O
meu irmão por pouco não nasceu no táxi. Já vos tinha dito! O meu pai chamou o carro somente,
quando a minha mãe achou que era a hora... A minha mãe devia ter o relógio
avariado... Errou completamente nas horas. O táxi chegou. Só que o meu irmão decidiu
nascer um pouco antes. Não esteve para esperar. O táxi deveria levar a minha
mãe para casa da minha avó. Assim, foi buscar a avó às Caldas, à Estrada de
Tornada. O meu pai teve de fazer de parteiro. O meu pai desempenhou muito bem o
papel. A parteira foi chamada, pelo sim... pelo não.
Eu
acordei com um pequenino choro de bebé. O meu irmão foi uma espécie de presente, pois eu tinha
acabado de fazer dois anos.
O
meu pai levou-me a ver o menino. Era tão pequenino! Tinha umas mãozinhas
minúsculas e rechonchudas que mal saíam das mangas da camisola. O meu pai
deixou-me dar beijinhos ao bebé. Parecia um bonequinho! Ele agarrou-me um dedo
e não mo queria largar...
Os
meus avós e tios chegaram para ver o menino. Os vizinhos também apareceram para
ver o recém-nascido. Até o padre veio. O
padre viu a criança. Pegou-me ao colo e quis logo saber quando se celebraria o
baptizado.
A
minha mãe parecia cansada, mas sorria e falava com toda a gente. Eu queria
estar ao pé do meu irmãozinho e aquela gente nunca mais se ia embora. A
Fernanda, uma amiga dos meus pais, disse-me que ia levar o bebé com ela e eu
comecei a chorar. Rica amiga! O bebé não é teu! Vai-te embora! Tu és má. Ela
ria-se e eu chorava aflita e desconsolada. A minha avó acudiu e disse que ela
não levaria o meu mano para lado nenhum. Enxugou-me as lágrimas com os dedos e
deu-me um beijo enorme na bochecha rosada. A Fernanda insistiu com aquela
história de levar o meu irmão, e a minha avó acabou por ralhar com ela. Que
prazer tinha em fazer uma criança chorar? O meu pai olhou-a também com cara de
poucos amigos e ela foi-se embora. Puseram-me na cama ao pé da criancinha pequenina e da
minha mãe e eu, descansada, acabei por adormecer.
O
bebé mamava e dormia. Eu comia, dormia e ficava a olhar para o bebé no resto do
tempo.
A
minha avó continuava por ali para ajudar no que fosse preciso. Afinal, eu
também era pequenita e dava muito mais trabalho do que o meu irmãozito.
Entretanto,
a minha mãe voltou à costura. O berço do meu irmão era colocado encostado à
parede, ali, perto de todos. A minha avó regressou a casa. Eu brincava perto da
mesa e ia, de vez em quando, dar uma espreitadela ao bebé. Punha-lhe a chucha.
Mexia-lhe nas mãozinhas. Dava-lhe beijinhos. Remexia-lhe os caracóis. Depois,
fartava-me e voltava para a manta ou para o colo do meu pai.
Estava
frio. Não havia aquecimento. O meu pai punha uma braseira no meio da sala para
aquecer o ambiente e estarmos todos muito mais confortáveis.
A
Fernanda, a bruxa má, aparecia de vez em quando, só para me pôr a chorar.
Depois ia-se embora a rir com aquele riso horrível de bruxa má. Acho que ela
até tinha cabelo, nariz e queixo de bruxa com verrugas pretas e tudo! Às tantas, até
vinha de vassoura!
Tudo
decorria normalmente, o meu mano era o bebé mais bonito e fofinho que existia!
Ria, quando me via. Chorava, quando lhe voltava costas. Dormia muito, mas eu
também!
Um
dia, a bruxa má chegou. Entrou porta adentro e começou logo a encaminhar-se
para o berço onde dormia o meu irmão. Eu estava entre eles, virada de frente
para a bruxa má e de costas para o bebé. No meio, entre mim e o berço, estava a braseira. Comecei a
recuar com os braços abertos a querer proteger o meu mano. E... caí, sentada,
dentro da braseira! A bruxa má queria tirar-me das brasas onde eu já estava a
assar... Eu gritava desesperada... não
sei... se por causa das dores... se com medo que a bruxa má levasse o meu
irmãozinho. O meu pai surgiu a correr e levou-me para o hospital.
Esta
foi a segunda vez que caí na braseira! Os médicos fizeram tudo para que não
ficasse com cicatrizes e não fiquei. O meu avô é que pagou, pela segunda vez,
todos os tratamentos. Aquelas compressas, usadas no exército, vinham do estrangeiro e eram
caríssimas. O hospital não podia arcar com aquela despesa... O meu avô queria
que eu fosse tratada como devia ser, custasse o que custasse! Tudo correu bem!
A bruxa má ganhou uma inimiga para a vida. Os meus pais tiveram de lhe dizer
que era melhor não aparecer lá em casa, quando eu estava acordada. Só de a ver,
eu desatava num berreiro gigantesco, extraordinário... Soluçava tão
desconsoladamente, era tamanha a minha aflição... Os meus pais viam-se e desejavam-se para me acalmarem...
Quase sempre adormecia de cansaço, mas tremia e soluçava ainda por muito tempo...
Sem comentários:
Enviar um comentário