Mais um
ano se diluiu e outro nasceu imerso numa bruma acinzentada que vamos desvelando
a pouco e pouco, esperando que dessa sombra misteriosa surjam arco-íris
pintados com as cores da alegria, da paz, da fraternidade, da solidariedade...
Nunca ano
nenhum me deixou saudades!
Mas tenho
saudades de mil momentos mágicos da minha vida!
Sinto saudades do tempo em que
os meus filhos eram pequeninos e dependiam de mim para tudo ou quase tudo.
Mas... Não! Não é por este facto! Eu tinha-os ali bem debaixo das minhas
grandes asas e estava tudo controlado. Eu sabia onde estavam e com quem estavam
e estava tranquila, vivia numa paz cheia de serenidade, num castelo construído
por mim, onde reinava o amor, o carinho. Ali, partilhavam-se quilos de ternura
e dos rostos rosados brotavam sorrisos meigos, olhares cúmplices.
Tenho
saudades dos grandes passeios em família, da juventude dos meus pais, das
brincadeiras com os meus irmãos, das guerras com as almofadas, da varicela “em
família” e das janelas tapadas com papel celofane vermelho, de quando
faltávamos à missa para estarmos no café com os amigos a contar e a ouvir
histórias... Depois, a nossa consciência acusava-nos e nos dois ou três
Domingos seguintes, lá estávamos na igreja muito bem comportados, muito direitinhos,
mas, logo, logo, sofríamos nova recaída e voltávamos ao primeiro andar do café
e, entre histórias, gargalhadas e goles
de sumo de laranja, lá surgia uma ou outra conversa mais séria de
adolescentes que teciam com fios mais ou menos coloridos mil sonhos...
Todos os
anos, fazemos promessas, pedimos desejos... Este ano, não pedi nenhum desejo.
Nada. Não comprei as tradicionais passas. Não comprei nem ofereci nenhumas
cuequinhas azuis. Não subi para uma cadeira!... Não beijei meio mundo!...
Bebi unicamente
meia taça de champanhe e falei ao telefone com os meus pais e com os meus
filhos. Não enviei carradas de mensagem aos amigos, colegas, conhecidos,
“amigos”...
Ah, e não
fingi estar mais feliz!
Eu sou
uma pessoa feliz!
Todos os
anos, nesta altura, as pessoas fazem promessas, pedem desejos...
Todos os
anos, peço três coisas que repito até perfazer os doze ou treze
pedidos/desejos: sorte, saúde e juízo para mim e para os meus. Há quem peça
amor, amizade, dinheiro... Não é que eu não queira dinheiro, amizade, amor...
Acho que toda a gente quer. Eu prefiro merecer tudo isso, fazer por merecer... Não
quero nada de graça!
Se me
aparecesse uma lâmpada mágica com um génio lá dentro que me quisesse conceder
três desejos, não pediria nada para mim, não pediria um carro desportivo, nem
um veleiro, nem uma viagem à volta do mundo... Pediria tão-somente que as
pessoas fossem boas, generosas, simpáticas, compreensivas... O mundo precisa de
boas pessoas, de pessoas boas! O mundo precisa de pessoas generosas!...
Chá!... Chá? Sim. Chá. Isso mesmo que ouviram: CHÁ.
A
quantidade de gente que precisa de tomar chá, litros de chá...
Dezasseis
horas, um supermercado à pinha. Gente sorridente. Eu. Gente carrancuda. Gente
apressada. Gente mal formada, gente mal educada. Compras. Bichas. Tiro as
compras do carro, vais à volta, apanhas-me e às compras do outro lado. Quatro
artigos. Chegas, apanhas as compras, viras-te para as colocares no carrinho. O
carrinho? Olhamos à volta. O carro eclipsou-se. A moeda, a minha única moedinha
escarlate voou com o carrinho. Não acredito. Não cremos que alguém nos tenha
levado o carro. Quatro pacotes. Dois para mim, dois para ti. Nas informações,
pedimos uma “moeda”. Chegados ao balcão, boa tarde. Silêncio. Aguardo.
Esperamos. Olho. Entreolhamo-nos. A funcionária, imersa em papelada, com cara
de Segunda-feira ao Sábado, rabisca papéis. Depois. Depois... Depois, arruma os
documentos e de cabeça enterrada pelos ombros abaixo e os olhos sepultados no
chão, enfiou-se por uma abertura que a levou certamente a uma caverna ou
covil... Desisto de pedir a moeda. Comento a pouca educação da funcionária.
Teve um dia mau! Coitada!
Depois de
andar todo o mundo imbuído do espírito de Natal, de ter feito mil promessas, da
época de se ser bom, de, de, de... As máscaras vão caindo uma a uma. Os bons
continuarão a ser bons sem sacrifício algum. Os maus prosseguirão como até
aqui. E haverá alguns que vão cumprir à risca o que juraram, custe a quem
custar e os que prometeram num segundo para esquecer, logo a seguir, no segundo segundo,
TUDO.
E ainda é
só dia 2 de Janeiro!
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