Foi há 64 anos!
Morta a tiro no Alentejo numa carga policial que dispersava um protesto
operário, tornou-se mártir da luta popular contra o regime de Salazar.
Catarina Efigénia Sabino Eufémia nasceu em Baleizão, no Alentejo,
a 13 de Fevereiro de 1928. Era uma ceifeira pobre e quase analfabeta que,
durante uma greve de catorze mulheres assalariadas rurais, a 19 de Maio
de 1954, foi assassinada a tiro por um tenente da Guarda Nacional
Republicana. Tinha 26 anos, três filhos, um dos quais de oito meses
(ao seu colo quando foi baleada) e estava grávida de um quarto.
A sua trágica história acabou por personificar a resistência ao regime
salazarista, sendo adoptada pelo Partido Comunista Português como
ícone da resistência no Alentejo. Dedicaram-lhe poemas autores como
Sophia de Mello Breyner, Carlos Aboim Inglez, Eduardo Valente da
Fonseca, Francisco Miguel Duarte, José Carlos Ary dos Santos ou
Maria Luísa Vilão Palma. O poema de António Vicente Campinas
‘Cantar Alentejano’ foi musicado por Zeca Afonso no álbum ‘Cantigas
de Maio’, editado no Natal de 1971.
CATARINA EUFÉMIA
O primeiro tema da reflexão grega é a justiça
E eu penso nesse instante em que ficaste exposta
Estavas grávida porém não recuaste
Porque a tua lição é esta: fazer frente
Pois não deste homem por ti
E não ficaste em casa a cozinhar intrigas
Segundo o antiquíssimo método obíquo das mulheres
Nem usaste de manobra ou de calúnia
E não serviste apenas para chorar os mortos
Tinha chegado o tempo
Em que era preciso que alguém não recuasse
E a terra bebeu um sangue duas vezes puro
Porque eras a mulher e não somente a fêmea
Eras a inocência frontal que não recua
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante em que morreste
E a busca da justiça continua
(Sophia de Mello Breyner Anderson)
RETRATO DE CATARINA EUFÉMIA
Da medonha saudade da medusa
que medeia entre nós e o passado
dessa palavra polvo da recusa
de um povo desgraçado.
Da palavra saudade a mais bonita
a mais prenha de pranto a mais novelo
da língua portuguesa fiz a fita encarnada
que ponho no cabelo.
Trança de trigo roxo
Catarina morrendo alpendurada
do alto de uma foice.
Soror Saudade Viva assassinada
pelas balas do sol
na culatra da noite.
Meu amor. Minha espiga. Meu herói
Meu homem. Meu rapaz. Minha mulher
de corpo inteiro como ninguém foi
de pedra e alma como ninguém quer.
(José Carlos Ary dos Santos)
CANTAR ALENTEJANO
Chamava-se Catarina
O Alentejo a viu nascer
Serranas viram-na em vida
Baleizão a viu morrer
Ceifeiras na manhã fria
Flores na campa lhe vão pôr
Ficou vermelha a campina
Do sangue que então brotou
Acalma o furor campina
Que o teu pranto não findou
Quem viu morrer Catarina
Não perdoa a quem matou
Aquela pomba tão branca
Todos a querem p’ra si
Ó Alentejo queimado
Ninguém se lembra de ti
Aquela andorinha negra
Bate as asas p’ra voar
Ó Alentejo esquecido
Inda um dia hás-de cantar
(Vicente Campinas)
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