Levantei-me
cedo. Decidi lavar os vidros do quarto. O Zé estranhou. Era Domingo. Cinco de
Janeiro. Estava sol, mas frio. O sol batia na janela e eu limpava as vidraças
com energia. Que raio! Os vidros estão assim tão sujos? Perguntava-me entre
divertido e alarmado. Ignorei. Deu-me para aquilo, podia dar-me para pior! A
gravidez estava quase no fim. A criança, segundo as contas do médico, nasceria
dia oito. Limpei muito bem os vidros e a seguir fui fazer o almoço: pastéis de
bacalhau com arroz de tomate. Tocaram a campainha. Um amigo do Zé, chegado do
Canadá, vinha visitar-nos. Não ficou para almoçar. Ia a um restaurante com a
mulher e a filha. Almoçámos os dois, depois de eu fazer a salada e de ele pôr a
mesa.
A
casa era habitada nas férias, nos fins de semana e nos feriados. O resto do
tempo ficava vazia e sozinha à nossa espera. O Zé ia para Lisboa trabalhar e eu
para casa dos meus pais, para a
escola e para a faculdade. Era um namoro permanente. Nunca me senti uma mulher
casada. Senti-me sempre namorada.
Depois
de almoço, fomos dar um passeio à Foz. O sol estava lindo, a paisagem aprazível. Não me sentia muito bem! Tinha umas
dorzitas que teimavam em não me deixar em paz. Iam e vinham. Eram quase dezoito
horas. Um frio danado. Vamos à missa, disse-lhe. E lá fomos. Não quis
sentar-me. Ficámos ao fundo da igreja. Não estava bem. Não ouvi nada do que o
padre disse. Vamos passear. Vamos andar a pé um bocado. Está muito frio, vais
ficar doente! Não me parece nada uma boa ideia! Saímos da igreja,
encaminhámo-nos para a rua das montras. Tinha o nariz gelado. De vez em quando, era assaltada por uma
ou outra dor. Tentava não ligar. A meio do percurso, decidi que queria ir para
casa da minha mãe. Regressámos ao carro. Chegámos. A minha mãe não estranhou.
Nós jantávamos quase sempre com eles no fim-de-semana... nem era preciso avisar! Não lhe falei nas dores. Pus a
mesa. Não sei o que jantámos. Acho que não jantei. Lembro-me de me contorcer
com dores. E a minha mãe, desde quando estás com dores?, não sei, há um bocado.
O bebé vai nascer. Não vai nada, é no dia oito. A minha mãe riu-se. Eles não
nascem com dia marcado! O médico é que disse que era dia oito. Pois sim, dia
oito! É hoje e já não deve faltar muito. Lembrei-me da preparação para o parto,
da respiração... começava a respirar à cão ou sei lá a quê... vinha uma dor e
esquecia-me de respirar e só me apetecia correr, correr, correr... Fui para a
casa de jantar, que é grande e tem uma mesa enorme, e dei não sei quantas voltas
à mesa, devagar, depressa, quase a correr... Eles iam jantando e perguntavam-me
se estava bem. Deviam estar a gozar, quem é que pode estar bem com dores...
Pior, como é que ia estar bem se as dores começaram a cinco e o médico disse que a criança só ia
nascer a oito... Faltavam três dias! Caramba, será que ia ter três dias de
dores? Para mim, as palavras do médico eram sagradas e eu nunca liguei muito ao
que me diziam sobre as dores e o tempo que decorria entre elas... Quando
chegasse o dia, ela nascia e pronto! E era dia oito. Eu queria que fosse dia oito. Eu estava preparada para o grande acontecimento... mas só no dia oito. A meio da centésima volta
à mesa, rebentaram-me as águas. Fiquei um bocado à toa, acho que não percebi
bem o que se tinha passado. A minha mãe disse que estava na hora de telefonar
ao médico e de irmos para o Montepio. Não sei quem fez o telefonema. O Zé
estava a ver o Domingo Desportivo e perguntou: “Não posso acabar de ver isto?”.
Essa tem muita graça! Hoje, rimo-nos a bom rir desta situação
caricata: eu aflita, a minha mãe aflita, o meu pai aflito, a criança a querer
nascer e o pai do meu filho que só queria acabar de ver o programa, para ver os resultados
da bola. Chegámos ao mesmo tempo, o médico, a minha mãe, o Zé e eu. O médico
subiu connosco, disse que me ia observar, e que como era o meu primeiro filho,
que ia ainda dormir um bocado e depois voltaria ainda a tempo de me fazer o
parto... Afinal, enganei-me, o parto é para já. Levaram-me para a sala de partos,
vestiram uma bata ao Zé que estava meio indeciso... Não sei se vá, não sei se fique!
Se não tiver coragem vai a avó, anunciou o médico. Agradou-me a ideia de ter a
minha mãe ao meu lado. Eu vou!, exclamou resoluto. A criança vinha a caminho, o
médico cortou-me para facilitar a saída do bebé. O Zé ia desmaiando. O médico
ficou sem saber a quem acudir primeiro. O médico pôs-me o meu filho em cima da
barriga. O médico começou a cozer-me. O Zé estava mais branco do que a parede. O menino era lindo, tinha o cabelo comprido e escuro. Era grande! O médico ficou espantado:
onde é que trazia metida esta criancinha? Nunca tive uma barriga grande, nunca
usei roupa de grávida. Aumentei unicamente nove quilos. O médico dizia-me
sempre que me ia nascer um ratinho esfolado. O meu filho nasceu às 23 horas e 20
minutos, com 3,580 kg e 52 cm. Lembro-me de adormecer e acordar de mão
dada com o meu filhote. Recordo-me do médico dizer que nunca tinha visto um
quadro tão lindo como aquele: nós de mão dada, sempre. Não sei como acontecia
isso. Mas cada vez que alguém entrava, dizia o mesmo: tu e o teu filho,
acordados ou despertos, estão sempre de mão dada!
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