sexta-feira, 27 de abril de 2012

Ricardo Reis - O epicurismo e o estoicismo



Ricardo Reis foi quem melhor traduziu a evidência da tragédia humana. Existir é nada ter, é nada poder.
Este poeta não acredita na obtenção de verdades e a sua única certeza é que não fugiremos ao nosso fado, ao nosso destino, que culminará, inevitavelmente, na morte. Então, propõe a anulação da vontade, a aceitação passiva de todas as coisas, a recusa da emoção e do prazer exagerado. Para Ricardo Reis, o homem é um ser que está preso na sua própria condição.


"(...)
Pouco os deuses nos dão, e o pouco é falso.
Porém, se o dão, falso que seja, a dádiva
É verdadeira. Aceito,
Cerro olhos: é bastante.
Que mais quero?"



A renúncia é a única coisa que nos resta perante uma vontade divina que nos transcende, perante Cronos (o Tempo), que devora os seus próprios filhos. Assim, Ricardo Reis propõe o gozo do momento, o carpe diem, pois o futuro é incógnito e a vida é efémera. O poeta prefere viver numa aurea mediocritas, com a tranquilidade que se adquire através da recusa dos prazeres violentos e das emoções fortes.

"Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
    (Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
    Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
    E sem desassossegos grandes.

(...)"

A imitação da Antiguidade não esconde uma preocupação que caracteriza os tempos modernos: a angústia perante a morte, o horror do nada, preocupações igualmente presentes, na poesia ortónima e na prática de Álvaro de Campos.
Ricardo Reis cultiva o individualismo. o que o leva a afastar-se dos outros. Seguindo a lição epicurista, abdica dos prazeres violentos a favor da tranquilidade, renuncia a qualquer acção inútil e evita a dor. Para este heterónimo, a liberdade (que os próprios deuses não detêm, pois acima deles existe uma entidade superior, uma Lei, um Fado) e a felicidade (apagada pela consciência da morte inevitável) são ilusórias. Assim, como afirma Fernando Pessoa, a sua obra "profundamente triste" constitui uma forma lúcida, uma disciplina que leva o poeta a perseguir "uma calma qualquer":

    "Segue o teu destino,
    Rega as tuas plantas,
    Ama as tuas rosas.
    O resto é a sombra
    De árvores alheias.



    A realidade
    Sempre é mais ou menos
    Do que nós queremos.
    Só nós somos sempre
    Iguais a nós-próprios.
(...)

    Vê de longe a vida.
    Nunca a interrogues.
    Ela nada pode
    Dizer-te. A resposta
    Está além dos deuses.



    Mas serenamente
    Imita o Olimpo
    No teu coração.
    Os deuses são deuses
    Porque não se pensam."
Ricardo Reis renuncia ao Conhecimento, porque não acredita na possibilidade de o alcançar. A resposta à questão "Qual é o sentido da vida?" jamais seria conseguida.

Rafael Baldaya, um semi-heterónimo menos conhecido de Fernando Pessoa, é o filósofo que espelha o tecido social e moral do séc. XX. Com efeito, este século caracteriza-se por uma profunda crise de valores, pois estes tornaram-se lógicos; era necessário inventar outros, que traduzissem a essência da espécie humana.
Baldaya significa a única certeza, pessimista, mas real, do Homem desta era - a ideia do nada, o niilismo, que, inevitavelmente, absorverá a existência.
Esta consciência perpassa na poesia de Ricardo Reis, marcada pela ideia de que a vida não é mais do que a condenação à morte, uma espera mais ou menos longa do nada.


1 comentário:

Nilson Barcelli disse...

Mais uma excelente análise. O que eu aprendo contigo, minha querida amiga.
Beijo.

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