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Maria Monforte
“Numa tarde, estando no Marrare, vira parar defronte, à porta de Mme. Levailant, uma caleche azul onde vinha um velho de chapéu branco, e uma senhora loira, embrulhada num chale de Cashmira.
O velho, baixote e reforçado, de barba muito grisalha talhada por baixo do queixo, uma face tisnada de antigo embarcadiço e o ar gauche, desceu todo encostado ao trintanário como se um reumatismo o tolhesse, entrou arrastando a perna o portal da modista; e ela voltando de vagar a cabeça olhou um momento o Marrare.
Sob as rosinhas que ornavam o seu chapéu preto os cabelos loiros, dum oiro fulvo, ondeavam de leve sobre a testa curta e clássica: os olhos maravilhosos iluminavam-na toda; a friagem fazia-lhe mais pálida a carnação de mármore: e com o seu perfil grave de estátua, o modelado nobre dos ombros e dos braços que o chale cingia - pareceu a Pedro nesses instantes alguma coisa de imortal e superior à terra.”
Caracterização de Maria Monforte:
Testa: “curta e clássica”;
Olhos: “maravilhosos iluminavam-na toda”;
Cabelos: “cabelos loiros, dum oiro fulvo, ondeavam de leve”;
Pele: “mais pálida a carnação de mármore”;
Temperamento: “perfil grave de estátua”;
O amado vê-a como: “alguma coisa de imortal e superior à terra”.
A caracterização de Maria Monforte sugere uma beleza renascentista que correspondia à representação de uma mulher de olhos claros e luminosos, de longos e ondulados cabelos de oiro, de pele branca e delicada, de um temperamento sereno e de uma beleza celestial perfeita que a tornavam objecto de contemplação espiritual.
Recursos expressivos de que se serve o narrador para caracterizar Maria Monforte:
- a comparação que sugere a sua idealização;
- a dupla adjectivação que qualifica uma parte de seu rosto e explicita a sua beleza renascentista;
- o adjectivo no grau comparativo de superioridade que sublinha a brancura da sua pele;
- o adjectivo abstracto que qualifica os seus olhos e remete para o carácter celestial e angelical da sua beleza;
- o diminutivo que remete para a sua feminilidade.
Jogo de contrastes de que Eça se serve para realçar a beleza renascentista de Maria Monforte
O jogo de contrastes é conseguido a partir do carácter cromático da linguagem de Eça, isto é, o modo como explora as cores:
- o doirado dos cabelos de Maria Monforte é realçado ao contrastar com a cor preta do chapéu que usa.
- a brancura da pele de Monforte é realçada ao contrastar com a "face tisnada” de seu pai.
- a diferença entre as personagens descritas nesta passagem é conseguida a partir do contraste entre o branco do chapéu do pai que realça a sua pele morena e o preto do chapéu de Maria Monforte que realça a sua tez branca.
Maria Monforte é uma mulher sensual, inútil, egoísta, excessiva, leitora de novelas que apelavam ao mundo da paixão e fantasia. Revela-se leviana e amoral, e é nela que radicam todas as desgraças da família Maia.
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