sexta-feira, 30 de março de 2012

O meu olhar é nítido como um girassol - Alberto Caeiro


      O meu olhar é nítido como um girassol.
      Tenho o costume de andar pelas estradas
      Olhando para a direita e para a esquerda,
      E de vez em quando olhando para trás...
      E o que vejo a cada momento
      É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
      E eu sei dar por isso muito bem...
      Sei ter o pasmo essencial
      Que tem uma criança se, ao nascer,
      Reparasse que nascera deveras...
      Sinto-me nascido a cada momento
      Para a eterna novidade do Mundo...

      Creio no mundo como num malmequer,
      Porque o vejo. Mas não penso nele
      Porque pensar é não compreender...

      O Mundo não se fez para pensarmos nele
      (Pensar é estar doente dos olhos)
      Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

      Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
      Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
      Mas porque a amo, e amo-a por isso
      Porque quem ama nunca sabe o que ama
      Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

      Amar é a eterna inocência,
      E a única inocência não pensar...

      Alberto Caeiro
Neste poema, afirma-se, claramente, de modo muito nítido, a primazia do ver, do olhar, dos sentidos, sobre o pensar. A linguagem é extremamente simples, corrente e familiar (segundo Pessoa, Alberto Caeiro escrevia "mal", pois tinha apenas a 4.ª classe - mas, atenção, é de salientar que Caeiro não escrevia "mal" por ter só a 4.ª classe; ele tinha só a 4.ª classe, porque escrevia "mal" - é que, como se sabe, primeiro surgiram os versos, a escrita, e só depois o nome do heterónimo e a sua biografia.). Existem, no poema, repetições, tautologias (repetição própria da linguagem infantil), frases simples, frases coordenadas, predomínio de nomes concretos, pouca adjectivação e frases declarativas. O sujeito poético fala-nos da sua postura típica: "andar pelas estradas, / Olhando para a direita e para a esquerda", vendo tudo muito bem, porque o seu "olhar é nítido como um girassol" (comparação), reparando bem que as coisas que vê são sempre diferentes. É que ele se quer como criança - sabendo ter "o pasmo essencial / Que teria uma criança se, ao nascer, / Reparasse que nascera deveras". Por isso, sente-se renascer em cada momento. "para a eterna novidade do mundo".
Na segunda estrofe, afirma "Creio no mundo como um malmequer / Porque o vejo". E anuncia claramente aquilo que constitui a base do seu pensar:

"... pensar é não compreender..."
"Eu não tenho filosofia, tenho sentidos..."
"(Pensar é estar doente dos olhos)"

Isto é, para além de poeta - "pastor por metáfora", ele é também um poeta-oxímoro: a sua filosofia é uma não-filosofia, afinal, uma recusa do pensamento abstracto, considerado como oposto ao "sentir" (com os sentidos, não com o sentimento). Repare-se que sempre que se refere ao pensar, isto é visto como negativo: "é não compreender ...", "é estar doente". Mesmo falando na Natureza (com maiúscula), representando um conceito "abstracto" (natureza será um conjunto de coisas existentes, logo entidade abstracta), seria para ele uma contradição, não é porque saiba o que ela é, mas porque a ama (introduzindo aqui um outro conceito essencial na sua poesia, para além do ver: o amar).
Termina então, naturalmente, como se de conclusão lógica se tratasse: "Amar é a eterna inocência, / E a única inocência é não pensar".

1 comentário:

Nilson Barcelli disse...

Acho este poema magistral e a tua análise segue-o de perto, com muito saber.
Eu penso muito... não vejo...
Beijos.

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