Descobri Raduan Nassar, escritor brasileiro, que nasceu em
Pindorama, cidade do interior do Estado de São Paulo, filho de João Nassar e
Chafika Cassis, a 27 de Novembro, quando pesquisava escritores e poetas de
expressão portuguesa para alimentar a página de Para Português ler.
Interessante a obra deste escritor que, depois do sucesso, se afastou
totalmente das luzes da ribalta para ir criar galinhas no campo.
Raduan Nassar não suportou ser um grande escritor e desistiu da
literatura para criar galinhas. Trocou a criação estética, que é complexa e
desregrada, pela mecânica suave da avicultura, e parece muito satisfeito com
isso, tanto que, resistindo a todos os apelos, se recusa a voltar atrás na sua
decisão. Meteu-se assim numa situação embaraçosa na qual o exterior (a figura
do escritor) e o interior (o acto de escrever) se confundem, armadilha em que,
de modo mais discreto, todos os escritores de alguma forma estão presos, e que
não chega a configurar uma escolha, mas um destino. Raduan abandonou a ordem do
verbo, que está sempre contaminada pelo vazio e pelo espanto, para retornar à
ordem natural dos animais, que é mais silenciosa, mas também mais previsível.
Ovos, poedeiras, rações, pequenas pestes podem ser controlados; a escrita, não.
Não consigo entender como é que um escritor talentoso, com provas dadas, se afasta da criação literária e não queira voltar a escrever. Como? Se tantos procuram a fama a todo o custo!? Há, como digo, escritores e escrevinhadores. Raduan é um escritor e desiste da escrita, enquanto os pobres escrevinhadores vão-nos poluindo as estantes das livrarias... Raduan tem já um lugar na literatura de expressão portuguesa, os escrevinhadores serão esquecidos e os seus livros servirão apenas para atear lareiras onde aqueceremos os pés.
O tempo sabe ser bom, o tempo é largo, o tempo é grande, o tempo é
generoso, o tempo é farto é sempre abundante em suas entregas: amaina nossas
aflições, dilui a tensão dos preocupados, suspende a dor aos torturados, traz a
luz aos que vivem nas trevas, o ânimo aos indiferentes, o conforto aos que se
lamentam, a alegria aos homens tristes, o consolo aos desamparados, o
relaxamento aos que se contorcem, a serenidade aos inquietos, o repouso aos sem
sossego, a paz aos intranqüilos, a umidade às almas secas; satisfaz os apetites
moderados, sacia a sede aos sedentos, a fome aos famintos, dá a seiva aos que
necessitam dela, é capaz ainda de distrair a todos com seus brinquedos; em tudo
ele nos atende, mas as dores da nossa vontade só chegarão ao santo alívio
seguindo esta lei inexorável: a obediência absoluta à soberania incontestável
do tempo, não se erguendo jamais o gesto neste culto raro; é através da
paciência que nos purificamos, em águas mansas é que devemos nos banhar,
encharcando nossos corpos de instantes apaziguados, fruindo religiosamente a
embriaguez da espera no consumo sem descanso desse fruto universal,
inesgotável, sorvendo até a exaustão o caldo contido em cada bago, pois só
nesse exercício é que amadurecemos, construindo com disciplina a nossa própria
imortalidade, forjando, se formos sábios, um paraíso de brandas fantasias onde
teria sido um reino penoso de expectativas e suas dores (...)
(Excerto de
Lavoura Arcaica – Raduan Nassar)