quarta-feira, 16 de março de 2016

Amor de Perdição e Camilo Castelo Branco



Amor de Perdição 

Novela composta em 1861, por Camilo Castelo Branco, durante o tempo em que o autor esteve preso por adultériona cadeia da Relação do Porto. Foi baseada num episódio real da vida de um tio seu, Simão Botelho, que lhe teriasido contado por uma tia, e cujo registo o autor teria encontrado nos livros de assentamentos da cadeia. Noentanto, a manipulação e a ficção, por parte de Camilo, são de tal forma livres, que o converteu na novelasentimental mais famosa do Romantismo português.
O enredo é ultra romântico: os protagonistas, Simão e Teresa, filhos de duas famílias inimigas de Viseu, osBotelhos e os Albuquerques, apaixonam-se. A conselho de Baltasar Coutinho, primo e prometido de Teresa,despeitado pelo ciúme, Tadeu de Albuquerque decide encerrar a filha no convento de Monchique, no Porto. Simãoespera-os à saída de Viseu, trava-se de razões com Baltasar e mata-o a tiro, entregando-se logo à justiça. Presona cadeia da Relação do Porto, é condenado ao degredo. Ao embarcar para a Índia, Simão ainda consegue avistaro vulto da sua amada, que se despede dele,  moribunda, esgotada pela desgraça. Horas depois, Simão tomaconhecimento da morte de Teresa e morre também. A personagem mais verdadeira da novela, e que rompe com oconvencionalismo romântico, é, contudo, Mariana, uma rapariga do povo, boa e abnegada, que, sentindo porSimão um amor absoluto e sem esperança, serve de intermediária entre Simão e Teresa, decidindo depoisacompanhá-lo no exílio e suicidar-se após a morte dele, abraçando-se ao seu cadáver atirado ao mar.

À narrativa passional e trágica, onde o amor, o ódio e a vingança, nos seus múltiplos cambiantes surgemextremados, estaria também subjacente, segundo alguns estudiosos da obra camiliana, uma intenção de críticasocial, pretendendo Camilo denunciar a obediência cega da sociedade ao preconceito obsoleto da honra familiar.


A 16 de Março de 1825, nasce Camilo Castelo Branco, em Lisboa, autor de "Amor de Perdição", "A Queda de Um Anjo"...
Novelista entre os anos 50 e 80 do século XIX e um dos grandes génios da Literatura Portuguesa, Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco nasceu a 16 de Março de 1825, em Lisboa, e suicidou-se a 1 de Junho de 1890 em S. Miguel de Seide, Famalicão. Órfão de mãe aos dois anos e de pai aos nove, passou, a partir desta idade, a viver em Vila Real com uma tia paterna. Aos 16 anos, casou-se com Joaquina Pereira, em Friúme, Ribeira de Pena. Em 1844, instalou-se no Porto com o intuito de cursar Medicina, acabando por não passar do 2.ª ano. Em 1845, estreou-se na poesia e no ano seguinte no teatro e também no jornalismo - actividade, aliás, que nunca abandonaria. Viúvo desde 1847, fixou-se definitivamente no Porto a partir de 1848 (onde, em 1846, já estivera preso por ter raptado Patrícia Emília, um dos seus tumultuosos amores, de quem teria uma filha). De 1849 a 1851 consolidou a sua actividade jornalística, retomou o teatro, estreou-se no romance com Anátema (1851), conheceu a alta-roda portuense bem como os meios boémios e foi protagonista de aventuras romanescas.
Em 1853, abandonou o curso de Teologia no Seminário Episcopal, fundou vários jornais e em 1855 tornou-se o redactor principal de O Porto e de Carta. Nessa altura, o seu nome começava a soar nos meios jornalísticos e literários do Porto e de Lisboa: já alimentara várias polémicas e publicara alguns romances. Mas foi a partir de 1856 que atingiu a maturidade literária (no domínio dos processos de escrita) com o romance (por alguns autores considerado novela) Onde Está a Felicidade?. Foi ainda neste ano que iniciou o relacionamento amoroso com Ana Plácido, casada desde 1850 com Manuel Pinheiro Alves.
Por proposta de Alexandre Herculano, foi eleito sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa em 1858 - ano em que nasceu Manuel Plácido, filho de Camilo e de Ana Plácido. Em 1860, Manuel Pinheiro Alves desencadeou o processo de adultério: em Junho foi presa a mulher e a 1 de Outubro Camilo entregou-se na cadeia da Relação do Porto. D. Pedro V visitou-o, em 1861, na cadeia, e a 16 de Outubro desse ano os réus foram absolvidos. Era intensa a actividade literária de Camilo (não sendo a esse facto de todo alheias as dificuldades económicas): entre 1862 e 1863, o escritor publicou onze novelas e romances atingindo uma notoriedade dificilmente igualável. Em 1864, fixou-se na quinta de S. Miguel de Seide (propriedade de Manuel Pinheiro Alves que, entretanto, falecera em 1863) e nasceu-lhe o terceiro filho, Nuno. Quatro anos depois, dirigiu a Gazeta Literária do Porto; em 1870 iniciou o processo do viscondado (o título ser-lhe-ia atribuído em 1885) e, em 1876, tomou consciência da loucura do segundo filho, Jorge. No ano seguinte morreu Manuel Plácido. A partir de 1881, agravaram-se os padecimentos, incluindo a doença dos olhos que o afectava. Em 1889, por ocasião do seu aniversário, foi objecto de calorosa homenagem de escritores, artistas e estudantes, promovida por João de Deus. No ano seguinte, já cego, impossibilitado de escrever (a escrita foi, no fim de contas, a sua grande paixão), suicidou-se com um tiro de revólver. A casa de Seide é hoje o museu do escritor e na sua vizinhança foram inauguradas, a 1 de Junho de 2005, as novas instalações do Centro de Estudos Camilianos.
Camilo foi o primeiro escritor profissional entre nós. Dotado de uma capacidade prodigiosa para efabular narrativas, conhecedor profundo do idioma, observador, ora complacente ora sarcástico, da sociedade (sobretudo da aristocracia decadente e da burguesia boçal e endinheirada), inclinado (por gosto, por temperamento e formação) para a intriga e análise passionais (muitas vezes atingindo o sublime da tragédia, como no Amor de Perdição), este genial autor romântico deixou-nos uma obra incontornável (apesar de irregular) na evolução da prosa literária portuguesa. De facto, foi na novela passional e no "romance de costumes" que Camilo se notabilizou, legando-nos uma série de personagens ainda hoje inesquecíveis, quadros e situações que valem pela espontaneidade narrativa, pelo ritmo avassalador da ação, pela sugestão realista e ainda pela novidade temática, como em A Queda dum Anjo. A sua versatilidade literária e criadora (aliada à necessidade de não perder o público com a progressiva influência de Eça e de Teixeira de Queirós) levaram-no a assimilar (depois de ter parodiado) a atitude estética e os processos de escrita do Realismo e do Naturalismo, visíveis nesse notável livro que é A Brasileira de Prazins e em certa medida já iniciados com Novelas do Minho.
A sua arte de narrar constituiu, a par da de Eça de Queirós, um modelo literário para muitos escritores, principalmente até meados do século XX.
As suas obras principais são: A Filha do Arcediago, 1855; Onde está a Felicidade?, 1856; Vingança, 1858; O Romance dum Homem Rico, 1861; Amor de Perdição, 1862; Memórias do Cárcere, 1862; O Bem e o Mal, 1863; Vinte Horas de Liteira, 1864; A Queda dum Anjo, 1865; O Retrato de Ricardina, 1868; A Mulher Fatal, 1870; O Regicida, 1874; Novelas do Minho, 1875-1877; Eusébio Macário, 1879; A Brasileira de Prazins, 1882.
Além destas obras em prosa narrativa, assinale-se ainda os outros géneros (ou domínios) pelos quais se repartiu o labor de Camilo: poesia, teatro (de que se devem destacar O Morgado de Fafe em Lisboa, 1861, e O Morgado de Fafe Amoroso, 1865), dezenas de traduções (do francês e do inglês), polémica, prefácios, biografia, história, crítica literária, jornalismo e epistolografia (compreendendo mais de duas mil cartas).

segunda-feira, 14 de março de 2016

Inês de Castro - paráfrase



Paráfrase do episódio de Inês de Castro (Canto III)

118
Depois da vitória do Salado sobre os Mouros e regressado a Portugal para festejar a paz conseguida com esta guerra, deu-se o caso triste e digno de memória, que até os mortos revolta, daquela miserável que depois de ser morta foi rainha (Inês de castro).
119
O poeta apresenta-nos o Amor como o grande culpado da morte de Inês, como se fosse a sua pior inimiga.
Dizem que a sede de amor nem com lágrimas se satisfaz: ela exige sacrifícios humanos nos seus altares.
120
Inês estava a viver tranquilamente os anos da sua juventude e o seu amor por Pedro nos saudosos campos do Mondego onde confessava à natureza o amor que sentia pelo dono do seu coração. 
121
Na ausência do seu amado socorre-se das lembranças: de noite em sonhos; de dia em pensamentos.
Para ele isto eram memórias de alegria.
122
Pedro recusa-se a casar com outras belas senhoras e princesas porque o seu amor por Inês fá-lo desprezar os outros.
Vendo esta conduta apaixonada e estranha, o pai, D. Afonso IV, considerando o murmurar do povo e a atitude do filho que não se queria casar... 
123
... decide a morte de Inês para desse modo libertar o filho, preso pelo amor, julgando que o sangue de uma morte infamante apagasse o fogo desse amor. 
Que loucura foi essa, que permitiu que a mesma espada que combateu os Mouros se levantasse contra uma dama delicada? 
124
O rei inclina-se a perdoar a Inês quando é levada pelos carrascos à sua presença, mas o povo, com razões falsas e firmes, exige a sua morte. 
Ela, com palavras inspiradas mais pela dor de deixar os filhos e o seu príncipe que pelo receio da própria morte... 
125 
... levanta os olhos (as mãos estavam a ser atadas pelos carrascos) e depois de olhar comovidamente os filhinhos que estavam junto de si, disse para o rei e avô: 
126 
Se até os animais ferozes, que a natureza fez cruéis, e nas aves selvagens que só pensam em caçar, vimos haver piedade para com crianças pequenas como aconteceu com a mãe de Nino e com Rómulo e Remo,
127
... tu que és humano (se é humano matar uma donzela fraca e sem força, só por amar quem a ama), tem em consideração estas criancinhas. Tem compaixão delas e minha pois não te impressiona a minha inocência. 
128 
E se na guerra contra os Mouros mostraste saber dar a morte, sabe, agora, dar a vida a quem não cometeu nenhum erro para a perder. 
Mas mesmo assim se achas que a minha inocência merece castigo, desterra-me para a fria Cítia ou a Líbia ardente onde viverei em sofrimento para sempre. 
129 
Manda-me para onde haja tigres e leões (animais selvagens) e verei se encontro entre eles a piedade que não encontrei entre humanos; e aí criarei estas criancinhas, a minha única consolação, a pensar em Pedro que amo. 
130 
O rei queria perdoar-lhe, impressionado com aquelas palavras, mas o pertinaz povo e o Destino não perdoam. 
Os que aconselharam a morte e julgando que estavam a fazer um grande feito desembainharam as espadas. 
É contra uma dama indefesa que vos amostrais valentes e cavaleiros? 
131 
Do mesmo modo que Pirro prepara o ferro para matar a jovem Policena, que se oferece ao sacrifício, com os olhos postos em sua mãe, de quem era a sua única consolação... 
132 
... assim os algozes de Inês, sem se preocuparem com a vingança de D. Pedro, se encarniçavam contra ela, espetando as espadas no colo de alabastro, que sustinha as obras que fizeram Pedro apaixonar-se por ela, e banhando em sangue o colo de alabastro já regado com lágrimas suas. 
133 
Bem puderas, ó Sol, não ter brilhado naquele dia, como aconteceu com o sinistro banquete em que Atreu deu a comer a Tiestes os filhos deste. 
E vós, côncavos vales, que ouvistes o nome de Pedro, na sua voz agoniante, por muito tempo fizestes eco do nome. 
134 
Assim como a bonina que é cortada antes do tempo por uma menina descuidada fazendo com que a flor murche rapidamente, também aconteceu o mesmo a Inês que perdeu a cor e a vivacidade da pele. 
135 

A natureza chorou durante muito tempo a sua morte e quis eternizá-la na fonte das lágrimas que ainda existe.