sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Cesário Verde - Deambulismo - "De Verão" e "Nós"




Paralelamente ao deambulismo citadino, Cesário Verde passeia o seu olhar também pelo campo, como atestam os poemas: "De Verão" e "Nós".


De Verão

Este poema inicia-se com uma confissão, já antes pressentida, por parte do sujeito poético: é ao campo que ele vai buscar a sua inspiração - "No campo; eu acho nele a musa que me anima: / A claridade, a robustez, a acção."
Logo após esta confissão, o sujeito poético introduz uma personagem feminina, a prima, com quem vai deambular pelo campo, ao mesmo tempo que conversam sobre temas banais e do quotidiano.
Assim, ao longo do poema, é possível detectar três vectores estruturantes:
  • um constituído pela relação que se estabelece entre a prima séria e educada, que, pela sua beleza e naturalidade, está em sintonia com o espaço campestre em que se move - uma "criança encantadora", de "olhos castos", "Exótica", austera, gentil, inteligente, com "chapéu de palha", "As saias curtas, frescas, engomadas", "os cabelos muito loiros" - e o sujeito poético, caracteristicamente citadino - "E ria-me, eu ocioso, inútil, fraco. / Eu de jasmim na casa do casaco / E de óculo deitado a tiracolo!" - e que fuma cachimbo;
  • outro constituído pelos espaços - "a velha ermida", "as leiras", "a ribeira", os "olivais escuros", as pastagens, os milhos, a "colina azul", "o lugar caiado", a azinhaga, as vinhas, os celeiros, os pinheiros, a campina e personagens do campo - os que "andam cantando aos bois", "os saloios vivos, corpulentos", os pastores que fazem regressar os rebanhos - que compõem um quadro que transmite energia e saúde - "(...) Que aldeias tão lavadas / Bons ares! Boa luz! Bons alimentos!";
  • e, finalmente, um outro constituído pela conversa entre as duas personagens principais - a propósito de um carreiro de formigas - "No atalho enxuto (...) / Esguio e a negrejar em um cortejo, / Destaca-se um carreiro de formigas." - que o sujeito poético tem vontade de esmagar - "As ladras da colheita! Eu se trouxesse agora / Um sublimado corrosivo, uns pós / De solimão, eu, sem maior demora, / Envenená-las-ia!". A prima tece, então, uma série de considerações, em que, implicitamente, acusa a cidade, simbolizada na figura do primo, de ser uma entidade ociosa que vive à custa do campo - "Estas mineiras negras, incansáveis, / São mais economistas, mais notáveis. / E mais trabalhadoras que o senhor."
De referir que, também neste poema, estão presentes aspectos característicos da poética de Cesário Verde:
  • a afirmação da objectividade na apreensão do real - "Não pinto a velha ermida com seu adro; / Sei só desenho de compasso e esquadro, / Respiro indústria, paz, salubridade";
  • o impressionismo descritivo - "O sol abrasa (...) / E alvejam-te, na sombra dos pinheiros, / (...) As saias curtas";
  • a sinestesia - "Na natureza trémula de sede";
  • o predomínio das sensações visuais - "(...) Os teus cabelos muito loiros / Luziam, com doçura (...)"; auditivas - "Vibravam, na campina, as chocas da manada".

Nós

Do conjunto da obra poética de Cesário Verde, este poema é o que apresenta um carácter claramente biográfico, pelas informações relativas às suas vivências pessoais e familiares:
  • a ida da família da cidade para o campo, tentando fugir à epidemia da cólera;
  • as estadas sazonais no campo, que se tornaram um hábito da família Verde;
  • a actividade agrícola do chefe da família;
  • as preocupações do pai com a saúde e bem-estar dos filhos;
  • a doença de um dos irmãos e a sua posterior morte.
O poema está organizado em três partes (I, II, III), que correspondem a três momentos da evocação do sujeito poético dos espaços cidade e campo.
Assim, na primeira parte, o sujeito poético refere o ambiente de doença que domina a cidade - "a Febre / E o Cólera também andaram na cidade" - e que teve como consequências:
  • a fuga dos habitantes da cidade - "esta população, com um terror de lebre, / Fugiu da capital como da tempestade";
  • a decisão da família Verde em mudar-se para o campo - "Ora, meu pai, depois das nossas vidas salvas / (...) Tanto nos viu crescer entre uns montões de malvas"; "Por isso, o chefe antigo e bom da nossa casa / (...) Não quis voltar senão depois das grandes chuvas";
  • o pânico e a actividade de controlo da epidemia - "E os médicos, ao pé dos padres e coveiros, / Os últimos fiéis, tremiam dos enfermos!"; "Barricas de alcatrão ardiam";
  • a morte - "Mesmo no nosso prédio, os outros inquilinos / Morreram todos";
Nesta primeira parte, a oposição cidade/campo é uma constante, pelo significado que uma e outra adquirem para o sujeito poético e sua família: a cidade perspectivada como "Um lívido flagelo e uma moléstia horrenda!" e o campo como "um salutar refúgio".

Na segunda parte, o campo é caracterizado, através da experiência pessoal do sujeito poético, como espaço de:
  • beleza natural e sadia - "Que de fruta! E que fresca e temporã / Nas duas boas quintas"; "O laranjal de folhas negrejantes";
  • fertilidade - "As ricas primeurs da nossa terra"; "Abundâncias felizes que eu recordo!"; "Pradarias de um verde ilimitado!";
e torna-se motivo de inveja dos países industrializados do norte da Europa - "Anglo-Saxónios, tendes que invejar! / Ricos suicidas comparai convosco! / (...) Oponde às regiões que dão os vinhos / Vossos montes de escórias inda quentes!"

Na terceira parte, o sujeito poético retoma o tom autobiográfico do poema e justifica o título do mesmo - "Nós".
De regresso à cidade "Tínhamos nós voltado à capital maldita" - o sujeito lírico recorda um acontecimento dramático - "nos sucedeu uma cruel desdita".
A doença e morte de um dos irmãos é então evocada de forma realista - "Uma tuberculose abria-lhe cavernas!" / (...) Não sei dum infortúnio imenso como o seu!" / "E, sem querer, aflito e atónito, morreu!"
Esta morte prematura desencadeia no sujeito poético sentimentos dolorosos e contraditórios:
  • revolta contra as injustiças;
  • vingança concretizada no seu trabalho poético - "Se ainda trabalho é como os presos no degredo, / Com planos de vingança e ideias insubmissas";
  • "desdém pela literatura";
  • desprezo pelos seus "amados versos".
in Colecção Resumos da Porto Editora

2 comentários:

rvb . disse...

Boa Tarde!

Tenho uma apresentação oral para a próxima semana de um parte do poema "nós". Já pesquisei imenso na net mas não encontro nenhuma análise que me possa ajudar.
Será que não me poderia ajudar na análise deste poema?
Agradecia resposta breve,
Obrigada.

rvb . disse...

Boa Tarde!

Já pesquisei imenso para encontrar análises do poema Nós.
Tenho uma apresentação oral para a próxima semana, o meu poema faz parte do grande poema "Nós" e não consigo fazer uma análise ao poema.
Será que não me podia ajudar?


AGRADECIA RESPOSTA BREVE, OBRIGADA E BOM TRABALHO.

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