quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

As nossas "autoridades"



Ontem fui multada!
Só fui multada, até agora, três vezes! Esta, portanto, é a minha quarta multa! Cumpro as leis à risca. Mas, por vezes, apanho polícias... enfim... devem ter estudado lá para trás do outeiro, onde o Judas perdeu as botas, no cu-de-Judas... Ou pior, onde não há nem habitantes nem escolas e, muito menos, professores.
Mas, vou contar-vos o que me aconteceu ontem. Tenho 45m para almoçar. Gosto de ir almoçar com os filhotes a casa. Por isso, saio da escola a correr, passo num "Take away" e compro algo rapidamente para o almoço. A funcionária é uma querida e já tem tudo pronto, é só pegar, pagar e correr para o carro para ir depressa almoçar com os meus meninos. Não demoro cinco minutos... 
Ia a sair do estabelecimento e vi o carro da polícia a estacionar atrás do meu. Pensei: "Outro que vem buscar o almocinho". Abri a porta do carro e o "senhor" polícia fez-me sinal com o dedo para me aproximar da sua viatura. Lá fui, com o saco da comida. E ele, vagarosamente, pegou no livrinho das multas e disse-me: "Vou multá-la, porque estacionou em cima do passeio! Os passeios são para as pessoas, não para os carros." Olhei para ele e para o carro dele (e deu-me uma valente vontade de rir!) e disse: "Não demorei nem cinco minutos". Ele ignorou e voltou a informar-me que ia passar a multa. Não disse nada e fiquei ali à espera que ele preenchesse o documento. Só estava aflita com as horas! Aquele "palhaço" ia deixar-me sem almoço! Escrevia e disse-me: "Olhe, a multa era 60 euros, mas eu só vou passar 30". Eu não tugi nem mugi. O tempo passava e ele escrevia, escrevia... Pediu-me os documentos: a carta de condução e o cartão de cidadão e lá andou com aquilo para trás e para a frente a tentar preencher a boletim da multa. Cerca de 15 ou 20 minutos depois, voltou a informar-me o quão simpático tinha sido, pois só me passou uma multa de 30 euros em vez dos 60. 
O homem só pode ser parvo, pensei, esteve mais de 20 minutos estacionado em cima do passeio, a impossibilitar que as pessoas passassem pelo dito cujo, a passar uma multa eternamente. E nós, eu e ele, no pouco espaço entre a viatura da polícia e o muro. As pessoas passavam pela estrada, contornavam o carro da polícia e passavam ao lado do meu carro, no passeio... As que vinham do lado de cima, vinham pelo passeio ao lado da minha viatura e, depois, contornavam o carro da polícia, passando pela estrada... Eu olhava aquilo e estava meio pasmada, meio revoltada... e com uma vontade de lhe dizer: Agora multe-se a si, porque se há alguém a impedir que as pessoas não possam circular no passeio é o senhor. Mas, calei-me! Gostaria de saber em que raio de escolas andou esta "gentinha" que mal sabe passar uma multa? Gostaria de saber que exemplo dão aos cidadãos? Toda a gente que passava olhava para aquela cena caricata: o polícia a multar uma pessoa, porque estacionou no passeio e ele fez o mesmo e ainda pior... Depois, estava era interessado em dizer-me que a multa deveria ser 60 euros, "mas ele estava a ser tão bonzinho que só me ia passar 30 euros"... Que cambada! 
Será que ele queria que eu lhe pedisse "batatinhas"? Pode, podia, podem todos "tirar o cavalinho da chuva" que isso nunca. 
"Boa tarde, minha, senhora, irá receber a multa em casa e não se esqueça era de 60, mas eu passei apenas de 30". E um pano encharcado na tromba! Não lhe respondi, meti-me no carro e ele foi falar com um sujeito no outro lado da estrada e deixou a sua viatura em cima do passeio... 


terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Há dias assim...


Há dias em que o meu mundo se desmorona! Há dias em que estou no paraíso! Há dias em que acho que posso tão pouco para o muito que há para fazer! Há dias em que faço brotar sorrisos! Há dias em que embacio olhos! Há dias em que me sinto útil! Há dias em que acho que está tudo mal! Há dias em que gostava de desaparecer! Há dias em que acordo inspirada! Há dias em que não sei onde vou buscar forças, inspiração... para arrancar sorrisos de rostos tão sofridos, tão abandonados... 
Há dias assim!
Tenho uma óptima relação com a maior parte dos meus alunos e com outros que não são meus alunos também: os que me conhecem da Biblioteca, dos workshops, do que lhes contam os meus alunos e ex-alunos... E fico feliz, quando me pedem amizade no Facebook, deixando mensagens como: não é minha professora, mas gostaria que fosse! Não podendo ser, seja pelo menos minha amiga aqui. E aceito-os no meu núcleo de amigos facebookianos... Na escola, timidamente, dizem, sou sua/seu amiga/o no face... Enfim, não sei o que é que eles vêem de especial em mim, não compreendo por que é importante para eles a minha amizade virtual... 
Os meus alunos dizem-me frequentemente, a professora é muito especial, é linda por dentro e por fora, gostamos muito de si... 
Há colegas que me dizem a rir: dás tantas negas, ralhas, barafustas, mas eles (os alunos) adoram-te!
Ultimamente, tenho recebido mil provas de carinho dos meus alunos, é verdade que me mostro sempre disponível para os ouvir, para lhes dar uma palavra amiga, um conselho, um abraço, um beijo até... E alguns precisam tanto de um carinho, de atenção... Têm tudo, roupas de marca, telemóveis xpto, ipads, computadores... mas falta-lhes um abracinho, um sorriso meigo, uma palavra amiga, um puxão de orelhas, um raspanete, um sermão... No fundo, ATENÇÃO! 
Ficam quase com as lágrimas nos olhos, quando sentem que me importo com eles, que só quero o bem deles, que sou professora, mãe, irmã, tia, amiga e até colega... 
Fico enternecida, quando me vêm contar os seus amores e desamores, quando choram porque se zangaram com o/a namorado/a... 
Fico agradecida, sensibilizada, quando me escolhem como confidente... e que confidências me fazem... E dou-lhes tanto "na cabeça" e conto histórias dramáticas e de terror, quando me contam as aventuras perigosas em que se metem...
Até aqui, tudo tem corrido bem, mas, e, se um dia, as coisas correrem mal, muito mal? Ponho-os a chorar, a pensar no que de terrível podia ter acontecido... Mas eu, fico destroçada, porque faço tão pouco, não sei muitas vezes sequer como actuar, o que dizer... E não sei de onde me vem a força, onde vou buscar o discurso, o sangue-frio... para lhes fazer ver o quão frágeis são, o quão se expõem ao mundo...
E eu sou a professora linda para uns, a professora  chata, exagerada, refilona para outros...
Mas é tão bom ouvir e ver escrito: Professora, adoro-a; A "setora" é muito especial para mim; A professora é a nossa professora linda...
Todos os meus alunos são especiais e nutro por eles muito carinho, são um pouco também da minha família... Sim, já tenho uma família enorme e continuará a crescer... Mas, gostaria de poder fazer muito mais pelos meus alunos... Que adultos vão ser? Que traumas vão acumulando? O que é que esta sociedade está a fazer com estas crianças? Como é possível estarem muitos só entregues a si próprios? Como queremos que tenham boas notas, que estudem? Como queremos que brinquem, que conversem? Como...? Como...? Como...? As perguntas poderiam suceder-se, nunca mais acabariam. E as respostas? Se calhar, não as teríamos! 
Como posso eu mandar embora os alunos no intervalo, quando precisam de desabafar, quando precisam de atenção, de um carinho, de uma simples palavra amiga? Não posso! E quando o faço, porque preciso de uma pausa, preciso de me afastar de tantas tristes realidades, faço-o com um peso enorme no peito. 
Mas há dias em que os intervalos são poucos para dar um sorriso, um abraço, uma palavra àqueles que fazem parte da minha vida!

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Jantar da confraria de meia tigela


Mais um jantarinho que nos saiu um jantarão!


Que tal um copito para esquecer o recibo do vencimento deste mês e dos próxiiiiiimmmmmooooosssss!


Não penses nisso, Lina! Foi-se e acho que jamais retorna!


Não sei se diga! Ai, cala-te boca!


Dita lá os números, digo-te já como é que vai ser o futuro: risonho, pouco risonho, muito risonho, risonho que baste....


Vamos mas é beber um copito! Um copito, com esse tamanho?!


Thim, thim, à nossa!


Mas que raio se passa ali atrás de tão interessante?


Estou só com um torcicolo!


Eu e o meu cabelo novo, gostam?


Tira-me uma foto como deve ser...
E pronto, ficaste a falar como deve ser!


Tenho de ir à praia!


Não sou branca nem ruiva, sou loura mesmo!
Uma morena, uma loura e uma...


Ri-te, ri-te! Vê-se mesmo que ainda não viram o recibo deste mês!


Que grandes copázios!


Estou cheio de sono!


Olha, que belos sorrisos!


Filomena ao quadrado: uma é loura, outra é...
Não há nenhuma branca nem ruiva!


Eu comi isto!


Ela comeu isto!


Ele comeu isto!


Alguém comeu isto!


A menina dos vegetais comeu isto!
Come depressa, antes que o passarinho nasça no ninho!


O polvo foi quem teve mais saída!


Tu não te atrevas a pôr isto no Facebook!
Pronto, já sei, vou apanhar!
O que vale é que sou leve e corro bem!


Ó que querida, que ar tão terno!


Deixa-me cá esconder o copo atrás da Anabela!


Pois, és sempre o mesmo, escondes o copo, mas as rosetas não enganam! Estás feita! Já foste!


Eleito o mais belo sorriso do jantar! O Rui lá sabia do que falava!


Confidências e desconfidências!


Não torças o nariz, não vale a pena, o recibo já está no teu e-mail!


Vou beber para esquecer as tristezas!
Boa desculpa, que tristezas? Andas sempre a rir!


Tudo a sorrir! Tristezas não pagam dívidas nem o jantar!


Helita, já estávamos com saudades, só falta voltares ao COIRO! A tua voz faz a diferença! Pensa nisso! Olha, que quem canta. seus males espanta!


Sorrisos Pepsodent ou será que é Colgate ou pasta medicinal Couto?


Uma não sorri, outra sorri "a little", outra sorri "a lot"!


Agora, vamos às guloseimas!


Na paleta, as cores pastel e branco, são as tendências da estação gastronómica!


Beige e castanho chocolate com alguns apontamentos de cor de canela, é também uma boa escolha para esta estação!


Os vermelhos escuros, o verde pistácio, o branco e o beige também fazem as delícias desta estação!

Até ao próximo jantar!

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Não quero morrer sem ver a cor de uma nova liberdade

A carta de Júlio Isidro

"NÃO, NÃO ESTOU VELHO!!!!!!

NÃO SOU É SUFICIENTEMENTE NOVO  PARA  JÁ SABER TUDO!

Passaram 40 anos de um sonho chamado Abril.

E lembro-me do texto de Jorge de Sena…. Não quero morrer sem ver a cor da liberdade.

Passaram quatro décadas e de súbito os portugueses ficam a saber, em espanto, que são responsáveis de uma crise e que a têm que pagar…. civilizadamente,  ordenadamente, no respeito  das regras da democracia, com manifestações próprias das democracias e greves a que têm direito, mas demonstrando sempre o seu elevado espírito cívico, no sofrer e ….calar.

Sou dos que acreditam na invenção desta crise.

Um “directório” algures  decidiu que as classes médias estavam a viver acima da média. E de repente verificou-se que todos os países estão a dever dinheiro uns aos outros…. a dívida soberana entrou no nosso vocabulário e invadiu o dia a dia.

Serviu para despedir, cortar salários, regalias/direitos do chamado Estado Social e o valor do trabalho foi diminuído, embora um nosso ministro tenha dito decerto por lapso, que “o trabalho liberta”, frase escrita no portão de entrada de Auschwitz.

Parece que  alguém anda à procura de uma solução que se espera não seja final.

Os homens nascem com direito à felicidade e não apenas à estrita e restrita sobrevivência.

Foi perante o espanto dos portugueses que os velhos ficaram com muito menos do seu contrato com o Estado  que se comprometia devolver o investimento de uma vida de trabalho. Mas, daqui a 20 anos isto resolve-se.
Agora, os velhos atónitos, repartem o dinheiro  entre os medicamentos e a comida.

E ainda tem que dar para ajudar os filhos e netos num exercício de gestão impossível.

A Igreja e tantas instituições de solidariedade fazem diariamente o milagre da multiplicação dos pães.

 Morrem mais velhos em solidão, dão por eles pelo cheiro, os passes sociais impedem-nos de  sair de casa,  suicidam-se mais pessoas, mata-se mais dentro de casa, maridos, mulheres e filhos mancham-se  de sangue , 5% dos sem abrigo têm cursos superiores, consta que há cursos superiores  de geração espontânea, mas 81.000  licenciados estão desempregados.

Milhares de alunos saem das universidades porque não têm como pagar as propinas, enquanto que muitos desistem de estudar para procurar trabalho.

Há 200.000 novos emigrantes, e o filme “Gaiola Dourada”  faz um milhão de espectadores.

Há terras do interior, sem centro de saúde, sem correios e sem finanças, e os festivais de verão estão cheios com bilhetes de centenas de euros.
Há carros topo de gama para sortear e auto-estradas desertas. Na televisão a gente vê gente a fazer sexo explícito e explicitamente a revelar histórias de vida que exaltam a boçalidade.

Há 50.000 trabalhadores rurais que abandonaram os campos, mas  há as grandes vitórias da venda de dívida pública a taxas muito mais altas do que outros países intervencionados.

Há romances de ajustes de contas entre políticos e ex-políticos, mas tudo vai acabar em bem...estar para ambas as partes.

Aumentam as mortes por problemas respiratórios consequência de carências alimentares e higiénicas, há enfermeiros a partir entre lágrimas para Inglaterra e Alemanha para ganharem muito mais do que 3 euros à hora, há o romance do senhor Hollande e o enredo do senhor Obama que tudo tem feito para que o SNS americano seja mesmo para todos os americanos. Também ele tem um sonho…

Há a privatização de empresas portuguesas altamente lucrativas e outras que virão a ser lucrativas. Se são e podem vir a ser, porque é que se vendem?

E há a saída à irlandesa quando eu preferia uma…à francesa.

Há muita gente a opinar, alguns escondidos com o rabo de fora.

E aprendemos neologismos como “inconseguimento” e “irrevogável” que quer dizer exactamente o contrário do que está escrito no dicionário.

Mas há os penalties escalpelizados na TV em câmara lenta, muito lenta e muito discutidos, e muita conversa, muita conversa e nós, distraídos.

E agora, já quase todos sabemos que existiu um pintor chamado Miró, nem que seja por via bancária. Surrealista…


Mas há os meninos que têm que ir à escola nas férias para ter pequeno-almoço e almoço.

E as mães que vão ao banco…. alimentar contra a fome, envergonhadamente, matar a fome dos seus meninos.

É por estes meninos com a esperança de dias melhores prometidos para daqui a 20 anos, pelos velhos sem mais 20 anos de esperança de vida e pelos quarentões com a desconfiança de que não mudarão de vida, que eu não quero morrer sem ver a cor de uma nova liberdade.

Júlio Isidro"

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Memorial do convento



Capítulo I

Já há dois anos que D. João V está casado com D. Maria Ana Josefa e até agora ela ainda não engravidou. A rainha reza novenas e, duas vezes por semana, recebe o rei nos seus aposentos.
Quando ambos se casaram, dormiam juntos todos os dias, mas devido ao cobertor de penas que ela trouxe da Áustria e, porque com o passar do tempo, os odores de ambos faziam com que este ficasse com um cheiro insuportável, o rei deixou de dormir com ela.
El-rei está a montar uma maqueta da Basílica de S. Pedro de Roma para se distrair. A rainha está à espera dele para que cumpra com o seu dever conjugal. O rei dirige-se aos aposentos da rainha, mas, entretanto, chega ao palácio D. Nuno da Cunha, bispo inquisidor com um velho padre franciscano, tido como virtuoso. Afirma o bispo que o frei António de S. José assegurou que se o rei mandasse construir um convento em Mafra, teria descendência. Enquanto isso, a rainha conversa e reza com a marquesa de Unhão.
Após a saída do bispo e do frei, o rei anuncia-se e, consumado o acto, na presença da corte, D. Maria tem que «guardar o choco», a conselho dos médicos e murmura orações, pedindo ao menos um filho que seja.
D. Maria adormece em paz, invisível sob a montanha de penas (cobertor) e sonha com o infante D. Francisco, seu cunhado, enquanto os percevejos começam a sair das fendas, dos refegos, e se deixam cair do alto dossel. D João também sonhará essa noite, nos seus aposentos, com o filho que poderá advir da promessa da construção dum convento para franciscanos em Mafra.

Capítulo II
Se a concepção da rainha ocorresse, seria vista como mais um entre os vários milagres tradicionalmente relacionados com a ordem de São Francisco. Diz-se, por exemplo, que um tal frei Miguel da Anunciação, mesmo depois de morto, conservara o seu corpo intacto durante dias, atraindo, desde então, uma grande quantidade de devotos para a sua igreja.
Noutra ocasião, a imagem de Santo António, que vigiava uma igreja franciscana, locomovera-se até à janela, quando ladrões tentavam entrar, pregando-lhes um grande susto. Um dia a imagem do santo caiu ao chão, mas foi socorrida e recuperada pelos fiéis. Outro caso, é o do furto de três luminárias de prata do convento de S. Francisco de Xabregas. Os gatunos entraram pela clarabóia e, passando junto à capela de Santo António, nada roubaram. Entrando na igreja, os frades deram com ele às escuras, e verificaram que não era o azeite que faltava, mas as lâmpadas que haviam sido levadas. Os religiosos ainda puderam ver as correntes de onde pendiam as lâmpadas se balançando e saíram em patrulhas pelas estradas, atrás dos ladrões. E então, desconfiados de que eles pudessem estar ainda escondidos na igreja, deram a volta, percorreram-na e só então, viram que no altar de Santo António, rico em prata, nada havia sido mexido.
Um frade, exaltado pelo zelo, culpou Santo António por ter deixado ali passar alguém, sem que nada lhe tirasse, e ir roubar ao altar-mor. O frade tirou o Menino ao santo e tomo-o como «fiador», até que o santo se dignasse a devolver as lâmpadas. Dormiram os frades, alguns temerosos que o santo se desforrasse do insulto.
Na manhã seguinte, apareceu na portaria do convento um estudante que, querendo falar ao prelado (bispo), revelou estarem as lâmpadas no Mosteiro da Cotovia, dos padres da Companhia de Jesus. Desta forma, faz-nos desconfiar que o tal estudante, apesar de querer ser padre, fora o autor do furto e que arrependido deixara lá as lâmpadas, por não ter coragem de as devolver pessoalmente. Voltaram as lâmpadas a S. Francisco de Xabregas, e o responsável não foi descoberto.
O narrador volta ao caso do frei António de S. José, e faz-nos de novo desconfiar de que o frei, através do confessor de D. Maria Ana, tinha sabido da gravidez da rainha muito antes do rei.
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Capítulo III
Passado o «Entrudo», como de costume, durante a Quaresma as ruas encheram-se de gente que fazia as suas penitências. Segundo a tradição, a Quaresma era a única época em que as mulheres podiam percorrer as igrejas sozinhas e assim gozar de uma rara liberdade, que lhes permitia até mesmo encontrarem-se com os seus amantes secretos.
Porém, D. Maria Ana não podia gozar dessas liberdades pois, além de ser rainha, agora estava grávida. Assim, tendo ido para a cama cedo, consolou-se em sonhar outra vez com D. Francisco, seu cunhado. Passada a Quaresma, todas as mulheres retornaram para a reclusão das suas casas.

Capítulo IV
Baltasar regressa a Lisboa, vindo da guerra, onde perdeu a mão esquerda numa batalha contra Espanha, para decidir a quem pertencia o trono espanhol. Ao voltar a Lisboa traz consigo os ferros que mandara fazer para substituir a mão decepada. A caminho de Lisboa, Baltasar mata um dos dois homens que o tentaram assaltar.
Não sabia se ficaria em Lisboa ou se seguiria para Mafra onde estavam os seus pais, enquanto não se decide, vagueia pelas ruas da capital, onde conhece João Elvas, que também fora soldado, com quem passa a noite junto de outros mendigos, num telheiro abandonado. Antes de dormirem, todos contaram histórias de assassinatos e mortes que ocorreram na cidade e que compararam com mortes que alguns presenciaram na guerra.

Capítulo V
D. Maria Ana Josefa está de luto pela morte do seu irmão José, imperador da Áustria. Apesar do rei ter declarado luto, a cidade está alegre, pois vai haver um Auto-de-Fé. É Domingo e os moradores gostam de ver as torturas impostas aos condenados. A família real não irá participar na festa, mas jantará na sede da Inquisição.
Nas ruas, o povo furioso grita insultos aos condenados. Entre este mar de gente encontra-se Sebastiana Maria de Jesus, mãe de Blimunda. Ela imaginava que a filha estaria também, como ela, condenada ao degredo, em Angola. Acaba por ver a filha entre as pessoas que assistem à procissão, mas sabe que não lhe poderá falar. Porém, comunica com a filha por pensamentos. Blimunda acompanhada pelo padre Bartolomeu Lourenço fica a saber que atrás de si está um homem que poderá ser o seu companheiro, a quem ela se dirige para lhe perguntar o nome.
Voltando a sua casa, Blimunda leva consigo o padre e deixa a porta aberta para que o recém-conhecido também possa entrar. Jantam. Antes de sair o padre deu a bênção a tudo o que cercava o casal. Blimunda convida Baltasar para que fique morando na sua casa, pelo menos até que ele tivesse que voltar a Mafra. Deitaram-se, Blimunda era virgem e entrega-se a ele. Com o sangue escorrido ela desenhou uma cruz no peito de Baltasar. No dia seguinte, ao acordar, Blimunda, sem abrir os olhos, come um pedaço de pão e promete a Baltasar que nunca o olharia por dentro, porque ela consegue ver o interior das pessoas quando está em jejum.

Capítulo VI
Este capítulo começa com Baltasar Sete-Sóis a realçar a importância do pão para os portugueses e o facto dos estrangeiros que vivem em Portugal estarem fartos de comer pão. Assim, eles produziram e trouxeram dos seus países os seus alimentos e vendiam-nos muito mais caros sendo difícil aos portugueses comprarem-nos.
Depois Baltasar conta a história caricata de uma frota francesa: quando ela chegou a Portugal, os portugueses pensavam que vinha invadir o nosso país, afinal tratava-se de um carregamento de bacalhau. No decorrer do capítulo, Baltasar fala com o padre Bartolomeu Lourenço, Bartolomeu diz sonhar que um dia conseguirá voar e disse a Baltasar que o Homem primeiro tropeça, depois anda, depois corre e um dia voará. Baltasar dá a sua opinião argumentando que para o homem voar terá que nascer com asas.
O padre Bartolomeu diz a Baltasar que para a Igreja é um pecado andar a dormir com Blimunda sem serem casados. Depois Baltasar e Bartolomeu vão para S. Sebastião da Pedreira (Lisboa) para verem a máquina que Bartolomeu inventou para um dia poder voar e à qual chamou passarola. Quando chegaram, Bartolomeu mostrou o desenho da passarola a Baltasar, explicando-lhe como é que tencionava fazê-la voar.
Após a explicação, Bartolomeu pede-lhe para o ajudar na construção da passarola. Inicialmente Baltasar mostra-se receoso em aceitar a proposta, mas depois de Bartolomeu dizer que o facto de Baltasar ser maneta não tem importância, então este aceita o desafio.

Capítulo VII
No início deste capítulo, a falta de dinheiro é o grande obstáculo que Baltasar tem de ultrapassar para começar a construção da passarola. Então Baltasar começa a trabalhar num açougue em Lisboa para ganhar o dinheiro necessário e poder realizar o seu sonho – fazer a passarola voar.
No decorrer deste capítulo, o narrador relata os assaltos que os portugueses sofreram durante as suas viagens marítimas, fala também sobre a gravidez de D. Maria Ana que teve uma menina, embora D. João quisesse um rapaz. Na altura do nascimento a seca que durava há oito meses acabou, vindo assim muita chuva.
Mais à frente, narra-se o baptizado da princesa que recebeu os seguintes nomes: Maria Xavier Francisca Leonor Bárbara e no fim deste capítulo anuncia-se a morte de Frei António de S. José.

Capítulo VIII
Baltasar e Blimunda estão a dormir. Entretanto Blimunda acorda e estende a mão para o saco onde costuma guardar o pão, mas apenas acha o lugar. Então procura por debaixo do travesseiro e no chão, no entanto, Baltasar diz-lhe para não procurar mais, porque não irá encontrar nada. Blimunda, com os olhos fechados, implora a Baltasar que lhe dê o saco, mas este só lho dará depois dela lhe contar que segredo esconde. Esta tenta sair da cama, mas ele não a deixa e acabam por brigar, por fim Baltasar dá-lhe o pão.
Depois de Blimunda ter comido o pão diz a Baltasar: «Eu posso ver as pessoas por dentro, mas só o faço quando estou em jejum...» e promete nunca vê-lo por dentro. Ele não acredita. No dia seguinte, iriam os dois à rua, ele iria atrás para que ela não o pudesse ver. Ela na frente, de olhos fechados, diria o que viria dentro das pessoas, por debaixo das roupas e até por debaixo da pele, o que estaria no interior da terra, mas tudo isto acabaria quando o quarto da lua mudasse. E assim foi.
Entretanto nasceu o infante D. Pedro, segundo filho dos reis. 

Capítulo IX
Baltasar e Blimunda mudam-se para a quinta do Duque de Aveiro, em S. Sebastião da Pedreira (Lisboa), para trabalhar na construção da máquina de voar do Padre Bartolomeu Lourenço.
Apesar de não ter a mão esquerda, Baltasar tem a ajuda de Blimunda, uma mulher vidente.
El-rei, que ainda gosta de brinquedos, protege o padre da Inquisição. Este decide partir para a Holanda, terra de muitos sábios sobre alquimia e éter, elemento que faz com que os corpos se libertem do peso da terra.
Nesta altura as freiras de Santa Mónica manifestam-se contra a ordem de D. João V de que elas só podem falar com familiares.
O padre abençoou o soldado e a vidente, despediu-se e partiu, deixando a quinta e a máquina de voar ao cuidado deles. Antes de partir para Mafra, o par decide não ir ao Auto-de-Fé e vão assistir às touradas, que é um bom divertimento.
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As touradas é como assar o touro em vida, tortura-se o touro, enquanto o público aplaude a mísera morte. Cheira a carne queimada mas o povo nem nota, pois está habituado ao churrasco do Auto-de-Fé.
Na madrugada seguinte Baltasar e Blimunda partem para Mafra com uma trouxa e alguma comida.

Capítulo X
Baltasar e Blimunda chegam a Mafra. A mãe de Baltasar fica chocada por ver o seu filho maneta. No fim do dia chega João Francisco, pai de Baltasar, e conversam sobre o que tinha acontecido na guerra. Blimunda fala um pouco sobre a sua família e a uma dada altura diz que a sua mãe foi degredada, porque foi denunciada ao Santo Oficio. O pai de Baltasar fica preocupado, porque pensa que ela é judia ou cristã-nova, mas Baltasar diz que sua sogra tinha sido degredada por ter visões e ouvir vozes, diz ainda que pretendem ficar em Mafra e que estão a pensar em comprar casa.
Seu pai conta-lhe que vendeu as terras que tinha na vela, porque o rei queria construir um convento de frades. João Francisco foi à salgadeira e tirou um bocado de toucinho, dividiu em quatro tiras e colocou uma em cada fatia de pão e distribuiu por todos. Ficam a olhar Blimunda para verem se ela come a sua fatia, podiam tirar a dúvida se ela era ou não judia, mas ela come tranquilamente. Baltasar diz a seu pai que precisa de arranjar um emprego para si e para sua mulher, todos ficaram com dúvidas se ele conseguiria arranjar trabalho devido à mão.
No dia seguinte, conheceram a nova parente, Inês e seu marido que falaram sobre a morte do filho do el-rei e do seu filho que está doente. Baltasar caminha sobre as terras da vela e relembra os momentos que ali passou, encontra o seu cunhado e conversa sobre o convento que ali se construirá, e sobre os frades que irão vir viver para ali.
Ao chegar a casa encontra sua mãe a falar com sua mulher sobre a rainha que agora visita muitas igrejas e muitos conventos onde reza pelo seu marido que está muito doente. D. Maria fica em Lisboa a rezar, enquanto seu marido se acaba de curar naqueles campos de Azeitão, onde os franciscanos da Arrábida estão a assistir. O infante D. Francisco sozinho em Lisboa tenta fazer a corte a sua cunhada deitando contas à morte do rei.

Capítulo XI
O padre Bartolomeu regressou de Holanda, não sabemos se trouxe ou não os segredos que buscava. Foi à Quinta de S. Sebastião da Pedreira. Três anos inteiros haviam passado e tudo estava abandonado, o material que trabalhara disperso pelo chão. O padre vê rastos de Baltasar, mas não vê os de Blimunda e julga que ela morrera. Depois, parte para Coimbra, não sem antes passar por Mafra, onde vai ver os homens que iniciam o trabalho do Convento. Procurou por Baltasar e Blimunda, junto do pároco e informa que os casara em Lisboa. Blimunda veio abrir a porta e reconheceu-o pelo vulto, quando desmontava. Beijou-lhe a mão. Marta Maria estranhou que a sua nora fosse abrir a porta a quem não batesse ainda.
Mais tarde, chegam Baltasar, o pai e aquele, por convivência com Blimunda, ao ver a mula adivinha tratar-se do padre. Marta Maria, que já desconfiava ter uma "nascida" (tumor) no ventre, lamenta nada ter a oferecer ao padre, nem comida, nem abrigo para passar a noite. O padre Bartolomeu dorme na casa do pároco e, pela madrugada, chegam Blimunda e Baltasar. Ela sem comer.
Bartolomeu ama-os, eles sabem; Baltasar pergunta se o éter é a alma e o padre diz que não, que é da vontade dos vivos que ele se compõe. Blimunda espantou-se e o padre pediu que ela o olhasse por dentro. Ela viu uma nuvem escura, à altura do estômago. Era da vontade, diferente da alma, o que faria voar a passarola. Bartolomeu montou na mula, disse que ia a Coimbra e que, quando voltasse a Lisboa, mandaria avisar os dois para que lá estivessem. Baltasar ofereceu o pão a Blimunda, mas ela pediu, primeiro, para ver a vontade dos homens que trabalhavam no convento.

Capítulo XII
O filho mais velho de Inês Antónia e Álvaro Diogo morreu há três meses, de bexigas. Álvaro tem a promessa de conseguir emprego na construção do convento. Marta Maria sofre de dores terríveis no ventre. João Francisco está infeliz porque o filho partirá novamente para Lisboa e o convento dará trabalho a muitos homens. Blimunda foi à missa em jejum e viu que dentro da hóstia também havia a tal nuvem fechada – vontade dos homens.
O padre Bartolomeu de Gusmão escreve de Coimbra e diz ter chegado bem, mas agora viera uma nova carta para que seguissem para Lisboa. Partiram em dois meses, porque o rei vinha a Mafra inaugurar a obra do convento. Sete-Sóis e Blimunda conseguiram lugar na igreja. No dia seguinte formou-se a procissão, o rei apareceu. A pedra principal foi benzida; foi tanta a pompa que se gastaram duzentos mil cruzados.
Baltasar e Blimunda partiram para Lisboa. A mãe Marta Maria despede-se do filho dizendo que não o tornará a ver. Blimunda e Sete-Sóis dormem na estrada. Por fim, chegaram à quinta onde esperariam o padre voador.

Capítulo XIII
Os arames e os ferros enferrujaram-se e os panos da passarola cobrem-se de mofo; o vime, ressequido, destrança-se. Baltasar experimenta os ferros, tudo perdido, é melhor começar outra vez. Enquanto o padre não chega, constrói-se a forja, vão a um ferreiro e vêem como se faz o fole. Quando Bartolomeu de Gusmão chegou e viu o fole pronto, peça por peça desenhada e feita por Sete-Sóis, ficou contente e disse: "Um dia voarão os filhos do homem." Encomendou a Blimunda duas mil vontades dos homens e mulheres que morreriam a fim de que, junto com âmbar e imãs, pudessem fazer subir a nau que construíam. O padre distribui tarefas, indica a Sete-Sóis onde comprar ferro, vime e peles para os foles, pede segredo absoluto de tudo o que estão a fazer.
Trabalham na passarola quase um ano inteiro, procissões passam em delírio pelas ruas, povo misturado ao clero, clero misturado aos nobres.

Capítulo XIV
O padre Bartolomeu Lourenço voltou a Coimbra já doutor em cânones, e agora pode ser visto na casa de uma viúva. D. João manda vir da Itália o maestro barroco Domenico Scarlatti, a fim de dar lições de música à sua filha, a infanta D. Maria Bárbara. Scarlatti e Bartolomeu tornam-se amigos, partilhando as mesmas ideias e sonhos. Confiante em Scarlatti, o padre leva-o a S. Sebastião da Pedreira e apresenta os amigos e a passarola a Scarlatti. Blimunda chega da horta trazendo "brincos de cereja", a fim de brincar com Baltasar. Quando os viu, o músico pensou: Vénus e Vulcano.
O padre diz a Scarlatti que ele e Baltasar têm ambos 35 anos e que não poderiam ser pai e filho. Mas poderiam ser irmãos, portanto, desde o começo da história, o tempo que se passou pode ser contado, nove anos. Mostrada a passarola por dentro, retira-se Scarlatti, mas promete voltar e trazer o cravo, que tocará enquanto Blimunda e Baltasar trabalham. O padre lá permaneceu, onde treinou o seu sermão para que os dois ouvissem. Discutem sobre Deus. Blimunda adormeceu com a cabeça apoiada no ombro de Baltasar. Um pouco mais tarde, ele levou-a para dormir. O padre saiu para o pátio, e toda a noite ali permaneceu, tomado por tentações.

Capítulo XV
Scarlatti voltou muitas vezes à quinta e pedia que não parassem o trabalho; ali, no meio dos ruídos, grandes barulhos e confusão, tocava o cravo.
Há um surto de varíola em Lisboa, oriundo de uma nau vinda do Brasil. O padre pede à Blimunda que vá à cidade e que recolha as vontades das pessoas. É assim que ela, em jejum, durante um dia inteiro se põe a recolher tais vontades. Um mês depois, são mais de mil vontades presas ao frasco em que Blimunda as recolhia. E quando a epidemia terminou, ela tinha aprisionado duas mil vontades. Foi então que caiu doente. Nada a curava da extrema magreza; mas um dia, Scarlatti pôs-se a tocar e ela abriu os olhos e chorou. O maestro veio, então, todos os dias, quer fizesse chuva ou sol; e a saúde de Blimunda voltou depressa. Um dia, Baltasar e Blimunda vão a Lisboa e encontram Bartolomeu doente, magro e pálido. Parecia ter medo de algo.

Capítulo XVI
Neste capítulo, comenta-se fortemente a governação do reino, criticando a maneira de se fazer justiça, onde o poder e a riqueza se sobrepõem sempre àqueles que nada têm nem podem. Até mesmo o destino, se calhar, foi injusto ao deixar morrer afogado o Infante D. Miguel, poupando a vida ao seu irmão o Infante D. Francisco. Entretanto, criada pelo Padre Bartolomeu Lourenço, a passarola, a máquina de voar, está pronta. Em S. Sebastião da Pedreira, Baltasar e Blimunda, têm de deixar a quinta que foi perdida por El-rei para o Duque de Aveiro. O Padre Bartolomeu Lourenço aguarda a vinda de El-rei para provar a máquina e quer dividir a glória e a fama do seu invento com Blimunda e Baltasar.
Porém, o Padre anda agitado e receoso de que o acusem de feiticeiro e judeu, embora conte com o apoio de El-rei. O tempo passa, El-rei não chega; já é Outono e a máquina necessita de sol para se erguer do chão. Certo dia, eis que o Padre Bartolomeu Lourenço chega pálido e assustado dizendo que tinha de fugir, pois o Santo Ofício já andava à sua procura para o prender. Apontou a passarola e disse que iriam fugir nela. Depois de preparada pedem ajuda ao Anjo Custódio para aquela "viagem".
Partiram pelos ares sacudidos pelos ventos até aonde o destino os quis levar. Passam por momentos de medo, euforia, deslumbramento e felicidade, considerando-se loucos. Lá do alto avistam Lisboa, o Terreiro do Paço, as ruas... Nesta altura procuram o padre para o prender e percebem que este fugiu. A noite chega, sem sol a máquina começa a perder altitude. Estão assustados. O Padre Bartolomeu Lourenço, resignado, espera o fim mas Blimunda como que inspirada, consegue controlar a máquina com a ajuda de Baltasar e evitam o pior.

Uma vez em terra firme consideram um milagre  terem-se salvado sem qualquer ferimento.
Não sabem onde estão. O Padre acha que vão encontrá-los e que morrerão. Blimunda e Baltasar, confiantes, acreditam que se se salvaram daquele perigo, também se  salvarão dos próximos, e estão prontos para fazer a máquina voar no dia seguinte. Cansados e depois de comerem algo, adormecem, Blimunda e Baltasar.

O Padre está doente, tenta pegar lume na passarola, mas os dois não o permitem. Afasta-se para umas moitas e nunca mais é visto. Baltasar vai procurá-lo, mas em vão. Cobriram a máquina de ramos e folhas para impedi-la de voar. Na manhã seguinte, desceram pelo mesmo sítio onde o Padre desaparecera sem deixar rasto, mas nem sombra dele. E lá partiram os dois. Ao fim de dois dias chegam a Mafra, onde havia uma Procissão na rua que dava graças a Deus por haver mandado voar sobre as obras da Basílica o seu Espírito Santo.

Capítulo XVII
Numa altura em que se passam tantos prodígios, Blimunda e Sete-Sóis têm que guardar segredo porque se assim não fosse algo lhes aconteceria. Na casa dos pais de Baltasar, o par estava infeliz pela perda da mãe, mas Inês Antónia contou-lhes os benefícios do Espírito Santo. No dia seguinte, Baltasar saiu de casa com o cunhado à procura de emprego na obra de construção do convento.
A Mafra chegaram notícias que tinha ocorrido um pequeno terramoto em Lisboa derrubando beirais e chaminés. Passados mais de dois meses, Baltasar e Blimunda foram viver para Mafra. Baltasar fez uma jornada e foi ver que a máquina de voar estava no mesmo sítio, na mesma posição, descaída para um lado e apoiada na asa debaixo de uma cobertura de ramagens já secas. Dois meses mais tarde, Blimunda vem esperá-lo ao caminho e conta-lhe que Scarlatti está na casa do Visconde. Scarlatti tinha feito um pedido ao rei para poder visitar as obras do convento e o Visconde hospedara-o, apesar de não gostar de música.
Scarlatti disse a Baltasar que o padre Bartolomeu teria morrido em Toledo para onde tinha fugido e como não falavam de Baltasar nem Blimunda resolveu vir a Mafra verificar se estavam vivos. Nessa noite soube-se que quando a máquina caiu o padre havia fugido e nunca mais voltara.
No dia seguinte Scarlatti partiu para Lisboa. 

Capítulo XVIII
D. João V estava sentado numa cadeira escrevendo os seus bens e riquezas no rol. El-rei meditou acerca do que iria fazer às tão grandes somas de dinheiro, chegando à conclusão que a alma seria a primeira atenção, mandando construir o convento de Mafra, pagando com o ouro das suas minas e fazendas. Todos os materiais utilizados no convento eram de qualidade. De Portugal a pedra, o tijolo e a lenha para queimar, o arquitecto alemão, italianos mestres dos carpinteiros e da Holanda os sinos e os carrilhões.
O convento levaria treze anos a ser construído. Blimunda, Inês Antónia, Álvaro Diogo e o filho esperavam Baltasar, para jantarem com o velho João Francisco. Acabado o jantar Álvaro Diogo dormiu a sesta. Baltasar bebe desde que soube da morte do padre Bartolomeu Lourenço e da sua passarola, foi um choque muito grande. Baltasar e seus amigos conversam acerca das suas vidas e falam de como eram as suas vidas antes de trabalharem em Mafra.
Baltasar tem quarenta anos, a sua mãe já morreu e o seu pai mal pode andar, perdeu uma mão na guerra. Baltasar comenta que nem sabe se perdeu a sua mão na guerra ou se foi o Sol que a queimou, porque afirma que subiu uma serra tão alta que quando estendeu a mão tocou no Sol e queimou-a. Os seus colegas comentaram que era impossível visto que só tocaria no sol se voasse como os pássaros, ou então seria bruxo. Baltasar nega dizendo que não é bruxo e também diz que ninguém o ouviu dizer que voou.

Capítulo XIX
Durante muito tempo Baltasar puxou e empurrou carros de mão e um dia, com a ajuda de João Pequeno, puxou uma junta de bois, fazendo companhia ao seu amigo corcunda.
Houve notícia que era necessário ir a Pêro Pinheiro buscar uma pedra muito grande que lá estava. Construíram lá um carro para carregar a pedra, como se fosse uma nau da Índia com calhas. Foram para lá quatrocentos bois e mais de vinte carros.
Ao amanhecer os homens partiram para cumprir três léguas até onde estava a pedra. Diziam que nunca tinham visto uma coisa como aquelas. Escavaram junto à pedra de forma a levá-la inteira para Mafra. A pedra vinha puxada a braços. Baltasar viu sangue dum dos homens que se ferira. No primeiro dia não andaram mais de quinhentos passos. No segundo dia foi pior porque o caminho era a descer e foi preciso meter calços nos carros.
Um homem, chamado Francisco Marques, morreu atropelado por um carro, a roda passou-lhe sobre o ventre. Quando chegou ao fundo do vale, o carro que transportava a pedra desandou atingindo dois animais, a seguir tiveram de os matar. Gastaram oito dias entre Pêro Pinheiro e Mafra, quando chegaram parecia que tinham vindo da guerra, vinham sujos e esfarrapados. Todos se admiraram com o tamanho da pedra que ficou baptizada como (Benedictione).

Capítulo XX
Era a sexta ou sétima vez que Baltasar se deslocava a Monte Junto para consertar a máquina que se ia destruindo com o tempo. Mesmo protegida por mato e silvado, as lâminas da máquina voadora ficavam enferrujadas.
Baltasar aproveitava a viagem para colher vimes, que serviam para consertar os rasgões que encontrava no entrançado da máquina.

Chegou o dia em que Blimunda decidiu acompanhar Baltasar na viagem. Justificou-se dizendo que gostaria de conhecer o percurso, mas fora para o caso de necessitar deslocar-se até ao local sozinha, poder fazê-lo sem problemas.

Puseram-se a caminho depois das despedidas, com o burro que Baltasar arranjara para os ajudar na longa viagem que tinham pela frente. Foram passando pelas vilas que Blimunda ia decorando, até chegarem ao destino.
Durante o dia tentaram consertar a máquina até ao pôr-do-sol. Passaram a noite na passarola e voltaram no dia seguinte a Mafra.
Mesmo depois da longa viagem ainda não tinham passado pelo pior, pois foi à hora do jantar, quando todos se juntaram, que morreu o pai de Baltasar, João Francisco.

Capítulo XXI
D. João V queria construir uma Basílica de S. Pedro em Lisboa, mas o arquitecto de Mafra, que foi chamado pelo rei, João Frederico Ludwig, aconselhou-o a não construir a basílica, porque demorava muito tempo a construir e D. João V poderia já não estar vivo quando acontecesse a inauguração desta. Então o rei decidiu aumentar o convento de Mafra de oitenta para trezentos frades, e assim foi, foram chamados o tesoureiro, o mestre dos carpinteiros, o mestre dos alvenéus, o abegão-mor e o engenheiro das minas.
Então começaram as obras, mas depois o rei decidiu que a inauguração do novo convento seria no dia dos seus anos, que calhava num Domingo, daí a dois anos; após essa data, o seu próximo dia de anos, que calhasse num Domingo só seria daí a dez anos e poderia ser muito tarde.
Como dois anos seria pouco tempo para a construção do novo convento, D. João V mandou os seus homens irem buscar outros homens a todas as partes do país. Eram recrutados contra a sua vontade, como escravos, indo assim trabalhar para as obras do convento, para este estar pronto a tempo. Alguns destes homens chegaram até a morrer com fome e perdidos a tentar voltar para casa.

Capítulo XXII
Este capítulo versa essencialmente sobre as famílias reais portuguesa e espanhola. Desde muito cedo foram organizados casamentos entre as duas como os que agora se vão realizar, o de Maria Vitória, espanhola, que casou com o português José e o de Maria Bárbara, portuguesa, com o espanhol Fernando.
Maria Bárbara tem 17 anos, não é formosa, mas é boa rapariga. No decorrer do capítulo apercebemo-nos que iremos assistir ao percurso de Maria Bárbara e da família real até à fronteira. Durante a viagem, a comitiva real passa por várias cidades portuguesas e depara-se com alguns problemas, principalmente os meteorológicos, visto a chuva tornar os caminhos muito difíceis de passar.
Também se refere à construção de várias propriedades reais para que se pudessem recolher durante a viagem.
É de salientar que Maria Bárbara vai para Espanha sem nunca ter visitado o Convento de Mafra que estava a ser construído em sua honra (por causa do seu nascimento).

Capítulo XXIII
De Portugal todo chegam homens e são escolhidos um por um. A infanta Maria Bárbara casa-se com Fernando de Espanha. Esta é a marca do tempo narrativo de Saramago, ou seja os factos históricos. O noivo é dois anos mais novo do que a noiva, e ele nunca poderá vir a ser rei, porque este é o sexto na linha sucessória. Domenico Scarlatti toca no seu cravo para a multidão de ignorantes, por ocasião do casamento da Infanta Dona Maria Bárbara, na fronteira com a Espanha.
Aqui, neste capítulo, o narrador menciona a procissão que levará os santos para serem 

colocados nos altares do convento de Mafra: S. Francisco, Santa Teresa, Santa Clara, S. Vicente, S. Sebastião e Santa Isabel. Seguem também para Mafra frei Manuel da Cruz e os seus noviços. Trinta, e ali, quando chegam cansados, são recebidos em triunfo.
Baltasar vai para casa, o narrador anuncia-nos que ele está muito debilitado. Depois da ceia, quando todos dormem, Baltasar e Blimunda vão ver as estátuas. Vêem a lua nascer enorme e vermelha. Ele anuncia-lhe que vai a Monte Junto na manhã seguinte, ver como está a passarola. Ela pede-lhe para ter cuidado e ele responde que ela fique sossegada, que o seu dia ainda não chegou. Olham os santos inertes, o que seria aquilo? Morte, santidade ou condenação? Quando amanheceu, Blimunda levantou-se e juntou comida para o farnel do marido que ia a Monte e acompanhou-o até fora da vila e separaram-se. Ao chegar ao lugar onde estava a passarola, Baltasar come as sardinhas que Blimunda lhe tinha colocado no alforge. Havia tanto trabalho a fazer.

Capítulo XXIV
Baltazar não voltou para casa, o que fez Blimunda não dormir aquela noite. Esperara que ele voltasse ao cair do dia, haveria os festejos da sagração da basílica, mas ele não voltara.
Em jejum, olhando as pessoas que passavam para a festa, estava sentada numa vala e ali ficou, vendo o que os que passavam carregavam por dentro; recebendo insultos, dizendo outros. Voltou para casa, ceou com os cunhados e o sobrinho. Não conseguiu dormir.
Não verá o rei quando ele vier a Mafra, vai esperar Baltazar pelos caminhos, desesperadamente tentando encontrá-lo, chegou até a Monte Junto e encontra o alforge, mas nem sinal de Baltasar nem da passarola, chora sem saber se ele morreu ou vive. Encontra um frade que tenta violá-la, mata-o com o espigão de Baltazar. Parte em busca do seu amado. Voltou a Mafra, pensando que se tinham desencontrado, mas ele não estava lá.
À tardinha, chegaram Inês António e Álvaro Diogo e encontraram-na a dormir. De manhã, ela esquece-se de comer o pão e vê-os por dentro.
D. João V faz quarenta e um anos e é Domingo, 22 de Outubro de 1730. Inaugura-se o convento.

Capítulo XXV
Durante nove anos, Blimunda andou pelos caminhos sempre à procura de Baltazar que sabia estar vivo. Perguntou por ele em todo o lado.
Julgavam-na doida, mas ouvindo-lhe as demais sensatas palavras e acções, ficavam indecisos se aquilo que dizia era ou não falta de juízo completo. Passou a ser chamada a Voadora, e sentava-se, então, às portas, ouvindo as queixas das mulheres que lamentavam, depois, que os seus homens não tivessem também desaparecido, para que elas pudessem, ao menos, devotar-lhes um amor tão grande como o de Blimunda a Baltazar. E os homens, quando ela partia, ficavam tristes, inexplicavelmente tristes.
Voltava aos lugares por onde passara, sempre perguntando. Seis vezes passara por Lisboa, esta, a que vinha agora, era a sétima. Sem comer, o tempo era chegado para ela. No Rossio, finalmente encontrou Baltazar. Havia lá um Auto-de-fé. Eram onze os condenados à fogueira; entre eles, estava António José da Silva, o Judeu, dramaturgo autor das Guerras de Alecrim e Manjerona e Baltasar, ela olhou-o, recolheu a sua vontade, porque ele lhe pertencia.