sexta-feira, 22 de abril de 2011

Os Maias - O espaço (cont.)

17.


Espaço físico

Não se deve encarar o espaço de uma narrativa apenas como o lugar físico onde decorre a acção. De facto, o espaço pode também referir-se ao ambiente social e cultural onde se inserem as personagens. O espaço físico e geográfico refere-se ao lugar ou lugares onde decorre a acção. Pode definir-se como um espaço aberto ou fechado, interior ou exterior, público ou privado, etc. O espaço social e cultural refere-se ao meio e à situação económica, cultural ou social das personagens. Através deste tipo de espaço podem ser definidos grupos sociais, conjuntos de valores e crenças desses grupos, posição que ocupam na sociedade, referência às tradições e costumes culturais, etc.

N' Os Maias há que distinguir dois tipos de espaço físico: os espaços exteriores, que acompanham o percurso de Carlos ao longo da acção, e os espaços interiores que reflectem e acentuam determinadas características das personagens.

Espaços exteriores

· Lisboa – é o espaço privilegiado ao longo de todo o texto, as suas ruas, as suas praças, os seus hotéis, os seus locais de convívio, os seus teatros constituem-se quase como personagens ao longo do romance. Lisboa é o local onde se centra a vida social de Carlos e simboliza a decadência da sociedade portuguesa da segunda metade do século XIX.

· Coimbra – o local dos estudos de Carlos é o símbolo da boémia estudantil. Neste ambiente marcado pelo diletantismo vive as suas primeiras aventuras românticas.

· Sintra – é um lugar idílico que representa a beleza paradisíaca com a sua soberba paisagem, lembrando o passado histórico e romântico. Este local de passeio da alta burguesia do século XIX tem várias ligações com as personagens. O Palácio da Vila, pela sua austeridade, pode ser comparado ao Ramalhete e, metaforicamente, a Afonso. O Palácio da Pena, solitário no cume da serra, como que perdido na paisagem romântica, liga-se à figura de Pedro. O Palácio de Seteais, abandonado, remete para o Ramalhete já no final da obra, após dez anos de abandono e a riqueza paisagística de Sintra evoca Santa Olávia.

· Santa Olávia – é o solar da família Maia, em Resende, na margem esquerda do rio Douro e constitui um lugar mágico para onde esta família se desloca para recuperar as forças perdidas. É um espaço rural, conotado positivamente, que simboliza a fertilidade da terra por oposição a Lisboa, o local da degradação familiar.

· Estrangeiro – n’ Os Maias, o estrangeiro, apesar de não ser descrito na obra, é um recurso para resolver complicações. É em Inglaterra que Afonso da Maia se exila para fugir à intolerância miguelista. É em Itália e em França que Pedro da Maia e Maria Monforte vivem o amor que Afonso da Maia não aceita. Depois do incesto, é para França que parte Maria Eduarda, onde vai desposar um nobre. É também em França, Paris, onde Carlos da Maia se refugia, depois de toda a sua vida ter falhado.

Espaços interiores

· Ramalhete – era a residência da família Maia, em Lisboa, situada na rua de São Francisco. São-nos descritas as salas de convívio e de lazer; o escritório de Afonso que parece uma severa câmara de prelado; o quarto de Carlos mais parecido a um quarto de bailarina; e o jardim cheio de simbolismos. Ao longo da obra, o Ramalhete constitui um marco de referência fundamental, o seu apogeu e a sua degradação acompanham o percurso da família.

· Consultório – situado em pleno Rossio indicia a dualidade intrínseca à sua personalidade. Por um lado, um homem do mundo por educação e vivência e, por outro lado, um homem de ciência por formação e ideal. A sua decoração revela a dispersão e o diletantismo inerentes aos jovens da sua geração. Apesar da austeridade, a presença de um piano e de fotografias de actrizes semi-nuas criam um ambiente de sensualidade e de divertimento pouco adequado ao apaziguamento do estado doloroso dos doentes.

· Toca – era o recanto idílico, nos Olivais, onde Maria Eduarda e Carlos partilharam as curtas juras de amor. Propriedade de Craft, arrendada por Carlos para preservar a sua privacidade amorosa, representa, simbolicamente, o ninho de amor de Carlos e Maria Eduarda. A sua decoração exótica, com móveis e porcelanas árabes e japonesas, deixa adivinhar o confronto de culturas e respectivos valores e a luxúria dos amarelos e dourados remete para o gosto das sensações fortes, moralmente proibidas, pressagiando o incesto.

· Vila Balzac – situada algures na Graça, é a casa e o retiro amoroso de Ega. A denominação literária que Ega dá a este local reflecte a sua dualidade literária e a sua personalidade contraditória, pois tal como o escritor francês realista Balzac, também Ega se divide entre o romantismo e o realismo. Este local, que tem como cor predominante o vermelho, denuncia a dimensão dissoluta da vida de Ega. A ausência de decoração na sala remete para a faceta intelectual desta personagem

· Casa de Maria Eduarda – situada na rua de São Francisco, é propriedade da mãe de Cruges que amavelmente aluga o primeiro andar a Castro Gomes e a Maria Eduarda. Para Carlos, a sala é acolhedora, mas o quarto oferece-lhe sensações díspares, pois aliado ao bom gosto e ao requinte de algumas peças, destacam-se duas que marcam a dissonância: o manual de interpretação de sonhos e uma enorme caixa de pó-de-arroz ornamentada como se fosse de uma cocote. Estes dois objectos pressagiam a dualidade de Maria Eduarda, ligam-se a Afrodite, deusa do amor e elemento perverso do ser feminino.

Espaço social

A obra Os Maias é um romance de espaço social, porque nele desfilam uma galeria imensa de personagens-tipo que ao tipificarem determinado grupo social caracterizam a sociedade lisboeta oitocentista. A crónica de costumes remete para este tipo de espaço que reflecte a dicotomia entre o ser e o parecer destas personagens que se apresentam em ambientes onde demonstram os seus comportamentos descritos à luz da intenção satírica do autor.

Personagens-tipo – classe social que representam:

· Conde de Gouvarinho – O político

· Alencar – O literato ultra-romântico

· Cohen – O banqueiro

· Neves – O jornalista politiqueiro

· Palma Cavalão – O jornalista reles

· Sousa Neto – O burocrata

· Craft – O diletante

· Cruges – O artista incompreendido

· Eusebiozinho – A educação tradicional

· Steinbroken – O diplomata

· Dâmaso – O novo-rico

Ambientes – Intenção satírica

· Jantar no Hotel Central – Retrata a falta de civismo da sociedade portuguesa oitocentista.

· A corrida de cavalos – Retrata o esforço de cosmopolitismo da sociedade, tentando imitar o que se faz no estrangeiro.

· Sarau literário no Teatro da Trindade – Retrata a falta de cultura e a ausência de espírito crítico da alta burguesia e da aristocracia.

· Episódios dos jornais – Retrata a decadência do jornalismo português.

· Jantar em casa do Conde de Gouvarinho – Retrata a degradação dos valores sociais, o atraso intelectual e a mediocridade mental de algumas figuras da alta burguesia e da aristocracia.

Espaço psicológico

O espaço psicológico é constituído pelo conjunto de elementos que traduz a interioridade das personagens, sobretudo através do monólogo interior, manifestando-se em momentos de maior densidade dramática.


18.


1 comentário:

mfc disse...

Uma muito boa Páscoa também para ti!