domingo, 10 de abril de 2011

Os Maias - acção (estrutura trágica da intriga)

11.


A acção trágica d’ Os Maias

A acção trágica d’ Os Maias assenta em quatro facetas, relacionadas entre si: a função dos presságios, o papel do destino como sua força motriz, as características temáticas da intriga (onde se inclui o tema do incesto) e o próprio desenrolar da fábula antiga.

Tragédia

Peça teatral cuja acção dramática tem um desfecho funesto.

Atribui-se a sua origem à Grécia Antiga, nomeadamente às celebrações em honra ao deus grego Dionísio (conhecido entre os romanos como Baco).

Segundo Aristóteles, a tragédia clássica devia cumprir três condições: possuir personagens de elevada condição (heróis, reis, deuses), ser contada numa linguagem elevada e digna e ter um final triste, com a destruição ou loucura de um ou várias personagens sacrificadas ao tentar rebelar-se contra as forças do destino.

Os presságios ou indícios

O presságio constitui todo o tipo de afirmação ou acontecimento que pode fazer prever uma fatalidade e corresponde àquilo a que, em análise estrutural da narrativa, se chama indício, isto é, uma unidade narrativa que a partir das atitudes das personagens fornece informações de natureza psicológica ou ideológica, veiculando prenúncios.

Presságios que podemos encontrar n’ Os Maias

· Caracterização de Maria Monforte

“Sob as rosinhas que ornavam o seu chapéu preto os cabelos loiros, dum oiro fulvo, ondeavam de leve sobre a testa curta e clássica: os olhos maravilhosos iluminavam-na toda; a friagem fazia-lhe mais pálida a carnação de mármore: e com o seu perfil grave de estátua, o modelado nobre dos ombros e dos braços que o chale cingia - pareceu a Pedro nesses instantes alguma coisa de imortal e superior à terra.”

Os Maias, cap. I

Maria Monforte é caracterizada como uma deusa. Esta personagem é relacionada com a Vénus Citereia que se encontra no jardim do Ramalhete. Por um lado, esta estátua simboliza a feminilidade perversa responsável pela tragédia da família. Por outro lado, o facto de ser de mármore faz-nos relembrar a tragédia clássica e sugere a morte, por ser o material usado nas campas e também pela cor branca associada à frieza da morte.

· Descrição de Maria Monforte, quando Afonso a vê pela primeira vez.

“Maria, abrigada sob uma sombrinha escarlate, trazia um vestido cor de rosa cuja roda, toda em folhos, quasi cobria os joelhos de Pedro sentado ao seu lado: as fitas do seu chapéu, apertadas num grande laço que lhe enchia o peito, eram também cor de rosa: e a sua face, grave e pura como um mármore grego, aparecia realmente adorável, iluminada pelos olhos dum azul sombrio, entre aqueles tons rosados. (…)

Afonso não respondeu: olhava cabisbaixo aquela sombrinha escarlate, que agora se inclinava sobre Pedro, quasi o escondia, parecia envolvê-lo todo - como uma larga mancha de sangue alastrando a caleche sob o verde triste das ramas.”

Os Maias, cap. I

O sombrio dos olhos azuis de Maria Monforte sugere o luto e a desolação que assomará a família Maia, devido ao comportamento desta personagem.

A sombrinha escarlate que se inclinava sobre Pedro “como uma larga mancha de sangue” agoura a “poça de sangue que se ensopava no tapete” na noite do suicídio de Pedro, quando se confirma a tragédia.

· Comentário de Vilaça

“- Há três anos, quando o Sr. Afonso me encomendou aqui as primeiras obras, lembrei-lhe eu que, segundo uma antiga lenda, eram sempre fatais aos Maias as paredes do Ramalhete. O Sr. Afonso da Maia riu de agouros e de lendas… Pois fatais foram!”

Os Maias, cap. XVII

O presságio de que as paredes do Ramalhete seriam fatais para a família Maia acabou por se cumprir, como reconhece Vilaça depois do desenlace trágico.

· Comentário de Ega

“- Tu és simplesmente, como ele, um devasso; e hás-de vir a acabar desgraçadamente como ele, numa tragédia infernal!”

Os Maias, cap. VI

João da Ega perante a inconstância sentimental de Carlos pressagia um fim trágico.

· Descrição dos lírios na casa de Maria Eduarda

“Ao pé da porta havia um piano antigo de cauda, coberto com um pano alvadio; sobre uma estante ao lado, cheia de partituras, de músicas, de jornais ilustrados, pousava um vaso do Japão onde murchavam três belos lírios brancos (…)”

Os Maias, cap. XI

Em casa de Maria Eduarda os “três belos lírios brancos” num vaso do Japão começam a murchar, quando se inicia a relação com Carlos da Maia.

O murchar dos lírios, flores que simbolizam a pureza, indicia que esta relação incestuosa iria provocar o destroçar de uma família, da qual apenas restavam, exactamente, três elementos.

· Afinidade de nomes

Maria Eduarda / Carlos Eduardo

A semelhança dos nomes Maria Eduarda e Carlos Eduardo indicia uma afinidade familiar.

· Descrição da alcova da casa de Maria Eduarda

“Era uma alcova, recebendo a claridade duma sala forrada de tapeçarias, onde desmaiavam na trama de lá os amores de Vénus e Marte: da porta de comunicação, arredondada em arco de capela, pendia uma pesada lâmpada da Renascença, de ferro forjado: e, àquela hora, batida por uma larga faixa de sol, a alcova resplandecia como o interior de um tabernáculo profanado, convertido em retiro lascivo de serralho...”

Os Maias, cap. XIII

As alusões a Vénus e Marte subentendem uma ligação instável, pois esta deusa, por não suportar a fealdade do seu marido Vulcano, entregou-se à vida dissoluta e teve vários amantes, entre os quais Marte. O verbo “desmaiavam” pressagia o esmorecer da relação de Carlos e de Maria Eduarda. O nome “trama” remete para o destino traçado para a relação.

· Descrição do painel antigo da casa de Maria Eduarda

“Mas Maria Eduarda não gostou destes amarelos excessivos. Depois impressionou-se, ao reparar num painel antigo, defumado, ressaltando em negro do fundo de todo aquele oiro – onde apenas se distinguia uma cabeça degolada, lívida, gelada no seu sangue, dentro de um prato de cobre. E para maior excentricidade, a um canto, de cima de uma coluna de carvalho, uma enorme coruja empalhada fixava no leito de amor, com um ar de meditação sinistra, os seus dois olhos redondos e agoirentos… Maria Eduarda achava impossível ter ali sonhos suaves.”

Os Maias, cap. XI

A cabeça degolada sugere o poder destruidor da catástrofe e o sangue remete para a consanguinidade incestuosa.

A coruja, ave nocturna associada à escuridão da noite e a um envolvimento fúnebre, remete para a tristeza de uma morte.

Suicídio de Pedro

Antes de Pedro se suicidar, há alguns indícios que nos levam a pensar que algo trágico vai acontecer:

· A calma demonstrada por Pedro.

“(...) depois veio junto do pai, com o passo mal firme, mas a voz muito calma”

“Beijou-lhe a mão e saiu devagar.”

· O sofrimento que Pedro sente.

“(...) na face que ergueu, envelhecida e lívida, dois sulcos negros faziam-lhe os olhos mais refulgentes e duros.”

· A inquietação de Afonso.

“ (...) não pôde sossegar (...)”

“(...) demorou-se ainda ali, com um livro na mão, sem ler (...).”

A calma evidenciada por Pedro da Maia pode ser explicada pelo facto de já ter tomado uma decisão que poria fim ao seu sofrimento: o suicídio. Esta calma contrasta com a inquietude de Afonso que parece pressentir que algo trágico está prestes a acontecer.

A estrutura trágica da intriga principal

A intriga principal estrutura-se à volta de três elementos da tragédia clássica antiga: a Peripécia, o Reconhecimento e a Catástrofe. A Peripécia, que consiste na alteração de uma ordem estabelecida, é provocada pelas revelações de Guimarães a Ega. O Reconhecimento, ou seja, a descoberta de um facto que desencadeia mudanças, sucede com as revelações de Guimarães a Ega e consequentemente de Ega a Carlos. É desta forma, que o protagonista constata que vive uma relação incestuosa, pois a mulher que ama é sua irmã. A Catástrofe, isto é, os acontecimentos finais e dolorosos que constituem o desenlace da tragédia, ocorre com a morte de Afonso da Maia que não resiste ao facto de testemunhar a relação incestuosa que, conscientemente, Carlos mantém com Maria Eduarda e com a posterior e irreversível separação dos dois amantes. Esta destruição consuma-se por meio da verdade imposta pelo destino, corporizado por Guimarães, o mensageiro das revelações fatídicas que, ao mudar definitivamente a vida de Carlos e de Maria Eduarda, desencadeia a tragédia final.

Revelações de Ega

“No curto silêncio que caiu, um chuveiro mais largo, alagando o arvoredo do jardim, cantou nas vidraças. Carlos ergueu-se arrebatadamente, numa revolta de todo o ser:

- E tu acreditas que isso seja possível? Acreditas que suceda a um homem como eu, como tu, numa rua de Lisboa? Encontro uma mulher, olho para ela, conheço-a durmo com ela e, entre todas as mulheres do mundo, essa justamente há-de ser minha irmã! É impossível... Não há Guimarães, não há papéis, não há documentos que me convençam!

E como Ega permanecia mudo, a um canto do sofá, com os olhos no chão:

-Dize alguma coisa – gritou-lhe Carlos. Duvida também, homem, duvida comigo!...”

Perante as revelações de Ega, Carlos fica revoltado.

Carlos, tentando lutar contra aquilo que o destino lhe reservou, não aceita o que ouve.

O incesto, que designa uma união sexual entre parentes consanguíneos, era uma temática fulcral na tragédia devido à impossibilidade de uma solução pacífica, uma vez que os protagonistas sofrem quer se mantenham unidos quer se separem.


12.


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