quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Álvaro de Campos - o futurismo, a vanguarda e o sensacionismo



A "Ode Triunfal", o texto mais representativo desta fase, constitui um elogio explosivo e excessivo da civilização tecnológica. Segundo Fernando Pessoa, Álvaro de Campos passa da fase decadentista para a futurista, por influência de Alberto Caeiro e pelo fascínio da sensação. Só que enquanto Caeiro sente de forma plácida e serena, Campos sente de forma excessiva e conturbada.
Ao tédio e ao desencanto da fase decadentista, sucedem os excessos do sensacionismo e da vanguarda próprios da fase futurista, com o cântico exacerbado e claramente provocatório do progresso e da civilização moderna.

O início da "Ode Triunfal" (vv. 1-32) permitir-nos-á apreender os aspectos essenciais da fase futurista deste heterónimo pessoano:
  • identificação da relação existente entre o "eu" e a realidade exterior;
  • relação ambígua feita de violência e paixão (1.ª estrofe);
  • características do real que envolve e quase submerge o sujeito poético:
- "lâmpadas eléctricas da fábrica";
- "rodas" e "engrenagens";
- "máquinas" e "luzes eléctricas";
- "correias de transmissão", êmbolos"; "volantes".
  • ambiente moderno, mecânico, dominado pela técnica e pela evolução industrial;
  • visão excessiva e intensa do real, provocando no sujeito poético um estado de quase alucinação marcadamente sensual que começa a desenhar-se na segunda estrofe ("Em fúria fora e dentro de mim", v. 7), intensifica-se na terceira e atinge o clímax na última, conferindo, assim, ao texto a sua faceta provocatória e escandalosamente futurista;
  • percepção do real baseado num excesso de sensações - "excesso / De expressão de todas as minhas sensações" (vv. 12-13):
- visuais: luz - "A dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica" )v. 1);
- cinéticas - "Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes" (v.23), "Ó rodas, ó engrenagens!" (v.5);
- auditivas: "...r-r-r-r-r-r-r eterno" (v.5);
- olfactivas: "A todos os perfumes de óleos e calores e carvões" (v.31);
- tácteis: "Tenho os lábios secos" (v.10).

Comparando com o "real" de Caeiro, podemos afirmar que, em Campos, a Natureza é substituída pela visão do mundo moderno e "super-civilizado" ("Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical", "Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!"); com o qual o sujeito poético estabelece uma ligação estranha, eufórica e exaltada, mas revelando, também, um erotismo frenético e quase doentio (Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.", "Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto, / Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento / A todos os perfumes de óleos e calores e carvões".)

O sensacionismo de Campos inspira-se no de Caeiro visível no modo como um e outro apreendem o real através das sensações. No entanto, enquanto que Caeiro o faz de uma forma calma e tranquila, Campos deixa-se levar pelos excessos característicos do futurismo, bem evidentes na linguagem utilizada:
  • onomatopeias - "r-r-r-r-r-r-r eterno!" (v. 5);
  • aliterações - "Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando"(v. 24);
  • frases exclamativas - "Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!" (v. 26);
  • adjectivação expressiva - "Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!" (v. 32);
  • interjeições: "Ah" (v. 26)
  • repetições - "Canto, e canto o presente" (v. 17);
  • enumerações - "(...) e canto o presente, e também o passado e o futuro" (v.17);
  • ritmo rápido e excessivo - "Em fúria fora e dentro de mim, / Por todos os meus nervos dissecados fora" (vv. 7-8).

"Saudação a Walt Whitman" - Este longo poema de Campos é um "cântico de libertação" e de identificação com Whitman. Assim, atentemos em:
  • o título como síntese da mensagem do poema;
  • a enumeração das facetas peculiares de Walt Whitman, reveladoras de um carácter subversivo e provocatório - "Ó sempre moderno e eterno, cantor dos concretos absolutos, / Concubina fogosa do universo disperso, / Grande pederasta roçando-te contra a diversidade das coisas";
  • auto-caracterização do sujeito poético, tendo como modelo Walt Whitman - "Sou dos teus, tu bem sabes, e compreendo-te e amo-te";
  • inconformismo e saciedade - "Sou EU, um universo pensante de carne e osso, querendo passar, / E que há-de passar por força, porque quando quero passar sou Deus!";
  • ânsia de absoluto - "O espírito que dá a vida neste momento sou EU!";
  • estilo torrencial, dinâmico e esfuziante;
  • o valor dos empréstimos - insaisissable, souteneurs, engageant.


"Ode Marítima" - Este  é o mais longo poema de Campos, considerado por Robert Bréchon como "uma autêntica maravilha de organização", aliando aspectos caracteristicamente futuristas (excessos e provocações), com um tom melancólico e disfórico, anunciador já da fase intimista.
Os aspectos nucleares deste texto são:
  • o tom febril, excessivo, sadomasoquista de algumas passagens - "Fazei o que quiserdes de mim, logo que seja nos mares, / (...) Que me rasgueis, mateis, firais! / (...) Arranquem-me a pele, preguem-na às quilhas. / E possa eu sentir a dor dos pregos e nunca deixar de sentir!";
  • o delírio das coisas marítimas - "Toma-me pouco a pouco o delírio das coisas marítimas, / Penetram-me fisicamente o cais e a sua atmosfera";
  • a exaltação das coisas navais - "E vós, ó coisas navais meus velhos brinquedos de sonho! / Componde fora de mim a minha vida interior!";
  • o fascínio das viagens - "Insinua-se no meu sangue toda essa sedução fina / E eu cismo indeterminadamente as viagens."
  • a evocação da infância - "Ó meu passado de infância, boneco que me partiram!";
  • o tom intimista e desencantado - "E o giro lento do guindaste que, como um compasso que gira, / Traça um semicírculo de não sei que emoção / No silêncio comovido da minh'alma...".

1 comentário:

Nilson Barcelli disse...

Gosto de ler tudo sobre o Poeta.
Fizeste um magnífico post.
Beijo, minha querida amiga.