segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Fernando Pessoa - Ortónimo


É Fernando Pessoa (ortónimo) que estabelece a ligação com a poesia tradicional, na linha de Garrett, António Nobre, Camilo Pessanha. Todo o saudosismo e a grande dose de sebastianismo que se encontram na Mensagem estão na linha da poesia tradicional portuguesa, o que se vê com facilidade em poemas como: Mar Português, D. Dinis, A Última Nau, O Quinto Império, O Mostrengo, D. Sebastião. Perpassa nestes poemas um tom ao mesmo tempo saudoso, épico e messiânico. É aqui que se vê, como n' Os Lusíadas, que a grandeza dos factos de uma nação é inseparável da sua grandeza literária.
Tal como Garrett e António Nobre, Pessoa exprime as suas vivências íntimas em tom quase sempre triste de quem se recorda de uma infância perdida (veja-se, por exemplo, o poema O sino da minha aldeia). Afasta-se porém muito daqueles pelo seu natural anti-sentimentalismo e pela ausência de toda a biografia: "Eu simplesmente sinto/Com a imaginação/Não uso o coração".
Uma das características fundamentais de Pessoa ortónimo é a ausência de sentimentalismo, sendo as suas emoções puras vibrações intelectuais. Ele próprio afirma em carta a Gaspar Simões: "nunca senti saudades da infância. Nunca senti, em verdade, saudades de nada, sou, por índole, e no sentido directo da palavra, futurista". Como se compreendem então poemas de conteúdo saudosista, como "O sino da minha aldeia"? É o próprio Pessoa que responde: "...são atitudes literárias, sentidas intensamente por instinto dramático... O sino da minha aldeia é o da igreja dos Mártires, ali no Chiado. A aldeia em que nasci foi o largo de S. Carlos..."
O fingimento está, pois em toda a arte de Pessoa. O saudosismo (reduzido) que se encontra na obra de Pessoa não é mais do que "vivências de estados imaginários":

Eu simplesmente sinto
Com a imaginação
Não uso o coração.

Foi esta atitude anti-sentimentalista que o levou a separar-se da "Águia" e da "Renascença Portuguesa".
Há, no entanto, um conjunto de poemas de Pessoa que estão dentro da tradição poética lusitana, não só pela sua métrica popular, mas também pelos motivos de inspiração (a noite, o mar, as rosas, o azul) e pela expressão do pessimismo, do tédio, do inefável, da saudade de uma infância perdida. Tudo isto nos parecerá natural, se considerarmos que foi depois de ler os poemas de Folhas Caídas de Garrett, que Pessoa começou a escrever poemas em português (antes só os escrevia em inglês e francês). Segundo Prado Coelho, é fácil encontrar em certos poemas de Pessoa uma "vaga tristeza da alma sozinha", sentimentos que exprimem, por exemplo, os poemas de Garrett "Tronco Despido" e "Voz e Aroma". O mesmo autor afirma ainda que os dois poetas (Garrett e Pessoa) aproximam-se "pela grácil delicadeza dos motivos, o desenho estrófico, a melodia do verso de entre duas e seis sílabas, a sugerir a própria leveza e fluidez do estado de alma, e ainda a linguagem simples, íntima, sóbria mas nobre, de perguntas e respostas, com velhos símbolos remoçados pela frescura da inspiração.
No Pessoa ortónimo o ritmo alicia, as próprias vivências são por vezes de essência musical; instintiva ou calculadamente, de qualquer modo apoiado à nossa melhor tradição lírica, Pessoa tira das combinações de sons efeitos muito felizes:

Leve, breve suave,
Um canto de ave
Sobe no ar com que principia
O dia.
Escuto e passou...
Parece que foi só porque escutei
Que parou.

O processo é característico de Pessoa: primeiro a imagem-símbolo, depois a reflexão que lhe extrai o sentido. O verso inicial, só constituído por adjectivos (sugestivo dum som esguio e doce pelas duas pausas entre os três dissílabos, rigorosamente monossílabos, terminados em fricativa, e ainda pela rima interior), contém o que mais importa: a ideia de leveza, da brevidade, da suavidade do momento psicológico simbolizado pelo canto, cujas curvas descritas no ar parecem ser reproduzidas pelo desenho estrófico, com versos de tamanho muito desigual e rimas suaves em ave e ia. Depois o súbito desaparecimento do canto: "Escuto e passou..." É o eu consciente do poeta que intervém, a quebrar o encanto do momento inefável. A sintaxe da coodenação, da linguagem viva e espontânea, descreve melhor a rapidez com que o canto se esvaiu. Escutar no presente, passar no pretérito: o canto não chega a ser apreendido pela consciência. Depois a filosofia desalentada: Parece que foi só porque escutei/Que parou."
O ritmo e a musicalidade, de harmonia com a nossa tradição lírica, é muito importante na poesia de Pessoa (ortónimo). Até em poemas altamente intelectualizados, como Autopsicografia, usa a redondilha, o verso mais tradicional e popular da lírica portuguesa.

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