segunda-feira, 19 de março de 2012

O meu olhar azul como o céu - Alberto Caeiro


O meu olhar azul como o céu
É calmo como a água ao sol.
É assim, azul e calmo,
Porque não interroga nem se espanta ...

Se eu interrogasse e me espantasse
Não nasciam flores novas nos prados
Nem mudaria qualquer cousa no sol de modo a ele ficar mais belo...

(Mesmo se nascessem flores novas no prado
E se o sol mudasse para mais belo,
Eu sentiria menos flores no prado
E achava mais feio o sol ...

Porque tudo é como é e assim é que é,
E eu aceito, e nem agradeço,
Para não parecer que penso nisso...)

Alberto Caeiro


O sujeito poético inicia o poema com uma comparação, compara o seu olhar "azul" e "calmo" com o "céu" e a "água ao sol", para mostrar a pureza, a perfeição e tranquilidade da vida, em contacto com a Natureza fruída na sua essência. Por outro lado, a comparação utilizada reitera a sua visão simples e depurada, ou seja, desprovida de preconceitos, à semelhança da autenticidade dos elementos da Natureza evocados.
O sujeito poético justifica as características que atribui ao seu olhar, afirmando que "...não interroga nem se espanta...", pois se "interrogasse" se "espantasse", "Não nasciam flores novas nos prados" nem o sol ficava mais belo. Desta forma, o sujeito lírico considera que a reflexão, a especulação, a intelectualização e a emoção perturbam a beleza e a espontaneidade da natureza. Esta oferece-se ao olhar do sujeito lírico sem mistérios, sem sentidos ocultos; as coisas são o que são e nada mais.

Alberto Caeiro utiliza dois processos linguísticos para conseguir uma escrita próxima da realidade, aproximando a sua linguagem poética do prosaísmo: a parataxe (sequência de frases justapostas, sem conjunção coordenativa), nomeadamente as frases coordenadas copulativas - "e me espantasse"; "Não nasciam... Nem mudaria"; "E se o sol mudasse" - e a tautologia, a explicitação de uma ideia com a repetição da mesma ideia - Porque tudo é como é e assim é que é,".

No final do poema, o sujeito lírico afirma aceitar o que o rodeia sem se interrogar sobre a sua existência, porque a única forma de conhecimento que ele admite é a que resulta do contacto imediato com a realidade, rejeitando o pensamento ou qualquer outro acto de natureza intelectual. Para ele, ("Pensar é estar doente dos olhos)", no entanto, admite que, por vezes, pensa e, por essa razão, é que afirma "para não parecer que penso nisso", numa clara afirmação da sua ingenuidade trabalhada e aparente.


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