Quando eu era menina (escola
primária dos idos anos 60...) só era obrigatório fazer a 4ª classe. Em Lisboa,
onde vivia, os meninos menos favorecidos iam então para a "Escola da
Câmara", pública, os remediados ou mais tentavam pôr os filhos em
colégios, externatos, professores particulares ou outras soluções pagantes e
que dessem mais garantias de bem ensinar. A partir do 5.º ano, a selecção
"natural" (socio-económica...) estruturava as coisas e arrumavam-se
os contingentes quase todos entre o mercado de trabalho logo-logo (os
"pobrezinhos") e em escolas públicas - para os "remediados"
as técnicas, para os que aspiravam a poder ser "doutores" os liceus.
Nas técnicas não se aprendia grande coisa de disciplinas humanísticas - línguas
ou História e Geografia, por exemplo - nos Liceus nada de prático, como se usar
as mãos fosse coisa desprezível. Mas eram maioritariamente escolas públicas e
ninguém duvidava da sua qualidade - mal ou bem, cobriam todo o território. Onde
era possível, as famílias às vezes arranjavam umas moradas falsas para escolher
esta ou aquela escola, mas a memória que tenho é que só os muito
"betos" ou (sobretudo) os "betos burros" é que iam para
colégios.
Entrei para a escola pública,
como professora, em 1975. E acompanhei por dentro o boom da massificação e a
unificação do ensino, todos a aprenderem de tudo, entre disciplinas
humanísticas, científicas e práticas, a escola a receber todos e nessa junção
se diluir em poucos anos a pesada estratificação social que as crianças sabiam
(sentiam) no tempo da ditadura. Ficou na memória local a diferenciação entre as
"escolas técnicas " e os "liceus" mas a escola pública fez
um percurso lindo de se ver e viver, na afirmação da qualidade e na integração
social. Foi uma alegria participar desses tempos.
Sou professora da Escola
Pública desde então, já lá vão 38 anos. E de repente esta nova inversão de
valores e a sensação de se estar a fazer um recuo social de cinco décadas: tudo
se faz para que as famílias sejam convencidas que é nos "privados"
que as crianças serão mais bem ensinadas / encaminhadas.
Que ninguém se iluda: todas as
medidas recentes apontam para uma nova guetização do ensino público, com o
empobrecimento da oferta educativa, a redução do número de professores, o
encaminhamento aliciante para "colégios" e quejandos que oferecem
risonhos futuros aos pimpolhos. Por este andar - acredito que é isso que se
quer, na cabeça destes nossos mandantes - só quem não tiver escolha ficará.
Andámos para trás 50 anos e
destruímos pelo caminho gerações de professores que trabalhavam com esforço e
criatividade para TODOS os meninos.
Desculpem o relambório. A
memória é coisa estranha. No meu tempo de menina, para a "escola da
Câmara" ia-se descalço ou pouco mais e de lá saía-se para trabalhar, aos
11, 12, 14 anos...
VAMOS DEIXAR ACONTECER TUDO DE
NOVO?
1 comentário:
Claro que vamos deixar.
A menos que tiremos do poder esta cambada ao seviço dos bancos e da máfia financeira mundial.
Rita, querida amiga, tem um bom fim de semana.
Beijo.
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