segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Cesário Verde - A evasão do real e a pretensa objectividade


Apesar da poesia de Cesário Verde se alicerçar no real objectivo, é possível verificar que a imaginação transfiguradora interfere, frequentemente, na visão objectiva que o sujeito poético tem da realidade.
Segundo Jacinto do Prado Coelho, "artista (...) não é o que se limita a copiar o real, é o homem de imaginação privilegiada que dá um sentido às coisas e cria, a partir do concreto, uma super-realidade". É frequente encontrarmos nos poemas de Cesário Verde outras realidades que estão para além da realidade primeira, imediata, observável, e que surgem por meio da imaginação criadora e transfiguradora, possibilitando ao sujeito poético a fuga, a evasão do real.
Detectamos essa evasão do real em poemas como:
  • "Num Bairro Moderno" - a visão do cesto de vegetais da hortaliceira é transfigurada e dá lugar à visão de um corpo humano - "Há colos, ombros, boca, um semblante / Nas posições de certos frutos. (...) surge um melão que me lembrou um ventre."
  • "O Sentimento dum Ocidental" - a deambulação do sujeito poético pelos cais da cidade suscita-lhe imagens de um passado longínquo - "Luta Camões no sul, salvando um livro a nado! / Singram soberbas naus que eu não verei jamais!"
  • "Cristalizações" - a visão das "árvores despidas", realidade imediata, transforma-se em outras imagens que vão para além desse imediato - "Mastros, enxárcias, vergas!"
Constatamos na poesia de Cesário Verde um modo especial de ver a realidade, que cede lugar ao subjectivismo de um sujeito poético que sabe poetizar a realidade concreta.

in Colecção Resumos da Porto Editora

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