Boa Noite!
Não estou certo de que este email venha a ser lido por alguém. E caso o seja, não faço a mínima ideia de quem o lerá. Ainda assim, vou escrever aquilo que sinto e penso acerca destes “zunzuns” que circulam na net, que se comentam nas escolas, mas que o MEC parece não querer esclarecer. Refiro-me, obviamente, ao (suposto) projecto de Reforma Curricular do Ensino Básico. Talvez ainda esteja em estudo e por isso o ministro nada diz, mas onde há fumo há fogo.
Como professor de Geografia contratado, desde 21 de Setembro de 1998, estou obviamente preocupado. E não pretendo ser hipócrita ao ponto de afirmar que a base da minha inquietação é em primeiro lugar os alunos e a sua formação. Em primeiro lugar está o meu trabalho, a minha vida, obviamente. Nos últimos 13 anos, tal como tantos outros professores, tenho feito sacrifícios para poder trabalhar, para poder somar tempo de serviço e para poder alcançar, ainda que cada vez mais pareça utopia, alguma estabilidade profissional e pessoal. Sim, porque antes de ser professor, sou uma pessoa e tenho uma família, tal como os deputados eleitos pelas Regiões Autónomas que têm o privilégio de poder ver a sua família semanalmente e com todos os custos das viagens suportados por nós. Mas isto não vem agora ao caso, apenas não resisti a sublinhar o privilégio de alguns privilegiados, passo a redundância.
Na faculdade, aprendi que uma das razões da relevância da Geografia é o seu papel de “charneira” em relação aos demais saberes. Transcrevendo do dicionário, charneira significa “pessoa ou coisa que une partes diferentes, que serve à união de dois grupos ou mundos diferentes; intermediário.” Se me permitem a ousadia, diria que é um saber Estruturante. Pois bem este paradigma, no “dizer” do Ministro da Educação está desactualizado, aliás o novo paradigma ministerial parece seguir no caminho totalmente oposto, uma diferença que eu apelidaria de “colossal”. Estruturantes são apenas, ou quase vá lá, o Português e a Matemática. Sinceramente não vou, não quero e nem sei equacionar a validade do axioma, mas fazendo a analogia com o corpo humano: só porque a cabeça e o coração são vitais (estruturantes?) podemos dar-nos ao luxo de amputar membros não vitais (ditos não estruturantes?), como as pernas ou os braços. Não creio. Não sendo vitais, e sem pretender de forma alguma ferir susceptibilidades alheias, o equilíbrio do todo estaria irremediavelmente comprometido. E aqui já não falo do “meu umbigo”, mas sim da formação dos meus alunos, dos nossos alunos. E usar aqui o pronome possessivo não é nem exagero, nem hipocrisia afectiva, é sentido mesmo. Até porque um professor, talvez passe mais tempo com os seus alunos do que com os seus filhos.
Lendo o artigo 7.º da Lei de Bases do Sistema Educativo, – objectivos do Ensino Básico - não consigo encontrar disciplina cuja essência seja mais consentânea com o perfil que um aluno deve ter no final do 3.º ciclo, do que a Geografia. Alguns excertos desse perfil : “espírito crítico”; “sentido moral”; “formação que inter-relacione o saber e o saber fazer”; “relacionar a cultura escolar e a cultura do quotidiano”; “Fomentar a consciência nacional”; Desenvolver o conhecimento e o apreço pelos valores característicos da identidade”; “experiências que favoreçam a sua maturidade cívica”; “visando a formação de cidadãos civicamente responsáveis e democraticamente intervenientes na vida comunitária”.
Quem conhece o programa do 3.º ciclo de Geografia, facilmente encontra e consegue perceber o contributo dos conteúdos programáticos na formação do perfil acima descrito. Ainda que possa carecer de ajustamentos, meter História e Geografia no mesmo saco, numa operação de corte e costura vai ser prejudicial para o saber de uma e de outra disciplina e o que vai acontecer, estou certo, é que o aluno vai chegar ao final do 9.º ano e pouco ou nada sabe de História e de Geografia. E como é do conhecimento geral, no secundário são poucos os estudantes que têm as duas disciplinas. Ou seja teremos muitos licenciados que pouco ou nada saberão sobre o seu passado, o seu presente e o seu futuro. Não conheço os currículos dos restantes países da Europa, ou o dos EUA e, por isso, não consigo estabelecer um paralelismo em relação à importância que a Geografia tem na formação dos respectivos alunos e aquilo que se pretende fazer em Portugal. Mas também não me parece relevante porque cada país deve preservar a sua própria matriz cultural e educacional. Não temos que seguir de forma cega modelos educativos estrangeiros e pensar que a solução dos problemas no ensino e a melhoria da aprendizagem dos nossos alunos passa por ter disciplinas de primeira e de segunda. Mas alguém, de boa fé, acredita que é por causa de 2 ou 3 tempos lectivos por semana de Geografia e História que os nossos alunos são maus a Matemática e a Português? Trata-se unicamente de economicismo, nada mais. É por terem menos tempo de Geografia e História que os nossos alunos vão melhorar nas disciplinas ditas estruturantes? Esses tempos serão ocupados com mais Matemática e Português, para além dos 45m já atribuídos no presente ano lectivo? Com turmas de 28, 29, 30 e mais alunos, mais tempos semanais permitirão que os professores prestem um ensino mais individualizado aos que têm mais dificuldades?Mas o Sr. Ministro quer enganar quem? Se está de facto preocupado com as dificuldades dos alunos nessas duas disciplinas, são precisos mais professores e não menos como tem acontecido nos últimos tempos. E sabe porquê Sr. Ministro? Para que os alunos com mais dificuldades possam trabalhar em pequenos grupos com os professores, de forma a superarem as dificuldades que mais 45 ou 90 minutos numa sala com 30 não resolvem! Mas o Sr. Ministro já viu algum pai colocar um filho em explicações particulares onde o explicador trabalhe com 30 ao mesmo tempo? Isso, nem nos EUA, país que conhece bem melhor que muitos cidadãos americanos que têm dificuldade em localizar o próprio país num mapa, sabe-se lá porquê!
Isto acabou por ser mais um desabafo do que uma reflexão fundamentada acerca do que aí vem. Mas, já estava farto de desabafar comigo próprio e assim talvez possa partilhá-lo com mais alguém.
Apelo à APROFGEO que ajude a mobilizar os professores. Por nós, pela Geografia, pelos alunos, pelo Ensino. Isto não vai lá só com abaixo-assinados.
Atenciosamente,
José Santana
(professor contratado, itinerante, com ordenado de cerca de 1100€, menos do que o subsídio de alojamento de Ministros e Deputados que têm casa em Lisboa, mas dão a morada da casa de férias).
1 comentário:
Sou pacífico por natureza... mas não sei até quando manterei esta minha forma de estar!
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