quarta-feira, 20 de julho de 2011

Cesário Verde - A cidade


A cidade, símbolo do desenvolvimento e do progresso, metáfora do ocidente (O Sentimento dum Ocidental) aparece paradoxalmente como paradigma de todos os males (Nós).

Em O Sentimento dum Ocidental, o sujeito lírico eleva a cidade a heroína de uma epopeia às avessas. Na verdade, ao longo do poema, dividido em quatro partes, que correspondem ao progressivo anoitecer (Avé-Maria, Noite Fechada, Ao Gás, Horas Mortas), a cidade aparece como um espaço que, embora motivo de inspiração poética, nada apresenta de libertador. Progressivamente, a cidade afigura-se aos nossos olhos como:
- soturna e melancólica - "Há soturnidade, há tal melancolia";
- mórbida - "Tão mórbido me sinto, ao acender das luzes"; "E, enorme, nesta massa irregular / De prédios sepulcrais (...);
- sufocante, claustrofóbica - "Muram-me as construções rectas, iguais, crescidas"; "Mas se vivemos, os emparedados, / Sem árvores, no vale escuro das muralhas!...";
- triste - "Triste cidade!";
- perigosa - "Pelas vitrines olha um ratoneiro imberbe."; "Eu não receio, todavia, os roubos; / Afastam-se, a distância, os dúbios caminhantes";
- monótona - "Mas tudo Cansa!"
- nauseabunda - "O gás extravasado enjoa-me, perturba"; "E nestes nebulosos corredores / Nauseiam-me, surgindo, os ventres das tabernas";
- palco de dor - "E, enorme, (...) / A Dor humana busca os amplos horizontes, / E tem marés, de fel, como um sinistro mar!".

A carga negativa desta mesma cidade provoca no sujeito poético uma sensação de desconforto que o conduz ao desejo de evasão:
- no espaço - "Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!"; "Nós vamos explorar todos os continentes / E pelas vastidões aquáticas seguir!";
- no tempo - "E evoco, então, as crónicas navais: / Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado! / Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!"; "Nelas esfumo um ermo inquisidor severo, / Assim que pela História eu me aventuro e alargo"; "Partem patrulhas de cavalaria / Dos arcos dos quartéis que foram já conventos; / Idade-Média!"

A nota positiva deste canto disfórico da cidade é apenas construída pela referência:
- às mulheres do povo, que transmitem força e energia a uma cidade - "E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras, / Correndo com firmeza, assomam as varinas!";
- à grandeza perdida - "Brônzeo, monumental, de proporções guerreiras, / Um épico de outrora ascende, num pilar!";
- à presença pressentida do campo - "E de uma padaria exala-se, inda quente, / Um cheiro salutar e honesto a pão no forno."; "Pois sobem, no silêncio infaustas e trinados, / As notas pastoris de uma longínqua flauta."


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