sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Lavoura Arcaica - o filme de hoje



Descobri Raduan Nassar, escritor brasileiro, que nasceu em Pindorama, cidade do interior do Estado de São Paulo, filho de João Nassar e Chafika Cassis, a 27 de Novembro, quando pesquisava escritores e poetas de expressão portuguesa para alimentar a página de Para Português ler. Interessante a obra deste escritor que, depois do sucesso, se afastou totalmente das luzes da ribalta para ir criar galinhas no campo.

Raduan Nassar não suportou ser um grande escritor e desistiu da literatura para criar galinhas. Trocou a criação estética, que é complexa e desregrada, pela mecânica suave da avicultura, e parece muito satisfeito com isso, tanto que, resistindo a todos os apelos, se recusa a voltar atrás na sua decisão. Meteu-se assim numa situação embaraçosa na qual o exterior (a figura do escritor) e o interior (o acto de escrever) se confundem, armadilha em que, de modo mais discreto, todos os escritores de alguma forma estão presos, e que não chega a configurar uma escolha, mas um destino. Raduan abandonou a ordem do verbo, que está sempre contaminada pelo vazio e pelo espanto, para retornar à ordem natural dos animais, que é mais silenciosa, mas também mais previsível. Ovos, poedeiras, rações, pequenas pestes podem ser controlados; a escrita, não.

Não consigo entender como é que um escritor talentoso, com provas dadas, se afasta da criação literária e não queira voltar a escrever. Como? Se tantos procuram a fama a todo o custo!? Há, como digo, escritores e escrevinhadores. Raduan é um escritor e desiste da escrita, enquanto os pobres escrevinhadores vão-nos poluindo as estantes das livrarias... Raduan tem já um lugar na literatura de expressão portuguesa, os escrevinhadores serão esquecidos e os seus livros servirão apenas para atear lareiras onde aqueceremos os pés.


O tempo sabe ser bom, o tempo é largo, o tempo é grande, o tempo é generoso, o tempo é farto é sempre abundante em suas entregas: amaina nossas aflições, dilui a tensão dos preocupados, suspende a dor aos torturados, traz a luz aos que vivem nas trevas, o ânimo aos indiferentes, o conforto aos que se lamentam, a alegria aos homens tristes, o consolo aos desamparados, o relaxamento aos que se contorcem, a serenidade aos inquietos, o repouso aos sem sossego, a paz aos intranqüilos, a umidade às almas secas; satisfaz os apetites moderados, sacia a sede aos sedentos, a fome aos famintos, dá a seiva aos que necessitam dela, é capaz ainda de distrair a todos com seus brinquedos; em tudo ele nos atende, mas as dores da nossa vontade só chegarão ao santo alívio seguindo esta lei inexorável: a obediência absoluta à soberania incontestável do tempo, não se erguendo jamais o gesto neste culto raro; é através da paciência que nos purificamos, em águas mansas é que devemos nos banhar, encharcando nossos corpos de instantes apaziguados, fruindo religiosamente a embriaguez da espera no consumo sem descanso desse fruto universal, inesgotável, sorvendo até a exaustão o caldo contido em cada bago, pois só nesse exercício é que amadurecemos, construindo com disciplina a nossa própria imortalidade, forjando, se formos sábios, um paraíso de brandas fantasias onde teria sido um reino penoso de expectativas e suas dores (...)



(Excerto de Lavoura Arcaica – Raduan Nassar)

1 comentário:

Nilson Barcelli disse...

Interessante.
Nunca tinha ouvido falar de tal escritor.
O filme é enorme... só vi um bocadinho.
Rita, minha amiga querida, tem uma boa semana.
Beijo.

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