sexta-feira, 6 de setembro de 2013

VAMOS DEIXAR ACONTECER TUDO DE NOVO?





Quando eu era menina (escola primária dos idos anos 60...) só era obrigatório fazer a 4ª classe. Em Lisboa, onde vivia, os meninos menos favorecidos iam então para a "Escola da Câmara", pública, os remediados ou mais tentavam pôr os filhos em colégios, externatos, professores particulares ou outras soluções pagantes e que dessem mais garantias de bem ensinar. A partir do 5.º ano, a selecção "natural" (socio-económica...) estruturava as coisas e arrumavam-se os contingentes quase todos entre o mercado de trabalho logo-logo (os "pobrezinhos") e em escolas públicas - para os "remediados" as técnicas, para os que aspiravam a poder ser "doutores" os liceus. Nas técnicas não se aprendia grande coisa de disciplinas humanísticas - línguas ou História e Geografia, por exemplo - nos Liceus nada de prático, como se usar as mãos fosse coisa desprezível. Mas eram maioritariamente escolas públicas e ninguém duvidava da sua qualidade - mal ou bem, cobriam todo o território. Onde era possível, as famílias às vezes arranjavam umas moradas falsas para escolher esta ou aquela escola, mas a memória que tenho é que só os muito "betos" ou (sobretudo) os "betos burros" é que iam para colégios.

Entrei para a escola pública, como professora, em 1975. E acompanhei por dentro o boom da massificação e a unificação do ensino, todos a aprenderem de tudo, entre disciplinas humanísticas, científicas e práticas, a escola a receber todos e nessa junção se diluir em poucos anos a pesada estratificação social que as crianças sabiam (sentiam) no tempo da ditadura. Ficou na memória local a diferenciação entre as "escolas técnicas " e os "liceus" mas a escola pública fez um percurso lindo de se ver e viver, na afirmação da qualidade e na integração social. Foi uma alegria participar desses tempos.

Sou professora da Escola Pública desde então, já lá vão 38 anos. E de repente esta nova inversão de valores e a sensação de se estar a fazer um recuo social de cinco décadas: tudo se faz para que as famílias sejam convencidas que é nos "privados" que as crianças serão mais bem ensinadas / encaminhadas.
Que ninguém se iluda: todas as medidas recentes apontam para uma nova guetização do ensino público, com o empobrecimento da oferta educativa, a redução do número de professores, o encaminhamento aliciante para "colégios" e quejandos que oferecem risonhos futuros aos pimpolhos. Por este andar - acredito que é isso que se quer, na cabeça destes nossos mandantes - só quem não tiver escolha ficará.

Andámos para trás 50 anos e destruímos pelo caminho gerações de professores que trabalhavam com esforço e criatividade para TODOS os meninos.

Desculpem o relambório. A memória é coisa estranha. No meu tempo de menina, para a "escola da Câmara" ia-se descalço ou pouco mais e de lá saía-se para trabalhar, aos 11, 12, 14 anos...

VAMOS DEIXAR ACONTECER TUDO DE NOVO?

Clara Botelho (Caldas da Rainha)

1 comentário:

Nilson Barcelli disse...

Claro que vamos deixar.
A menos que tiremos do poder esta cambada ao seviço dos bancos e da máfia financeira mundial.
Rita, querida amiga, tem um bom fim de semana.
Beijo.