domingo, 17 de julho de 2011

Cesário Verde - Binómio campo / cidade


A poesia de Cesário Verde debruça-se sobre o real: o seu deambular constante pela cidade, as suas estadas no campo, a sua experiência de comerciante e de agricultor , aliados ao seu modo particular de olhar o que o rodeia - "A mim o que me rodeia é que me preocupa" - são os motivos de inspiração da sua poesia.

A dicotomia campo /cidade

O binómio campo/cidade aparece nos poemas de Cesário Verde, fruto, certamente, da sua experiência de vida. Ele oscila entre a exaltação e/ou crítica da cidade e o elogio do campo.
O espaço confinado da cidade opõe-se sistematicamente ao espaço amplo do campo. Isto deve-se à dupla vivência que este poeta teve: passou a sua infância no campo e esse contacto determina a visão que ele nos dá.
O curioso é podermos constatar que o campo de Cesário não tem o aspecto idílico, paradisíaco que teve para os poetas anteriores: este espaço não aparece associado ao bucolismo ou ao devaneio poético, é um espaço real onde se podem observar os camponeses nas suas tarefas diárias, onde as alegrias se manifestam face ao prazeres da vida, e onde as tristezas ocorrem quando os acontecimentos não seguem um curso normal. É o quotidiano concreto, autêntico e real, aquele com que Cesário contacta e do qual nos dá conta de uma forma realista, mas onde também está presente a sua subjectividade, perceptível na preferência que manifesta por este local.
Cesário Verde associa o campo à vida, à fertilidade, à vitalidade, ao rejuvenescimento, porque nele não há miséria constrangedora, o sofrimento, a poluição aterradora, os cheiros nauseabundos, os seres humanos dúbios, , os exploradores, os ricos pretensiosos que desprezam os mais humildes. Estes seres, estranhos ao campo, pode o sujeito poético encontrar na cidade.
O campo confere, pois, libertação. Na cidade , o sujeito poético sente-se sufocado, encarcerado, impossibilitado de escapar de uma exiguidade de espaços que não são apenas físicos, mas também sociais - "Muram-me as construções rectas, iguais, crescidas" (O Sentimento dum Ocidental). A cidade incomoda-o, do mesmo modo que incomoda os pobres trabalhadores que a procuram para aí encontrarem melhores condições de vida. Estes deparam-se com as mais acentuadas injustiças, com a subserviência a que são votados, mas não têm medo do trabalho e enfrentam as lutas diárias com determinação, força e coragem. Por isso, os pobres são ricos aos olhos de Cesário, pois este sabia bem que, sem eles, os cosmopolitas teriam poucas hipóteses de sobrevivência.
No poema "De Tarde" é visível o tom irónico em relação aos citadinos, que calmamente esperam o "leiteiro", cujo "pregão" os tira do sono, mas onde o tom eufórico também sobressai ao relembrar momentos vividos, ao lado da sua "companheira", ao percorrer os lugares campestres e ao deparar com os aspectos só a ele inerentes.
Se o elogio ao campo está presente em poemas como o atrás referido, também o poema "Nós" não deixa de o focalizar, articulando-se com a recordação da família. Contudo, sendo este o poema mais longo do poeta, é aí também perceptível uma crítica cerrada à cidade, à capital maldita, devoradora de vidas, inclusive a dos irmãos, local onde os sinos tocam a rebate, anunciando a morte de mais um dos seus habitantes; é a cidade desertificada, onde os transeuntes se restringem aos padres e aos médicos que socorrem as vítimas da peste.
Todavia, a composição poética que melhor traduz o ambiente citadino é "O Sentimento dum Ocidental". Aqui a cidade é descrita em várias fases do dia, com início no final da tarde ("Avé-Marias") e a terminar em "Horas Mortas", e onde o forte visualismo de Cesário não deixa de captar os seres que aqui circulam.
A poesia de Cesário é única, autêntica, reveladora de uma preocupação social sentida, que nos chega a comover pela sua veracidade e pormenor descritivo, transportando-nos para o mundo dele, com as suas imperfeições e as suas virtudes. A força inspiradora de Cesário é a terra-mãe, sendo nela que o poeta encontra os seus temas e o estímulo para escrever. É talvez por isso que, habitualmente, se associa o poeta ao mito de Anteu, porque também este ia buscar a sua força à terra, sua mãe, para derrotar os que da costa se aproximassem.

Anteu - figura da mitologia greco-romana, filho da deusa Terra, onde ia buscar forças para derrotar todos quantos se aproximassem da costa Líbia. Foi derrotado por Héracles, que, tendo descoberto a origem da sua força e valentia, o ergueu do chão, durante uma luta, impedindo, deste modo, que este "sugasse" a energia que o alimentava.




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