sábado, 19 de maio de 2018

Poemas para Catarina


Foi há 64 anos!

Morta a tiro no Alentejo numa carga policial que dispersava um protesto 

operário, tornou-se mártir da luta popular contra o regime de Salazar. 

Catarina Efigénia Sabino Eufémia nasceu em Baleizão, no Alentejo, 
a 13 de Fevereiro de 1928. Era uma ceifeira pobre e quase analfabeta que, 
durante uma greve de catorze mulheres assalariadas rurais, a 19 de Maio
 de 1954, foi assassinada a tiro por um tenente da Guarda Nacional 
Republicana. Tinha 26 anos, três filhos, um dos quais de oito meses 
(ao seu colo quando foi baleada) e estava grávida de um quarto.

A sua trágica história acabou por personificar a resistência ao regime 
salazarista, sendo adoptada pelo Partido Comunista Português como 
ícone da resistência no Alentejo. Dedicaram-lhe poemas autores como 
Sophia de Mello Breyner, Carlos Aboim Inglez, Eduardo Valente da 
Fonseca, Francisco Miguel Duarte, José Carlos Ary dos Santos ou 
Maria Luísa Vilão Palma. O poema de António Vicente Campinas 
‘Cantar Alentejano’ foi musicado por Zeca Afonso no álbum ‘Cantigas 
de Maio’, editado no Natal de 1971.


CATARINA EUFÉMIA

O primeiro tema da reflexão grega é a justiça
E eu penso nesse instante em que ficaste exposta
Estavas grávida porém não recuaste
Porque a tua lição é esta: fazer frente

Pois não deste homem por ti
E não ficaste em casa a cozinhar intrigas
Segundo o antiquíssimo método obíquo das mulheres
Nem usaste de manobra ou de calúnia
E não serviste apenas para chorar os mortos

Tinha chegado o tempo
Em que era preciso que alguém não recuasse
E a terra bebeu um sangue duas vezes puro
Porque eras a mulher e não somente a fêmea
Eras a inocência frontal que não recua
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste
E a busca da justiça continua

(Sophia de Mello Breyner Anderson)


RETRATO DE CATARINA EUFÉMIA

Da medonha saudade da medusa
que medeia entre nós e o passado 
dessa palavra polvo da recusa
de um povo desgraçado.

Da palavra saudade a mais bonita
a mais prenha de pranto a mais novelo
da língua portuguesa fiz a fita encarnada
que ponho no cabelo.

Trança de trigo roxo 
Catarina morrendo alpendurada
do alto de uma foice.
Soror Saudade Viva assassinada 
pelas balas do sol
na culatra da noite.

Meu amor. Minha espiga. Meu herói
Meu homem. Meu rapaz. Minha mulher
de corpo inteiro como ninguém foi
de pedra e alma como ninguém quer.

(José Carlos Ary dos Santos)


CANTAR ALENTEJANO

Chamava-se Catarina
O Alentejo a viu nascer
Serranas viram-na em vida
Baleizão a viu morrer

Ceifeiras na manhã fria
Flores na campa lhe vão pôr
Ficou vermelha a campina
Do sangue que então brotou

Acalma o furor campina
Que o teu pranto não findou
Quem viu morrer Catarina
Não perdoa a quem matou

Aquela pomba tão branca
Todos a querem p’ra si
Ó Alentejo queimado
Ninguém se lembra de ti

Aquela andorinha negra
Bate as asas p’ra voar
Ó Alentejo esquecido
Inda um dia hás-de cantar

(Vicente Campinas)

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