domingo, 7 de agosto de 2011

A especificidade da poética de Cesário Verde

Se eu não morresse, nunca! E eternamente
Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas...

O Sentimento dum Ocidental

Estes versos podem ilustrar a vontade inovadora do poeta em matéria poética, vontade que o não deixa ficar confinado ao contexto do realismo literário da sua época e que o faz encetar percursos inteiramente novos na actividade de criar poesia.
Ao longo dos seus poemas, são várias as referências à sua tarefa poética, ou à sua figura enquanto poeta, um "poeta solitário", como ele próprio se intitula em Esplêndida - "Para ser, eu poeta solitário".
Tais referências mostram o quanto Cesário Verde se preocupou em reflectir sobre o seu trabalho poético, bem como a reacção que essa actividade reflexiva suscitou no meio em que surge.
A reflexão sobre o acto poético enquanto prática artística é uma das temáticas que antecipa a modernidade literária e aparece regularmente na poesia de Cesário Verde. Ao longo dos vários poemas que integram a sua obra, o sujeito poético refere-se à prática da criação poética de diversas formas, ora reflectindo sobre a figura do poeta, ora sobre a essência da própria poesia. Vejamos alguns desses "comentários", alguns desses desabafos, algumas reflexões, alguns posicionamentos:
  • consciência de um percurso à margem do vigente
Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas sim, por deferência, a amigos ou artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.

Contrariedades

  • crítica à incompreensão da imprensa
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos

(...)

Mais duma redacção, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.

Contrariedades

  • percepção da contradição entre o real que o rodeia e a sua aspiração poética
E eu que busco a moderna e fina arte,
Sobre a umbrosa calçada sepulcral,
Tive a rude intenção de violentar-te
Imbecilmente, como um animal!

Noite Fechada

  • reflexão sobre a inspiração
No campo; eu acho nele a musa que me anima:

De Verão

  • anseio de inovar e atingir a perfeição na escrita poética
Eu acho sempre assunto a quadros revoltados:

O Sentimento dum Ocidental

E eu que medito um livro que exacerbe,
Quisera que o real e a análise mo dessem;
(...)

Longas descidas! Não poder pintar
Com versos magistrais, salubres e sinceros,
A esguia difusão dos vossos reverberos,
E a vossa palidez romântica e lunar!

O Sentimento dum Ocidental

  • aperfeiçoamento da sua arte poética
Eu vinha de polir isto tranquilamente

Nós

  • reconhecimento das contradições subjacentes aos ideais literários proclamados
A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. (...)

Contrariedades


(Taine - filósofo, historiador e crítico francês que inspirando-se no positivismo, tentou explicar as obras de arte através da tripla influência da raça, do meio e da época)


  • Atitude de displicência na recusa da adulação, da hipocrisia
A adulação repugna aos sentimentos finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos,
E apuro-me em lançar originais e exactos,
Os meus alexandrinos...

Contrariedades

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