domingo, 16 de outubro de 2011

Fernando Pessoa - O contexto da produção da obra


De regresso a Portugal, em 1905, Pessoa assiste a uma série de acontecimentos históricos e políticos que assinalam um período confuso da história portuguesa:
  • a queda da monarquia, após várias lutas dentro do partido monárquico, na sequência do regicídio de D. Carlos, a 1 de Fevereiro de 1908, e da regência de D. Manuel I;
  • a implantação da República em 5 de Outubro de 1910;
  • a formação de um Governo Provisório pelos dirigentes do Partido Republicano;
  • a cisão dentro do partido;
  • a instabilidade governativa;
  • as manifestações populares, as greves;
  • a ditadura do Estado Novo (1933).
Pessoa viveu fervorosamente esses acontecimentos e sobre eles escreveu vários textos, criticando actuações de dirigentes republicanos, questionando o fracasso da República, posicionando-se a favor do consulado de Sidónio Pais (1917 - 1918), a quem atribui uma aura mística equivalente a D. Sebastião, dando-lhe, num poema, o epíteto de "Presidente-Rei", acolhendo o Estado Novo (1933) de uma forma expectante que, posteriormente, redunda em decepção e intolerância.
Confrontado com um panorama cultural estagnado, consequência dos anos conturbados da primeira República, Pessoa sente que é seu dever empenhar-se na reabilitação das letras portuguesas:
  • deixa de escrever exclusivamente em inglês e passa a escrever em português, a partir de 1908;
  • estreia-se no mundo das letras com uma série de artigos intitulados A Nova Poesia Portuguesa publicados na revista A Águia (dirigida por Teixeira de Pascoaes), em Abril de 1912;
  • ainda no ano de 1912, decisivo na sua vida literária, Pessoa conhece Teixeira de Pascoaes e Mário de Sá-Carneiro, entrando na vida intelectual portuguesa e revelando a sua faceta de teorizador literário;
  • a breve e intensa amizade com Mário Sá-Carneiro (apenas durou três anos e meio) é determinante para o aparecimento do Modernismo em Portugal;
  • entre o período de 1912 e 1914, conhece vários jovens escritores e artistas plásticos com quem se encontra regularmente, mas vai afastando-se daqueles que estão demasiado ligados ao saudosismo;
  • publica, em Fevereiro de 1914, "Paúis" (poema programático que gera uma das primeiras experiências estéticas pessoanas - o Paulismo, "arte de sonho moderna") e "Ó sino da minha aldeia", (poema que renova o tema da saudade), que o dão a conhecer como poeta;
  • ainda em 1914 escreve "Chuva Oblíqua", conjunto de seis poemas que, tal como "paúis", constitui um marco importante no percurso poético de Pessoa e na história do Modernismo, pois é uma nova experiência estética - o interseccionismo, por influência do cubismo (movimento artístico iniciado em Paris) que lhe fora revelado por Sá-Carneiro; esse conjunto de poemas revela uma clara aproximação da poesia às manifestações estéticas do cubismo, ao entrecruzar imagens de sonho e realidade, processo semelhante ao entrecruzar de planos na pintura cubista;
  • em 1915, juntamente com Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, Armando Cortes Rodrigues e Santa-Rita Pintor, lança os dois únicos números da revista Orpheu, que inaugura o Modernismo em Portugal: Orpheu 1, a 26 de Março e Orpheu 2, a 28 de Junho, causando, orgulhosamente, escândalo;
  • Orpheu 3 esteve no prelo, mas a falta de dinheiro impediu que fosse publicado; no entanto, Pessoa sempre reconheceu que Orpheu não tinha acabado - "Orpheu continua.";
  • entre 1913 e 1917, desenvolve uma intensa actividade poética, escrevendo de forma compulsiva e experimentando diversas tendências estético-literárias;
  • entre 1929 e 1932, publica em revista onze fragmentos da obra Livro do Desassossego, cujo primeiro fragmento apareceu na revista A Águia, em 1913; o Livro do Desassossego é atribuído ao semi-heterónimo Bernardo Soares - um lisboeta, empregado de escritório, espectador da vida da capital; o último fragmento do livro - considerado por muitos a grande obra do escritor - é datado de 23 de Junho de 1934;
  • Em 1933, Pessoa permitiu que o poema "Mar Português", de 1922, e que faria parte da Mensagem, fosse integrado no programa das escolas;
  • Mensagem é publicada em 1934, um ano depois de Salazar ter assumido a chefia do governo do país, instaurando um sistema de controlo total da vida pública - Estado Novo; a publicação da Mensagem suscitou algumas reservas ao próprio Pessoa, que se viu apontado por cometer o "erro" de contribuir para reforçar a ideologia fascista do Estado Novo;
  • O poeta colaborou com o regime salazarista entre 1933 e 1934, mas, como liberal que era, não podia suportar a opressão e tornou-se opositor do regime - "Pessoa, como tantos outros portugueses, hesitou perante a Ditadura, apoiando-a, antes de começar a duvidar, não da ideia de Ditadura, mas dos homens que a geriam". (Alfredo Margarido)
Autor de uma vasta e variada obra, a escrita de Pessoa caracteriza-se pela pluralidade, diversidade, uma escrita de inúmeros rostos e temas diferentes, da autoria do poeta ele próprio - o ortónimo - e de outros poetas, "outros eus" - os heterónimos (contam-se mais de setenta e cinco heterónimos e semi-heterónimos).


Tendências estético-literárias do início do século XX

Cubismo - O nome cubismo foi achado pelo crítico francês Louis Vauxcelles ao contemplar um quadro de Braque onde as casas de uma paisagem se assemelhavam a cubos. Este pintor e Picasso, que trabalharam juntos e complementarmente, entre 1907 e 1914, lançam o cubismo. Os pintores que criaram o movimento procuraram desligar-se de toda a subjectividade, de toda a sentimentalidade, de todo o conceito religioso, espiritual ou mesmo cósmico da arte, aspirando a reproduzir as formas puras, geométricas dos objectos. É uma tentativa para eliminar a perspectiva do pintor e para apresentar os objectos em si, desligados do observador. O grande precursor desta corrente foi Cezanne, que procurou, segundo as suas próprias palavras, "tratar a natureza pelo cilindro, pela esfera, pelo cone". O poeta francês Apollinaire, aparentado com esta corrente, resumia-a bem quando disse que "a geometria é para as artes plásticas o que a gramática é para a arte do escritor". Os seus principais representantes além de Picasso e Braque são Juan Gris e Leger.

Decadentismo - O decadentismo, ao contrário do naturalismo ou do simbolismo, não constitui rigorosamente uma escola. No fim do séc. XIX, influencia, como uma espécie de doença da época, alguns artistas um tanto afectados e preciosos, com o culto do individualismo extremo e da torre de marfim.
Na cronologia - e no génio - o caso mais típico é o de Baudelaire, autor de As Flores do Mal. Em Inglaterra o nome mais representativo é Oscar Wilde. Mário de Sá-Carneiro é o poeta da geração de Orpheu mais contagiado pelo decadentismo.

Expressionismo - O expressionismo insiste sobretudo no drama da condição humana, tentando exprimir as forças que agitam a alma ou a dilaceram. A potência do instinto, a angústia e a frustração conduzem a uma representação da humanidade ou da natureza através do disforme e do exacerbado. Os expressionistas inspiram-se sobretudo em Van Gogh, Goya e em Rembrandt. Principais representantes: Munch, Kokoschka, Soutine, Rouault e ultimamente o inglês Francis Bacon.

Futurismo - O futurismo é um movimento literário artístico, com repercussão europeia, mas fundamentalmente italiano. O primeiro manifesto futurista, redigido por Marinetti, aparece, todavia, num jornal francês, Le Figaro, em 1909. Provoca uma profunda mudança de formas e de temas, caracterizando-se pelo que se poderá chamar um lúcido delírio ou uma involuntária embriaguez. Na poesia, substitui os tradicionais motivos de inspiração lírica, como a flor, a mulher, o amor, por outros que cantam a velocidade, as imagens em movimento, o útil e o prático, os prodígios da técnica, etc.. Os poetas usam imagens tiradas dessa mesma técnica, palavras correntes e vigorosas, e recorrem frequentemente à onomatopeia. Excessivo, mas arrebatador e dinâmico, o futurismo arrancou a poesia do marasmo esteticista em que vegetava desde o simbolismo e o decadentismo. O dinamismo futurista alcança uma expressão máxima na "Ode Marítima" w na "Ode Marcial" de Álvaro de Campos. Estiveram ligados ao futurismo, além de Marinetti, Pessoa e Almada, pintores como Léger, Balla e Delaunay; homens das letras como Papini, Maiakowsky, James Joyce e muitos outros.

Interseccionismo - Processo típico da poesia do modernismo, paralelo às sobreposições dinâmicas da pintura futurista e de que Fernando Pessoa nos deu exemplos acabados nas seis partes do poema "Chuva Oblíqua" - demonstração brilhante de inteligência estética e de capacidade inovadora. O interseccionismo coincide com o aparecimento dos heterónimos. O interseccionismo dá lugar ao sensacionismo.

Paulismo - Arte do vago, complexo e subtil, pela exacerbação de certos aspectos do saudosismo, como a "ânsia de novo, mistério, estranheza e audácia". O paulismo foi o primeiro programa do movimento Orpheu, mas foi uma tendência efémera. A designação de paulismo provém da palavra "paúis" com que é iniciado o poema "Impressões do crepúsculo" de Fernando Pessoa.

Sensacionismo - A única realidade da vida é a sensação. A realidade em arte é a consciência da sensação. A arte, na sua definição plena, é a expressão harmónica da nossa consciência das sensações, ou seja, as nossas sensações devem ser expressas de tal modo que criem um objecto que seja uma sensação para os outros. (...) Os princípios da arte são: cada sensação deve ser plenamente expressa, isto é, a consciência de cada sensação deve ser joeirada até ao fundo; a sensação deve ser expressa de tal modo que tenha a possibilidade de evocar o maior número possível de outras sensações.

Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação

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