segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Sentires





Quem não se sente não é filho de boa gente, diz o povo.

Sempre pautei a minha vida por valores que me foram transmitidos pelos meus pais. Os meus pais são as pessoas mais honestas que eu já conheci. Nunca ouvi o meu pai dizer uma palavra menos correcta. É a pessoa mais íntegra que conheço, de uma rectidão a toda a prova. É incapaz de prejudicar alguém. Ele, por outro lado, durante toda a sua vida, tem sido muitas vezes prejudicado. Não se revolta, no entanto! 
A minha mãe é mais intempestiva, age mais sem pensar, parece que tem sempre a resposta certa na ponta da língua e, por vezes, aquela resposta, aquelas palavras que saem, sem pedir licença, da sua boca, magoam, ferem. Depois arrepende-se. Pede desculpa facilmente. Entristece-se consigo. Chora. Dá os abraços mais afáveis e reconfortantes do mundo. São tão bons os abraços da minha mãe! Do meu pai, é o colo que é imensamente bom. Adoro sentar-me no colo do meu pai. Agora, finjo que me sento, fico meio no ar, não quero pesar-lhe. Fechando este parênteses e de volta à minha mãe: A minha mãe é doce como o açúcar a derreter no pão acabado de sair do forno, mas não é tão ponderada como o meu pai! Tem o coração ao pé da boca e dispara logo. Só depois é que olha para os estilhaços, para os cacos... E é vê-la a colar cada pedacinho para que tudo volte à forma inicial. Será que volta tudo à forma inicial? Volta, porque o sorriso que nos oferece, meigo, terno, cheio de esperança, o brilho nos olhos esverdeados desarma-nos a todos, apazigua-nos. Já sabemos que a mãe só pensa, na maior parte das vezes, depois de ter dito, de lhe terem saído cobras e lagartos por entre os dentes, outrora certinhos e branquíssimos. A minha mãe, que sempre nos disse para não falarmos antes de pensar, para mordermos sempre a língua três vezes antes de dizermos algo que depois nos possamos arrepender... Bem prega Frei Tomás... Mas a lição ficou aprendida, bem aprendida, penso bastante antes de dizer algo que possa magoar alguém e fico triste, quando, a maior parte das pessoas não o fazem em relação a mim, quando tecem considerações e juízos de valor completamente falsos... Bem, não me quero dispersar!... 
O meu pai, quando tem de dar uma resposta, quando tem de fazer algum reparo, pára, mede a pessoa de alto a baixo, pensa e, depois, calmamente, muito calmamente, sem alterar o tom de voz, responde, diz da sua justiça, sem utilizar palavras menos próprias. O meu pai mede as palavras tal como mede as pessoas a quem as vai dizer. As palavras proferidas pelo meu pai são cuidadosamente escolhidas e são, sem tirar nem pôr, aquilo que aquela pessoa deve ouvir, quer goste ou não. O seu olhar fica preso ao do seu interlocutor de tal forma que dói, que incomoda. Eu quando era jovem dizia que preferia que o meu pai me desse uma bofetada do que me olhasse "daquela maneira" e me dissesse determinadas palavras. Doíam mais as suas palavras, doía mais o seu olhar de desilusão, pesava mais o seu silêncio e o seu ar decepcionado...
Nunca quis desiludir os meus pais. Nunca quis decepcionar o meu pai. Eu era capaz de fazer tudo para agradar ao meu pai! No entanto, como todos os jovens, fiz muitos disparates! E, lembro-me, que a última coisa que queria era que os meus pais soubessem desta ou daquela tolice. Eu não podia sequer imaginar o desapontamento dos meus pais. E isso travou-me muitas vezes, e não, não fiz muitas asneiras! Não fiz nada que os pudesse envergonhar nem do que me viesse a envergonhar algum dia. Nunca fui mal educada para ninguém. Tento sempre ajudar os que de mim precisam.
O meu pai, um dia, disse-nos, a mim e aos meus irmãos, que esperava que fôssemos íntegros, honestos, e de uma verticalidade irrepreensível. Também nos incutiu outros valores!...
O meu pai estudou num seminário e teve um pai, o meu avô, que impunha respeito só de olhar para ele. O meu avô era alto, bastante alto. Eu achava que ele era muito alto, talvez por eu ser pequena. Mas, a verdade é que eu considerava o meu avô alguém completamente inatingível, até mesmo algo austero. E olhando para trás, o meu pai, a sua maneira de ser, de actuar, de se expressar, o seu olhar, o seu modo ponderado de falar, pausado, com palavras medidas milimetricamente... Ele e tudo nele tem o dedo do meu avô e, possivelmente, do seminário que frequentou. Consequentemente, eu sou o produto de uma educação rigorosa incutida pelos meus pais e é, por isso, que há coisas que vejo, que oiço que não consigo compreender! Cada vez mais, as pessoas me desiludem, e as ferroadas surgem de quem menos esperamos. Quantos sorrisos, quantas palavras gentis recebemos a toda a hora...  Quanta falsidade! Pois! Afinal, desenganem-se, há sempre algo por detrás... A traição é o pior de tudo e vem tão bem mascarada e enfeitada! É tão fácil culpar os outros do nosso insucesso! 
Vivemos num mundo conturbado, pisa-se este e aquele para assegurarmos o nosso lugar, mesmo imerecido. Dizemos mal deste e daquele para ficarmos bem-vistos, caluniamos, inventamos histórias...
Eu sou eu, despida de preconceitos. Podem perguntar-me o que acho desta ou daquela pessoa... se não tiver nada de bom para dizer, não digo nada e, mesmo que tenha, também nada digo, acho que quem quer saber isto ou aquilo sobre alguém, deve ir ter com essa pessoa e esclarecer as suas dúvidas.
A vida é tão curta que não vale a pena andarmos com quezílias. A vida, ela própria, encarregar-se-á de castigar os prevaricadores, os delatores, os mentirosos, os caluniadores... por isso, estou tranquila! Recebi uma herança valiosíssima, em vida, dos meus pais, e não quero nem vou nunca desiludi-los nem vou decepcionar-me a mim própria. Eu tenho consciência! Não preciso, não sou capaz de rebaixar ninguém para atingir o céu. Eu tenho muitas valências! Obrigada J. por me dizer o que sei, o que muita gente sabe e do que muita gente tem medo e inveja!
Mas voltando a heranças boas, é esta herança de grande valor que recebi dos meus pais, que eles receberam dos seus pais... que venho passando com sucesso aos meus filhos. Tenho um grande orgulho nos meus filhos! Eles sabem...


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