Olhou-a, partiu-a, retirou-lhe algumas folhas amarelecidas e começou também ele a desenhar no pó. Sorri, afinal não sou só eu que tenho o costume de enfeitar tudo o que me fica perto dos pés!, pensei.  O seu desenho compunha-se de moinhos, árvores, pequenos animais, plantas... Em pouco tempo o seu traço atingiu o meu e vi-o a tentar conjugar o seu tracejado com os meus rabiscos. Olhou-me, os nossos olhos encontraram-se. Sorriu. Sorri. Tinha olhos amendoados, verde-azeitona, a pele clara e o cabelo totalmente branco. Deveria ter sido um homem lindo, imaginei.

- Desculpe ter abalroado o seu desenho! Já há muito tempo que não garatujava no chão. Há uma vida! Era garoto...

Calou-se momentaneamente e, com um ar sonhador, meio abstracto, perguntou:

- Posso conversar consigo? Não converso há muito tempo com uma mulher bonita. Aliás, acho que nunca conversei com uma mulher tão bonita como a senhora.

Corei, agradeci atabalhoadamente o elogio e concordei em conversar com aquele desconhecido de olhos doces e voz melíflua.

- Costumo passear por aqui e nunca a vi, não costuma vir ao jardim?, claro que não!, tinha-a visto, se viesse. Sento-me neste banco a ver a água a brilhar, os peixes a saltitar, os jovens a andar de barco... Sabe, desde que me reformei que não encontro muito sentido para a vida... O trabalho era uma companhia!...
Casei duas vezes e duas vezes me divorciei. Tenho dois filhos, não tenho netos e não tenho esperança de vir a ter... Não tenho muitos amigos. Eles gostam de jogar às cartas, às damas, xadrez, dominó... e eu gosto de me  perder nos meus livros, nos meus filmes, nos meus pensamentos, nos sonhos por realizar, no que a vida foi e no que poderia ter sido...

Olhou-me e calou-se. Procurou-me os olhos e sorriu satisfeito.

- Pelos seus olhos, vejo que não a estou a maçar!

Meneei a cabeça, não, não.

- É bom falar com uma doce e bela desconhecida... Ainda por cima, gosta de me ouvir ou, melhor!,  não se importa de me ouvir!... 
Hoje, olhando para trás, acho que a minha vida foi passando sem eu dar conta, as coisas foram surgindo, acontecendo, sem eu ter feito grande coisa para mudar fosse o que fosse...
Fui um miúdo traquina, um adolescente desligado, distraído, ausente... Pobrezinha da minha mãe! Ela sofreu muito comigo. Eu desaparecia dias a fio e nem uma palavra... Eu estava bem! Era o que contava... Nem me passava pela cabeça a aflição da minha mãe! Coitada! Agora já não posso fazer mais nada, morreu e eu, por vezes, dou comigo a penalizar-me pelo filho que fui... ela não merecia.

Olhou-me vagamente, meio triste, à espera, talvez,  que lhe dissesse algo, mas eu não encontrava as palavras certas para o animar, limitei-me a sorrir.

- Tem um sorriso lindo! Quantas vezes já ouviu isso!, certamente muitas!, não, não quero que me agradeça, nem estou a tentar engatá-la... Já não tenho idade!
As minhas mulheres não eram bonitas, numa escala de 1 a 10, ficavam-se... para aí no 4... Casei-me das duas vezes quase por acidente!...
Não faça essa cara de espanto! Acidente, sim! Casei aos 19 anos, era um miúdo e ela outra miúda, foi um casamento de garotos, claro que não podia dar certo! Nem sei se gostava verdadeiramente dela, gostava de sexo, queria sexo e para ter sexo tinha de casar e então casei. Depois ela engravidou, nasceu o meu filho... Depois divorciei-me, não havia amor e o sexo também já não era aquela coisa!

E disse coisa de modo tão enfático, tão exagerado,  e os olhos no chão perdidos, presos entre os riscos e os rabiscos. Os meus olhos permaneciam também enleados nos desenhos...

- E os anos seguintes foram de boémia, queria viver tudo o que não tinha vivido na adolescência: passava as noites nos bares a beber, a conversar... E a minha mãe a consumir-se, cada vez ia ficando mais velha e o filho mais inconsciente, mais irresponsável. Vê lá se assentas, ganha juízo, dizia ela e terminava lamurienta com um ai a minha vida!, tão sofrido! Mas, eu não a escutava, andava surdo e cego. Era o dono do mundo!

Peguei de novo no pauzito e avivei alguns riscos, porque não sabia o que dizer, nem o que fazer, mas precisava de fazer algo, de me mexer...

- Os bares eram frequentados por artistas até altas horas da madrugada, eu era bem-parecido, as mulheres olhavam-me, mas eu continuava na minha... Um dia, um dia não, uma noite, uma actriz conhecidíssima, bonita, mais velha do que eu, veio sentar-se ao meu colo e beijou-me na boca. Veja lá! Sentou-se-me ao colo e beijou-me!... Fiquei intrigadíssimo, mas todo contente, como um garoto a quem deram um chupa-chupa ou algodão-doce! Mas, depois apercebi-me que ela não me beijara, porque tivesse gostado de mim, não, apenas e só me beijou para fazer ciúmes ao namorado...
E as minhas noites eram todas iguais!

Parou e olhou para o desenho entretecido que crescia no chão. Suspirou alto.

- Sabe, foi numa dessas noites de boémia que conheci a minha segunda mulher. Apareceu com alguns amigos comuns. Feitas as apresentações, conversas sobre isto e aquilo, acabámos por ficar sozinhos a prosear e nessa mesma noite demos uns beijinhos. Fomo-nos encontrando, ela começou a dizer que queria um filho meu, nunca me disse que me amava e eu também nunca lho disse. Para quê dizer coisas que não sentimos, não é?

Olhou para mim, mantive os olhos no desenho, mas como ele continuava calado, levantei a cabeça e olhei-o com um grande ponto de interrogação no olhar.

- Não diz nada?
- Não. Ouço-o apenas. Se quiser contar-me o resto da sua história.
- Conto. Nunca falei de mim a ninguém e agora vejo-me aqui a contar a minha vida a uma estranha. Mas, continuando, a minha mãe pedia-me que ganhasse juízo, que olhasse pela minha vida, que ela não ia durar para sempre... Conversas de mãe!, sabe como é?
E, pronto, ela engravidou e eu não ia deixá-la com um filho meu na barriga, casei. Passaram-se uns anos, a vida decorria sem sobressaltos, tinha uma filha que adorava, uma família...
Parece-lhe uma história feliz?

A pergunta apanhou-me desprevenida e ele repetiu-a mais duas vezes.

- Não sei se foi uma história feliz, talvez tenha sido durante algum tempo, mas se agora está sozinho, é porque a história, feliz ou não, terminou. Por outro lado, nunca falou de amor!...
- Eu disse que não falava do que não sentia. Casei-me duas vezes e divorciei-me, como já lhe contei, não amei as minhas mulheres, mas também não foi um sacrifício viver com elas! Está a entender-me?
- Sim. Mas, porque se separou então?
- Ela encontrou o príncipe encantado e disse-me que eu já não fazia parte da sua história, que ia viver finalmente o grande amor da sua vida, o amor por que sempre esperou... 
Que podia eu fazer?, deixá-la ir, claro! Eu ainda lhe propus que fosse lá viver o seu grande amor e se desse certo, eu desaparecia, se não desse, continuaríamos como se nada tivesse acontecido, mas ela não aceitou... 
Eu, no fundo, só queria aquele conforto e estar ao pé da minha filha. Ainda esperneei um bocado, mas, depois, vi que não tinha sentido estar ali a impedir que ela fosse feliz com a pessoa por quem estava apaixonada.

Calou-se, o silêncio era tão pesado que doía, não consegui encará-lo logo. Aquela história era incrível, a história de um homem que nunca amou.

- Aí vem a sua filha!
- A minha filha?
- Só pode ser sua filha, é igualzinha a si.

Olhei para o local que ele apontava, abri o meu melhor sorriso para receber a minha princesa.

- Mãe, que belo quadro tens aos teus pés! Foste tu que fizeste?

Olhei para o lado, enquanto ia dizendo um: foi este senhor que me ajudou... mas a voz ficou-me suspensa na garganta, ao meu lado não estava ninguém, só a pequena haste...