sexta-feira, 25 de maio de 2012

A vaidade



Uma aluna chegou à minha aula muito revoltada, porque lhe tinham chamado vaidosa, "és uma vaidosona". Acha normal, professora, chamarem-me vaidosa só porque trago um vestido novo? Não acho, Cátia, mas não te preocupes é inveja. Também já mo chamaram e, olha, é para lado que durmo melhor! Aqueles ou aquelas que te chamaram vaidosa também o são. Toda a gente é vaidosa, uns mais, outros menos... O problema é quando a inveja também começa a falar...  Olha, Cátia, sabes uma coisa, o que é insuportável na vaidade dos outros é que ela colide com a nossa. E quem diz não ter vaidade possui na realidade a maior de todas. Por isso, linda, esquece e sê como és!



Quando se fala em vaidade, lembro-me sempre das sábias palavras de António Lobo Antunes ou das de Vergílio Ferreira ou do poema de Florbela Espanca de que gosto particularmente... 

Ora vejam!


"Com o passar do tempo, há dois sentimentos que desaparecem: a vaidade e a inveja. A inveja é um sentimento horrível. Ninguém sofre tanto como um invejoso. E a vaidade faz-me pensar no milionário Howard Hughes. Quando ele morreu, os jornalistas perguntaram ao advogado: «Quanto é que ele deixou?» O advogado respondeu: «Deixou tudo.» Ninguém é mais pobre do que os mortos."

António Lobo Antunes



"Aquilo em que se tem mais vaidade é o corpo. Mesmo que aleijado, há sempre um pormenor que nos envaidece. Compô-lo. Arranjá-lo. O careca puxa o cabelo desde o cachaço ou do olho do cú para tapar a degradação. O marreco faz peito. O espelho é para todos o grande dialogante. Passa-se a uma vitrina e olha-se de soslaio a ver como se vai. Uma mulher perfeita (e um homem) não inveja o intelectual, o artista. O inverso é que é. Muitas mulheres (e homens) cultivam a excepcionalidade do seu espírito ou engenho por complexo ou vingança. Quando se não tem já vaidade no corpo, está-se no fim. Mas mesmo num leito de morte nos queremos «compostos». «Não me descomponhas» — disse a marquesa de Távora ao carrasco, uns momentos antes de ser decapitada. Tomam-se providências para como se há-de ir no caixão. A degradação do corpo é a última coisa que se aceita. Hoje lavei o carro e vesti um calção para me não molhar. Dei uma vista de olhos ao espelho. Grumos, tumefacções pelas pernas. Não gostei. Não muito tempo. Lembrou-me um certo professor. Tinha a bossa da oratória. E então contava: escrevia um discurso e lia. Parecia-lhe péssimo. Lia outra vez e outra. E a certa altura, sem emendar nunca uma vírgula, já lhe não parecia tão mau. A realeza em nós é um imatismo. Como no Menon de Sócrates, o que há é que descobri-la." 


 Vergílio Ferreira



"A vaidade é uma das principais virtudes, e, no entanto, poucas pessoas admitem que a procuram e a tomam como objectivo. É na vaidade que muitos homens ou mulheres encontraram a salvação, mas, apesar disso, a maioria das pessoas arrasta-se a quatro patas em demanda da modéstia."

Oscar Wilde


"Corre por aí que sou vaidoso. Mas eu acho que a vaidade é a coisa mais bem distribuída deste mundo. Vaidosos somos todos nós. A questão está em saber se há alguma razão para o ser ou se se é vaidoso sem razão nenhuma."

José Saramago



Vaidade

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo ...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho ... E não sou nada! ...

Florbela Espanca




Este título, Vaidade, poderia levar-nos a interpretar erradamente o soneto de Florbela Espanca. Ao lermos o poema, constatamos  que a vaidade é mais um desejo que o sujeito lírico tem. O sujeito poético anseia a plenitude, deseja ser a Poetisa eleita:
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Na primeira estrofe, encontramos a presença da subjetividade, da idealização e da fantasia da poetisa. O verso “Sonho que sou a Poetisa eleita” transmite-nos o desejo que o sujeito poético (em primeira pessoa) tem em atingir a plenitude da expressão escrita, tentando afirmar-se a partir do sonho.
A imagem do sonho continua nas estrofes seguintes, quando o sujeito lírico almeja que os seus versos sejam sublimes, que tenham claridade para encher todo o mundo e que emocionem e deleitem toda a gente, mesmos os mais melancólicos e tristes:

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

As  inquietações do sujeito poético sugerem uma reflexão sobre o papel da poesia e sobre a aceitação da sua obra pelo público/leitor. E é assim que surge, então, o desejo de se sentir “alguém cá neste mundo”, confirmando o propósito de ter utilizado a palavra “Vaidade” como título:

Sonho que sou Alguém cá neste mundo ...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!

Mas, depois de enumerar todos os seus sonhos, do mais simples ao mais sublime, o sujeito lírico constata a sua própria condição: o nada.

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho ... E não sou nada! ... 


 O último verso do soneto é o acordar, que se opõe ao sonhar tão reiterado anteriormente, e o nada, a tudo o que se queria alcançar.


1 comentário:

Nilson Barcelli disse...

A vaidade é uma coisa boa, se for em doses qb...
Beijo, querida amiga um bocadinho vaidosa...