terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Acordo à força!




A estrutura da Língua Portuguesa, por ser muito complexa, exige normas que esclareçam dúvidas e uniformizem o ensino, quanto aos acentos gráficos, quanto às concordâncias, flexão verbal, distinção entre ch e x, etc. etc.. Em inglês, por exemplo, as concordâncias e as flexões verbais são mesmo muito simples, e em inglês como já disse ao leitor, nem sequer existem os acentos gráficos. Quando se quer estabelecer normas ortográficas, umas vezes deve ser observada a etimologia, outras vezes a ortoépia, mas em qualquer das opções pode haver dificuldades. O povo que faz a língua com espontaneidade e até com ingenuidade, é aí o grande Mestre.

Pessoalmente, acho caricato ou mesmo ridículo que um Acordo estabeleça uma doutrina como bom Português, e anos depois um novo Acordo venha estabelecer como bom Português doutrina contrária. É o que este Acordo faz em alguns pontos. Vejamos. Como já referi nestas linhas a velha tentativa de uniformizar a língua portuguesa em Portugal e no Brasil, tem dado origem a muitas conferências, a muitas resoluções, a muitos diplomas, etc. O texto que serve de preâmbulo à apresentação das normas do Acordo Ortográfico de 1945, texto que expõe as “conclusões complementares do Acordo de 1931”, diz no seu III parágrafo: Não se consentem grafias duplas ou facultativas. Cada palavra da língua portuguesa terá uma grafia única. Não se consideram grafias duplas as variantes fonéticas e morfológicas de uma mesma palavra.  Estava consagrada expressamente no anterior Acordo de 1945 (BASE XXXI) a manutenção das formas hei-de, hás-de, há-de, etc., agora abolidas por este Acordo. Será que estas alterações eram mesmo necessárias para a modernização e prestígio da língua, como os autores delas dizem pretender? Será que essas alterações fazem parte da evolução real da língua e têm fortes raízes na tradição linguística? Não me parece.

Lamento que se tenha perdido tanto tempo e gasto tantas energias em pretensões de uniformização entre culturas diferentes, portuguesa, africana e brasileira, tão diferentes que uma prática de dezenas de anos, em dezenas de conferências, resoluções, diplomas, e acordos que nunca o chegaram a ser verdadeiramente, mostra ser perfeitamente utópica. Para além disso, a língua portuguesa enferma de mal gravíssimo, cuja cura devia ter prioridade sobre todas as questões de quaisquer reformas.

Os promotores e intelectuais do Acordo, que é Acordo à força, por um “inteligente e bem-aventurado” SEGUNDO PROTOCOLO MODIFICATIVO ter limitado a obrigatoriedade de assinatura aos três países que já o aceitaram, esses promotores e intelectuais deviam, antes de mais nada, procurar maneiras de evitar o aviltamento, o abastardamento da nossa língua, que desde há muito vem sofrendo, pela introdução de estrangeirismos, que se pode considerar infrene e estúpida por serem totalmente inúteis.

Agora, o meu escrito passa a ser uma diatribe indignada contra esses senhores que, muito contra, ou muito a favor, deste último Acordo, não se preocupam, não escrevem ou dizem uma palavra a combater, a propor soluções para regenerar a língua e a curar do cancro maligno do excesso de termos estrangeiros. Será que são muito usados só porque se tornou moda ou intelectualmente distinto aplicá-los? Será que os tais intelectuais do Acordo acham que a nossa língua vai ter mais prestígio e beleza para as gerações futuras e junto dos estrangeiros quando a maior parte do nosso vocabulário for mais deles do que nosso?

A televisão e a imprensa, que deviam ter uma grande função educativa, são, sobretudo neste campo, os maiores focos de deseducação. Os seus jornalistas, locutores e comentadores fazem gala de mostrar que são gente moderna e culta, e que sabem aplicar bem vocabulário estrangeiro técnico e não técnico, na devida altura.

A  RTP1 tem desde há muito no programa  da manhã um pequeno espaço dedicado ao BOM PORTUGUÊS. Nunca houve uma única palavra a recomendar o não uso dos estrangeirismo inúteis, porque pelos vistos não é mau português os seus jornalistas ou redactores desportivos falarem muito de derby, quando noticiam e querem entusiasmar os ouvintes para um PORTO-BENFICA. Desde há um tempo para cá, esse tal programa de BOM PORTUGUÊS passou a estar exclusivamente ao serviço do ACORDO: ter ou não ter c ou p, ter ou não ter acento, ter ou não hífen, ser com maiúscula ou com minúscula, são as observâncias a respeitar para termos BOM PORTUGÊS. Os inúmeros erros que dantes eram tratados e corrigidos, e que nós continuamos a ver em letreiros, em reclames, nas falas e escritos mesmo de quem tem responsabilidades intelectuais, deixaram de existir! O  BOM PORTUGUÊS resume-se à observância do Acordo!

Modernamente, há fanatismos para tudo. Um dos mais recentes, é a aplicação do Acordo. No moderno Dicionário da Academia diz-se : …, não tendo sido aprovado o novo acordo ortográfico por todos os países de língua portuguesa, foi respeitada, neste dicionário, a ortografia vigente. (Prefácio do Presidente da Academia, Dezembro de 2000). No entanto, tenho presente um livro datado de Outubro de 1999, que adverte mesmo o leitor: É aqui usada a ortografia estipulada pelo novo “Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”. Numa altura em que praticamente muitíssimo poucos sabiam o que era isso do novo Acordo Ortográfico, o autor fez gala de o respeitar! Há 13 anos! Conheci o autor. Já faleceu. O seu “querido” acordo, verdadeiramente ainda não entrou em vigor, embora muitos lhe queiram dar um nascimento prematuro.

Laurentino Sabrosa

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