terça-feira, 4 de agosto de 2015

D. Sebastião, rei de Portugal


D. Sebastião, rei de Portugal



  D. SEBASTIÃO,
        REI DE PORTUGAL

Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não  coube em mim minha certeza; 
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

Fernando Pessoa



Trata-se de um poema da primeira parte da Mensagem – o Brasão. Este poema remete-nos para um momento importante da nação, assumindo D. Sebastião um papel importante na decisão tomada de avançar para a conquista de África.
Em termos formais, o poema é constituído por duas estrofes, de cinco versos  - quintilhas. Quanto ao metro e ao ritmo os versos são irregulares. Os versos variam entre as seis sílabas métricas, as oito e as dez. Predomina o ritmo binário, aparecendo também o ternário. A rima varia também entre consoante, predominante e toante, variando ainda entre rica e pobre, predominando não obstante a pobre e obedece ao seguinte esquema rimático: ababb, com rimas cruzadas e emparelhadas. A alternância de ritmo possibilita a emissão de uma reflexão do próprio rei e o incitamento que dirige aos destinatários.
O poema poderá dividir-se em duas partes: a primeira correspondendo à primeira estrofe e a segunda parte à segunda. Na primeira, o sujeito poético caracteriza-se como “louco”; na segunda faz uma apologia da loucura, um elogio, exortando a que outros dêem continuidade ao seu sonho.
Na primeira estrofe o sujeito lírico encontra a base da loucura na grandeza (a febre do além, o sonho, o ideal) que o sujeito lírico assume com orgulho. Em consequência dessa loucura, o herói encontrou a morte em Alcácer Quibir (perífrase). Apesar disto, a loucura tem neste poema uma conotação positiva, já que se liga ao desejo de grandeza, à capacidade realizadora, sem a qual o homem não passa de um animal, "besta". Na primeira estrofe, é de notar a referência ao ser histórico “ser que houve” que ficou na batalha de Alcácer Quibir, onde encontrou a destruição física, e a distinção deste com o ser mítico “não o que há”, que sobreviveu pois é imortal, é a ideia-símbolo, o sonho que fecunda a realidade. Este perdura na memória colectiva como exemplo.
Na segunda parte, o sujeito poético lança um repto aos destinatários, fazendo um apelo à loucura e à valorização do sonho. Deve, portanto, dar-se asas à loucura como força motora da acção. Trata-se de um apelo de alcance nacional e universal. Este mesmo elogio será repetido várias vezes ao longo da Mensagem. É a referência ao mito sebastianista, força criadora, capaz de impelir a nação para a sua última fase que está aqui em questão. O repto permite aos destinatários considerarem a grandeza do rei suficiente para todos. A utopia foi e será sempre a força criadora de novos mundos quer a nível individual quer a nível colectivo. Sem ideal cai-se no viver materialista. A interrogação retórica com que termina o poema aponta precisamente para a loucura como força criativa que poderá ser canalizada para a reconstrução nacional. Sem o sonho “a loucura”, o homem não se distingue do animal. É através do sonho que o homem é capaz de seguir em frente sem temer a própria morte. Assim o homem deixará de ser um animal sadio ou reprodutor com a morte adivinhada.



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