Em
português europeu, a confusão gráfica entre porque e por que deve-se
à dificuldade em distinguir algumas construções. As principais construções
passíveis de gerar confusão são as que se apresentam de (1) a (5).
(1)
Orações subordinadas causais introduzidas pela conjunção subordinativa causal porque: Não fizemos compras porque não
tínhamos dinheiro.
(2)
Orações coordenadas explicativas introduzidas pela conjunção coordenativa
explicativa porque: Eles devem ter chegado, porque o
cão está a ladrar.
A
diferença entre as conjunções exemplificadas em (1) e (2), assim consideradas
tradicionalmente (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português
Contemporâneo, 14.ª ed., Lisboa, Edições João Sá da
Costa, 1998, p. 577 e p. 581), é muito ténue. Em (1) a oração subordinada (porque não tínhamos dinheiro)
apresenta uma causa para a oração principal (não fizemos compras),
depreendendo-se que o motivo para a ausência de compras foi a falta de
dinheiro. Em (2) a oração coordenada (porque o cão está a ladrar)
apresenta uma explicação para a enunciação da primeira oração (eles devem ter chegado),
não se depreendendo que o motivo de alguém ter chegado foi o facto de o cão
ladrar, tratando-se apenas de uma dedução do emissor. Esta distinção pouco
nítida reflectiu-se na Terminologia Linguística para os Ensinos
Básico e Secundário (2004, Ministério da Educação -
Departamento do Ensino Secundário, versão online 1.0),
entretanto renomeada Dicionário Terminológico pelo
Ministério da Educação, que propunha apenas a designação de conjunção subordinativa causal para porque (cf.
1). De acordo com esta classificação, porque é
usado para estabelecer uma relação entre uma causa (expressa na oração
subordinada) e a sua consequência (expressa na oração principal).
A primeira versão da nova
terminologia linguística reclassificou ainda o homónimo porque de advérbio interrogativo de causa para pronome interrogativo (o
mesmo sucedendo com porquê). Tal reclassificação poderia estar
relacionada com o facto de a palavra que já
ser considerada tradicionalmente um constituinte interrogativo (ex.: que esperam eles?).
Posteriormente, uma revisão dessa terminologia
linguística restabeleceu a classificação de conjunção coordenativa
explicativa (cf. 2) e de advérbio interrogativo,
cujo uso se ilustra em (3).
(3)
Orações interrogativas (directas e indirectas) introduzidas pelo advérbio interrogativo porque: Porque esperas? Perguntei porque esperas.
Como
no caso de outros constituintes interrogativos, a função de porque em
(3) é questionar, neste caso a causa, sendo substituível por qual o motivo de/para, qual a causa de/para, qual a razão de/para.
Assim, a pergunta Porque esperas? é parafraseável
por Qual o motivo de estares à espera?.
A resposta a esta interrogativa directa deve explicitar uma causa, sendo
habitualmente introduzida pela conjunção causal referida em (1): - Espero porque o
médico ainda não me chamou.
(4a)
Orações interrogativas (directas e indirectas) que correspondem a um argumento
introduzido pela preposição por seguida
do pronome/determinante interrogativo que: Por que esperas? Por que peças trocaste os copos
que recebeste no Natal? Perguntei por que esperas. Não sei por que peças
trocaste os copos que recebeste no Natal.
A
sequência por que não tem aqui qualquer valor de
causa. Efectivamente, na pergunta Por que esperas?,
a preposição por pertence à regência do verbo esperar (ex.: tu esperas por alguma
coisa) e o pronome interrogativo que corresponde
ao argumento nominal do verbo esperar (ex.: tu esperas por alguma
coisa). Assim, a pergunta Por que esperas? é
parafraseável por Por que coisa esperas?.
(4b)
Orações interrogativas (directas e indirectas) introduzidas pela preposição por seguida
do determinante interrogativo que com nomes expressos como motivo, causa, razão: Por que motivo chegaram tarde? Indaguei por que motivo
chegaram tarde.
Nestes
casos, a sequência por que tem valor causal pois, ao
contrário de (4a), a preposição por não pertence à
regência do verbo (ou de outra classe gramatical). As respostas à interrogativa
directa Por que motivo chegaram tarde? devem explicitar
uma causa, sendo habitualmente introduzidas pela conjunção causal referida em
(1): - Porque adormeceram.
(5a)
Orações relativas introduzidas por uma preposição argumental por seguida
do pronome relativo que: Chegou a encomenda por
que esperava.
Tal
como em (4a), em (5a) a preposição por é
regida pelo verbo esperar e o pronome relativo que é
o seu argumento nominal, sendo a sequência por que substituível
por pela qual: Chegou a encomenda pela
qual esperava.
(5b)
Orações relativas introduzidas pela preposição por seguida
do pronome relativo que: Explicaram o motivo por
que chegaram tarde.
No
caso de (5b), a preposição por não é regência do
verbo chegar mas introduz um complemento
circunstancial de causa (ex.: chegaram tarde por motivos
alheios à sua vontade). Tal como em (5a), a sequência por que é
substituível por pelo qual: Explicaram o motivo pelo
qual chegaram tarde.
Após
esta análise, e em jeito de resumo, no português europeu (de Portugal), a
grafia porque é usada para explicitar uma
causa, sendo substituível por pois, já que, visto que, dado que, uma vez que (cf.
1 e 2, onde se comporta como conjunção) e quando é substituível por qual o motivo de (cf.
3, onde se comporta como advérbio interrogativo). A grafia por que é
usada quando antecede substantivos como razão, motivo, causa ou
afins (cf. 4b) e quando é substituível pelo sintagma por que coisa (cf.
4a) ou por pelo qual/pela qual/pelos quais/pelas quais (cf.
5a e 5b).
Convém
referir que a ortografia é um conjunto de regras convencionadas, e, como tal,
artificiais. A prova disso é a discrepância das normas de justaposição e de
separação em Portugal e no Brasil, relativamente à escrita de porque/por que.
Assim, e ao contrário da ortografia portuguesa, a ortografia brasileira
preconiza porque sempre separado nas orações
interrogativas (Por que mentiram? Não sei por que mentiram.).
Tal acontece porque a terminologia gramatical brasileira não considera a
existência de um constituinte interrogativo justaposto porque,
ao contrário da actual terminologia linguística portuguesa, que o considera um
advérbio interrogativo (cf. 3).
O
mesmo acontece com porquê/por quê.
Em Portugal, escreve-se sempre justaposto quando é advérbio interrogativo (ex.: Porquê complicar? Devolveu a mercadoria, não sei porquê.)
ou quando é substantivo masculino (ex.: Desconheço o/s porquê/s
daquele comportamento.). No Brasil, escreve-se justaposto
apenas quando é substantivo; quando é usado em orações interrogativas, é
escrito separadamente (ex.: Por quê complicar? Devolveu a mercadoria, não sei por
quê.).
https://www.flip.pt/Duvidas-Linguisticas/Duvida-Linguistica/DID/1317
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