Publicada em 1875, a obra de Eça de Queirós consolidou as ideias realistas que se implantaram em Portugal dez anos antes. Neste romance, o autor ataca violentamente os vícios da sociedade da época e denuncia a hipocrisia burguesa e os abusos do clero.
O Crime do Padre Amaro é considerada a primeira grande obra de Eça de Queirós. Há três versões do romance: a primeira foi escrita em 1871, a segunda, em 1876 e a terceira e definitiva, entre 1878 e 1880.
O enredo desenvolve-se a partir da vida do protagonista, Amaro Vieira. Filho de uma criada da marquesa de Alegros, Amaro, com a morte da mãe, é adoptado pela marquesa, que se encarrega de sua educação. Logo que a mãe adoptiva morre, é encaminhado para o seminário.
A sua carreira religiosa inicia-se em Feirão, paróquia de pastores na serra da Beira Alta. Posteriormente, graças à interferência do conde de Ribamar, esposo de uma de suas irmãs "afectivas" - as filhas da marquesa -, é transferido para Leiria. Ali, é acolhido pela Senhora Joaneira e acaba por se envolver sexualmente com a sua filha, Amélia, jovem religiosa cuja natureza frívola a leva a aceitar passivamente os conselhos dos padres e das beatas que frequentam sua casa.
Ao longo da narrativa, o leitor é surpreendido pela gradativa transformação do caráter do herói: de jovem temeroso e apaixonado, Amaro torna-se um homem inescrupuloso que coloca seus interesses particulares acima de sua opção religiosa e se serve do sacerdócio para manipular as pessoas e satisfazer suas ambições.
Assim, quando Amélia fica grávida, ele esconde-a por temer um escândalo que pudesse abalar a sua respeitada posição de pároco. Como a jovem morre no parto, entrega a criança a uma "tecedeira de anjos" (pessoa que cuidava das crianças até que a mãe pudesse assumi-las). Mais tarde, quando também a criança morre, Amaro transfere-se para a paróquia de Santo Tirso, onde continua a exercer a sua função de sacerdote.
No Realismo, o lado prosaico da vida passa a ser tema de literatura. O que se pretendia era retratar a sociedade contemporânea, as personagens são, na sua maioria, tipos concretos, comuns e não idealizados. Os seus actos são determinados por causas de origem biológica ou social (lei da causalidade). Daí, serem destacados a dimensão animal, as satisfações das necessidades instintivas e materiais e os condicionamentos hereditários, que determinam o seu comportamento. A sua descrição é detalhada, a fim de representar a realidade da forma o mais exacta possível e fornecer os elementos da observação para que se possa compreender o que ocorrerá no desenvolvimento da narrativa.
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O romance é relatado na terceira pessoa por um narrador omnisciente que se utiliza do passado das personagens para configurá-las moral, física e ideologicamente.
Calcado na concepção determinista da existência humana, sobre a qual se fundamentou o movimento realista, o narrador apresenta os aspectos que conduzem às deformidades morais do protagonista, pintando um retrato de Amaro que se estrutura a partir da sua origem humilde, de sua fragilidade física e, principalmente, de sua fraqueza de carácter, que o faz aceitar resignadamente um destino que não escolhera.
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Embora, por vezes, a omnipresença do narrador assegure a adopção do discurso indirecto como meio de transmissão da fala ou do pensamento das personagens do romance, ela não exclui a presença das demais modalidades discursivas.
Procurando representar a espontaneidade da linguagem oral, a narrativa abre espaço para o discurso directo, permitindo ao leitor apreender as características psicológicas das personagens por meio da expressão e do conteúdo dos diálogos travados entre eles.
Quanto ao emprego do discurso indirecto livre, essa técnica narrativa ganha importância fundamental no Realismo a partir de Gustave Flaubert e Émile Zola e merece posição de destaque no romance O Crime do Padre Amaro.
Na obra, Eça de Queirós parece ver no uso do discurso indirecto livre algumas vantagens estruturais que não se restringem à simples reprodução do monólogo mental das personagens e, por isso, não devem ser negligenciadas.
Este estilo discursivo livre abre mão de recursos gramaticais como a utilização de verbos introdutórios e as conjunções integrantes "que" ou "se", que privam a expressão literária da vivacidade emotiva da língua falada. A sua utilização alivia a monotonia do diálogo paralelístico e ameniza a complexidade que, geralmente, caracteriza os monólogos mentais:
"O Padre Amaro esclareceu-a, com bondade. O inimigo tinha muitas maneiras, mas a habitual era esta: fazia descarrilar um trem de modo que morressem passageiros, e como essas almas não estavam preparadas para a extrema-unção, o demónio ali mesmo, zás trás, apoderava-se delas!" | |
Como se pode notar, a construção adquire o movimento da fala. A ausência de um verbo introdutório, a utilização de formas verbais no imperfeito do indicativo e a exclamação que finaliza o período tornam a narração impessoal, deixando para o leitor a dúvida de não saber quem se está a pronunciar - se é o autor quem imita a voz da personagem ou se é a própria personagem que fala.
Em O Crime do Padre Amaro é comum a descrição minuciosa dos meios sociais, por meio da qual o narrador visa reconstituir os ambientes frequentados pelas personagens, as quais, portanto, explicam a sua natureza.
Quando o narrador descreve Leiria – cidade onde se desenrola a narrativa – a partir do provincianismo dos seus habitantes, acaba atribuindo a esse ambiente uma função complementar daquela exercida pelos seus moradores.
Desse modo, fica mais fácil entender a intenção do narrador, quando ele se detém na descrição de aspectos da cidade que demonstram a monotonia de um povo desprovido de interesses e na caracterização de ambientes cujos traços derivam das personagens que os habitam.
Sob esse ângulo, é essencial o estudo detalhado das personagens secundárias: integrantes dos círculos de amizade dos protagonistas, elas constituem o clima sócio-cultural e moral da narrativa, uma vez que os vícios dos clérigos, colegas de Amaro, e a mesquinhez das beatas, frequentadoras da casa de Amélia, são apontados pelo narrador como os verdadeiros causadores da degradação moral dos protagonistas.
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