segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Cântico Negro


     O poema tem como temas centrais a oposição entre o colectivo e o individual; a autonomia e a liberdade; e a recusa de regras, ordens e costumes. O sujeito poético, numa reflexão evidentemente intrínseca, assume uma atitude independente e inquieta perante o mundo, sujeitando-se aos perigos do caminho que escolheu para fugir às regras que a sociedade impõe. O eu lírico procura a originalidade, negando o apelo social feito com um tom imperativo (“Vem por aqui”), e cria uma visão individualista do ser no mundo, revoltando-se, desprezando e ironizando a suposta “verdade” universal. Toma como principal objectivo conhecer o desconhecido.
      As ideias do poema desenvolvem-se de uma forma adversa: oposição entre o sujeito poético e a sociedade. Inicialmente, os “alguns” aconselham o sujeito poético a ir por um determinado caminho, insistindo na partilha e transmissão dos costumes. A sociedade tenta aliciá-lo, levando-o a fraquejar, a mudar de opinião..., abordando-o com os “olhos doces” e estendendo-lhe os braços; o sujeito lírico  contrariamente, olha-os com os “olhos lassos”, cruza os braços e recusa aquele caminho, aquelas ordens, aqueles conselhos. Nesta ideia, a antítese é a figura de estilo predominante. A sua vontade em “E nunca vou por ali…” revela uma posição forte de distância ou vontade de se distanciar dos outros por causa do advérbio “ali” que é reforçada no verso 21, com outro advérbio: “aí” e pelo advérbio de negação "nunca".
      O eu afirma que a sua glória é “Criar desumanidade”, ou seja, desunir a humanidade, tornando cada indivíduo autónomo e independente, promovendo e valorizando a individualidade. 
      Nos versos “Que eu vivo com o mesmo sem-vontade/Com que rasguei o ventre à minha mãe” estão presentes a antítese e a hipérbole, tendo em conta a afirmação do primeiro verso que se contradiz no segundo, e o exagero figurado do momento do parto do sujeito poético.
   Quando o sujeito poético afirma que prefere “escorregar nos becos lamacentos,/Redemoinhar aos ventos,/Como farrapos, arrastar os pés sangrentos” a ir pelo caminho que lhe indicam, revela um tom irónico, evidenciando a sua opinião quanto à visão dos outros relativamente ao facto de ele ter escolhido outro caminho, que poder ser até mais perigoso (uma ideia de caminhos turbulentos, sujos, tenebrosos, escuros) - metáfora e disfemismo.
      Na sexta estância do poema, o sujeito lírico realça a sua realidade que é descobrir o que nunca foi descoberto, mostrando a sua autonomia e pertinência quanto à sua vontade de inovação no mundo (“Só para desflorar florestas virgens,/E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!”), recorrendo à figura de retórica da metáfora para produzir sentidos figurados por meio de comparações implícitas. Mostra também, recorrendo à aliteração da letra “s”, um cenário de velocidade que provoca uma leitura mais acelerada por parte do leitor.
      O eu justifica a sua repulsa em seguir o caminho indicado com a ausência de “impulsos, ferramentas e coragem” para as adversidades futuras. Nos versos “Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,/E vós amais o que é fácil!”, o sujeito poético evidencia através de uma metáfora em “sangue velho dos avós” que os que procuram ditar o que o sujeito deve fazer são conservadores e sem originalidade (seguidores do mesmo esteriótipo). A aliteração da letra “v”  representa a arrogância do eu relativamente aos outros.
      Uma outra concepção do poema também discordante entre o ser individual e o ser colectivo é que, enquanto que a sociedade em geral segue o mesmo modelo de vida de terem “estradas”, “jardins”, “canteiros”, “pátrias”, “tectos”, “regras”, “tratados”, “filósofos” e “sábios”, o sujeito poético segue criações  como o vento (“vendaval”), o mar (“onda”) e as minuciosidades como um pequeno “átomo”. Na oitava estrofe do poema, encontramos a anáfora (“Tendes”(…)), a enumeração e o polissíndeto (“E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios…”), e a comparação (“como um facho”).
      Seguindo a sequência poética, faz-se referência a Deus e ao Diabo, criando-se um contraste fortíssimo que relaciona o “bem” e o “mal”. O sujeito poético considera que todos tiveram quem os guiasse (“pai” e “mãe”), mas que ele nasceu de um amor impossível entre Deus e o Diabo, tornando-se alpha e omega.  Nos últimos dois versos da estrofe em questão, está presente uma comparação hiperbólica.
    O sujeito poético rejeita firmemente o dogmatismo e a colectividade humana, considerando que a sociedade não sai do lugar de conforto e de segurança, procurando sempre seguir os conselhos dos outros, optando por uma visão objectiva (contrariamente à posição do eu poético), defendendo sempre a razão, as regras e a realidade que conhecem. A revolta e loucura do sujeito lírico são evidentes, reforçando, a cada estrofe, a vontade insaciável de ele seguir o seu próprio caminho no desconhecido. Os últimos três versos do poema demonstram que, embora o sujeito poético não tenha traçado ainda o seu caminho de vida, não seguirá certamente o caminho que os outros lhe indicam (“Não sei por onde vou,/Não sei para onde vou/Sei que não vou por aí!”).
       Exteriormente, o poema é constituído por 52 versos livres, rima irregular.

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