Santana Castilho
Marques Mendes referiu-se à situação dos professores portugueses, no sábado passado, durante o programa de análise política que mantém na SIC. Fê-lo com ligeireza. Evidenciou desconhecimento. Adulterou a verdade. Os erros em que incorreu serviriam para validar a tese oficial de que temos professores a mais e legitimariam os despedimentos futuros, se não fossem corrigidos. Marques Mendes apresentou três gráficos. O primeiro mostrava a evolução do número total de alunos, de 1980 a 2010. O segundo fazia o mesmo exercício, circunscrito aos alunos do 1º ciclo do ensino básico, para concluir que, entre 1980 e 2010, perdemos 51% desses alunos. E o terceiro gráfico dizia-nos que, no mesmo período, isto é, de 1980 a 2010, o número de professores tinha crescido 53%. Para que dúvidas não restassem, Marques Mendes colocou, lado a lado no écran, o 2º e o 3º gráficos e foi claro nas explicações acessórias: o crescimento dos professores fez-se em contraciclo; os governos anteriores falharam, fazendo crescer os professores à taxa de 53%, enquanto os alunos diminuíam à taxa de 51%. Só que, quando comparamos o incomparável, corremos o risco de passar de pavão a espanador. Marques Mendes, ao dizer na SIC, como disse, que os professores cresceram 53%, passando de 95.400 em 1980, para 146.200 em 2010, usou o número de professores respeitantes a todo o sistema escolar não superior (1º. 2º e 3º ciclos do ensino básico, mais o ensino secundário). Como é evidente para qualquer, Marques Mendes só poderia relacionar o decréscimo dos alunos do 1º ciclo com a evolução do número de professores do 1º ciclo. E o que aconteceu a esse universo de professores? Cresceu 53% como disse o descuidado comentador? Coisíssima nenhuma! Em 1980 tínhamos 39.926. Em 2010 eram 31.293. Não cresceram na disparatada percentagem com que Marques Mendes enganou o auditório da SIC. Outrossim, registou-se uma diminuição de 8.633 professores.
Dir-se-á, removido o disparate, que a diminuição de professores não foi proporcional ao decréscimo de alunos, no ciclo de estudos em análise. Outra coisa não seria de esperar, considerando as alterações curriculares introduzidas nos 30 anos em apreço. Cito, a mero título de exemplo, a escola a tempo inteiro, que aumentou drasticamente a permanência dos alunos na escola, a introdução do Inglês no ensino básico, as actividades de enriquecimento curricular, as múltiplas modalidades de apoio a alunos carenciados, a diminuição das reprovações e a forte redução do abandono escolar. Se extrapolarmos estas considerações para o ensino secundário, não pode ser ignorado o novo regime da escolaridade obrigatória de 12 anos nem, tão-pouco, a circunstância de o número de professores que Marques Mendes situa em 2010 (146.200) ser hoje, em 2013, bem mais baixo: 111.704 (uma redução, de 2010 para 2013, de 34.496 docentes). Que isto não caiba na folha de Excel de Gaspar, que não acerta uma, já não surpreende. Que seja menosprezado pela insensibilidade e demagogia de Passos Coelho, cuja palavra vale nada, já é normal. Que tenha passado ao lado do rigor que se esperaria de quem ajuda a formar a opinião pública, no momento em que os funcionários públicos, em geral, e os professores, em particular, estão condenados a carregar a albarda pesada da incompetência do Governo, é intolerável. É péssimo serviço público. É serviço sujo.
A diminuição da natalidade está muito longe de explicar a brutal redução do número de professores. O erro grosseiro de Marques Mendes ajudou a branquear o impacto de sucessivas medidas, cujo intuito se centrou, exclusivamente, em ganhos financeiros, a saber: encerramento de milhares de escolas, com a deslocação compulsiva de vastas populações de crianças de tenra idade e a correlata criação de criminosos giga-agrupamentos, inéditos no mundo civilizado; redução dos tempos lectivos de algumas disciplinas e abolição de outras; aumento do número de alunos por turma; aumento da carga horária dos professores; drástica redução das iniciativas de segunda oportunidade para os que abandonaram precocemente o sistema formal de ensino; e transferência para o Instituto de Emprego e Formação Profissional de valências que, antes, pertenciam às escolas públicas. Como se não tivéssemos 3.500.000 cidadãos, com mais de 15 anos, sem qualquer diploma ou apenas com a certificação do ensino básico. Como se não tivéssemos 1.500.000 cidadãos, entre os 25 e os 44 anos, que não concluíram o ensino secundário. Como se fosse possível crescer economicamente travando, sem critério nem visão, um esforço de 30 anos. Os 30 anos que Marques Mendes mal centrou na desfocada fotografia que revelou na SIC.
Marques Mendes não citou as suas fontes. As minhas foram: D.R., DGEEC/MEC, Pordata, “50 Anos de Estatísticas de Educação”- GEPE e INE.
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