quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Porque sou fã de Santana Castilho


O grau zero da decência e a excelência do cinismo



Os argumentos que sustentam a revogação dos prémios de mérito dos alunos ilustram a excelência do cinismo. Comecemos pela incoerência. Nuno Crato foi um arauto da meritocracia, da superioridade dos resultados, da competição e do reconhecimento dos melhores. É verdade que nunca se ocupou a reflectir sobre o que é ser melhor em Educação, nem perdeu tempo a clarificar “as poucas ideias” (a expressão é dele próprio) que tem sobre ela. Mas apontou o “eduquês”, sempre, como a antítese daqueles paradigmas doutrinários. Ora os prémios que estoiraram eram o melhor símbolo da meritocracia e da oposição ao “eduquês”. Nuno Crato implodiu, portanto, a sua coerência. Vejamos agora a forma e a legalidade dúbia. O despacho está escrito em fino “eduquês”, redondo, cheio de frases reles, que Crato ridicularizou quando não era ministro. Cita mal e descuidadamente legislação de suporte. E rebenta, sem poder, com o que se consigna no Código Civil. Com efeito, a instituição dos prémios reveste a forma jurídica de “promessa pública”, cujo sentido é, assim, clarificado pelo nº1 do artigo 459º do citado código”: “Aquele que, mediante anúncio público, prometer uma prestação a quem se encontre em determinada situação ou pratique certo facto, positivo ou negativo, fica vinculado desde logo à promessa”. Esta promessa pública, se não tiver prazo de validade, o que é o caso, é revogável a todo o tempo (nº 1 do artigo 461º). Mas a revogação não é eficaz (nº2 do artigo 462) “… se a situação prevista já se tiver verificado …”. E este é o caso. Quando o ministro revogou, já os factos que obrigavam ao cumprimento do prometido se tinham verificado, isto é, estavam apurados, há muito, os alunos referidos na promessa. Crato podia revogar para futuro. Mas não podia deixar de cumprir o que estava vencido, fazendo uma interpretação torta do Direito. E chegamos ao mais importante, à ética e à moral. Que acontece à ética quando se retiram, na véspera de serem recebidos, os prémios que se prometeram aos alunos? Que ética permite que a solidariedade seja imposta por decreto e assente na espoliação? Que imagem da justiça e do rigor retirarão os alunos, os melhores e os seus colegas, do comportamento abjecto de que os primeiros foram vitimas? Terão ou não sobeja razão para não acreditarem nos que governam e para lamentarem a confiança que dispensaram aos professores que, durante 12 anos, lhes ensinaram que a primeira obrigação das pessoas sérias é honrar os compromissos assumidos? Por fim, o despacho ordinário do ministro impõe a pergunta fatal: que moral o informa para, responsável por tal infâmia, quando confrontado com ela, apenas reconhecer uma falha de comunicação, por a decisão ter sido tomada a 19 de Setembro? Fora o primeiro-ministro além da contabilidade e Crato teria imediatamente ficado a saber, pela única via reparadora, que a emergência que vivemos não suspende a legalidade, a coerência e a ética, nem o dispensa da moral mínima. Já sabíamos que Crato queria endireitar a Educação medindo e classificando tudo e todos. Não sabíamos que pretendia formar o carácter dos alunos enganando-os e obrigando-os a serem solidários à força. Esclareceu-nos agora. Eficazmente. Sem deslizes de comunicação.

A aceitação de qualquer meio para chegar ao fim, baixo modo de fazer política, marca também a relação com os professores. Não é edificante que a trapalhada dos concursos esteja agora no Departamento de Investigação e Acção Penal. Nunca antes se tinha chegado a tal extremo. Independentemente do que de lá saia, há factos indesmentíveis. O processo usado para contratar professores é uma charada sem réstia de transparência e uma porta aberta às manipulações e aos golpes. Num dos momentos do concurso, designado por “Bolsa 2”, entre 15 e 19 de Setembro, quando as escolas quiseram manifestar horários anuais, a respectiva plataforma informática bloqueava essa opção e assumia-os como temporários. Foi o glorioso tempo dos professores ao mês, apressadamente corrigido a seguir. Dizer que os professores foram colocados em função do que constava na aplicação informática é, neste contexto, vil, demasiado baixo. Quando confrontado com os factos no Parlamento, Nuno Crato foi simplesmente demagógico. Falou de não poder contratar para além das necessidades. Ora ninguém lhe pediu que contratasse para lá das necessidades. Pediu-se-lhe que explicasse por que contrataram arbitrariamente. Por que manipularam horários. Por que permitiram que quem estava antes fosse ultrapassado por quem vinha depois. Com um vistoso jogo de cintura, para aligeirar o escândalo e as televisões servirem, Crato afirmou que apenas 0,4 (“Bolsa 1) e 0,1 (“Bolsa 2”) por cento dos professores reclamaram. O distinto matemático esqueceu-se de nos dizer a que universo se referia a percentagem. Mas só um é relevante: o dos cerca de 37.000 professores desempregados. Dado que os recursos foram 512 para a “Bolsa 1” e 152 para a “Bolsa 2”, as percentagens verdadeiras são 1,38 e 0,41 por cento, respectivamente, sem atender a que o universo do cálculo se reduziu entre os dois momentos considerados. Acresce, e não é de somenos, que quem queira reclamar se tem que sujeitar a um “conveniente” mecanismo de “consulta prévia” informática, prolixo, castrador, perito em brindar os irreverentes com a canalha mensagem: “O seu perfil de utilizador não lhe permite executar a operação pretendida”.

O grau zero da decência a que o Ministro da Educação e Ciência desceu tem uma vantagem: daqui para a frente, por mais repugnantes que sejam as suas decisões, estaremos preparados. Nada surpreenderá as pessoas de bem.


Santana Castilho

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