O primeiro-ministro estava a discursar numa universidade quando um grupo de estudantes se levantou e, em silêncio, exibiu uma faixa que dizia: "Demite-te". Os seguranças de Passos Coelho, temendo que aquelas oito letras pudessem pôr em perigo a integridade física do primeiro-ministro, aproximaram-se dos estudantes e tentaram tirar-lhes a faixa. Era um verbo na forma reflexa, que são os mais perigosos, e no imperativo, que é um modo ao qual Passos Coelho é especialmente sensível. Os seguranças, que privam com ele diariamente, conhecem o zelo com que o primeiro-ministro cumpre directivas, e talvez tenham receado que ele pudesse satisfazer a ordem dos estudantes com a mesma velocidade com que satisfaz as de Angela Merkel.
Acabou por não ficar completamente esclarecida a intenção dos seguranças. Quereriam remover a faixa por completo? Fazer-lhe alterações que a tornassem mais decente, por exemplo substituindo a familiaridade malcriadona do "Demite-te" por um mais formal "Demita-se?" Ir um pouco mais longe e alterar a mensagem para um muito mais cordial "Demita-se, se faz favor"? Recomendar-lhes que optassem pela humildade compreensiva de um "Pondere demitir-se, mal encontre tempo para isso na sua preenchida agenda"? Ou iriam exigir aos estudantes que, como universitários que são, justificassem a sua proposta, e voltassem mais tarde com uma faixa que apresentasse três ou quatro razões bem fundamentadas para a demissão do primeiro-ministro, sugerindo que debatessem, na dissertação, as ideias de John Rawls acerca de consenso sobreposto?
Não chegámos a perceber o objectivo da intervenção dos seguranças, porque Passos Coelho interveio ainda a repressão ia no adro. Disse ele: "Pedia ao Serra que deixasse os senhores ostentarem o cartaz sem nenhum problema, porque vivemos, felizmente, numa situação de boa saúde da nossa democracia, e não vemos nenhuma razão para que os senhores não possam ostentar as faixas que entenderem." O Serra, coitado, não deve ter mãos a medir. Há tantos protestos contra o governo que isto precisava era de um Serra em cada esquina, a moderar palavras de ordem e a suavizar cartazes. Mas o primeiro-ministro resolveu autorizar a manifestação ordeira e democrática. O Serra não ia deixar, mas Passos Coelho pediu-lhe que deixasse. Curiosamente, a atitude do primeiro-ministro desmente as suas palavras. Nos países que vivem uma situação de boa saúde da democracia, o primeiro-ministro não tem de pedir aos seus seguranças que deixem os cidadãos manifestar-se como entendem. Lá, os cidadãos não têm autorização para se manifestar, têm o direito de o fazer. É uma diferença subtil, para a qual o Serra talvez devesse ser sensibilizado.
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