sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Quando o ministério não tem juízo, o corpo docente é que paga

RICARDO ARAÚJO PEREIRA
Quando o ministério não tem juízo, o corpo docente é que paga
Eu tinha 14 anos e considerava que se estava a perder demasiado tempo com ainfluência da continentalidade nas amplitudes térmicas. Portanto, fiz o que tinha a fazer. Fui à horta que havia por trás dos campos de futebol e apanhei um gafanhoto. Antes de o professor de geografia chegar, coloquei o gafanhoto debaixo da sua secretária. Não resultou. Assim que o professor as sentou, o gafanhoto saltou para a janela e saiu da sala. O professor nem chegou a vê-lo. E passou mais 50 minutos a falar impunemente sobre o facto de as zonas costeiras serem mais amenas que as áreas do interior.
Aos 14 anos ninguém sabe imaginar estratagemas que transtornem verdadeiramente a vida dos professores. Aos 62, Nuno Crato, o ministro da Educação, tem a maturidade que me faltava para inventar as melhores partidas. Primeiro, colocou professores de Coimbra, por exemplo, em Faro. Esperou que alugassem casa, que instalassem a família. que adaptassem a vida à nova realidade. Depois, anunciou que tinha havido um engano e que a colocação havia sido anulada. Isto é que é uma partida. Não sei se o ministro aceita sugestões, mas talvez fosse engraçado que, quando o professor se dirigisse ao ministério para se informar sobre as suas alternativas, lhe entregassem um envelope com um gafanhoto lá dentro. Como sempre, os professores não têm sentido de humor suficiente para entrar na brincadeira. Levam a mal, protestam, queixam-se. Resistem a ver esta baIbúrdia como uma oportunidade. Eu, sendo professor, aproveitava o estilo de vida que o ministério proporciona e adquiria imediatamente 20 ovelhas. O nomadismo é ideal para a pastorícia, e as constantes mudanças na colocação contribuiriam para que eu ficasse com um rebanho forte e lucrativo. Quanto menos aulas desse, mais tempo teria para vender lã, queijo e borregos.
Há quem ofereça o corpo à ciência. Neste momento, os professoras podem oferecer o corpo à educação, na medida em que as suas vidas parecem um daqueles problemas matemáticos: «o professor A é do Algarve e vai dar aulas para Trás-os­-Montes. O professor B é de Lisboa e vai dar aulas para Braga. Após consultarem a intemet, descobrem no mesmo dia que foram colocados por engano. Sabendo que ambos tomam o comboio das 8h20, qual chega primeiro ao centro de emprego?». Nem todos temos a honra de poder dar um contributo tão grande para o bem da Humanidade. Os professores têm e ainda reclamam.

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