E tudo era possível
Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido
Chegava o mês de Maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido
E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer
Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer
Ruy Belo
Este poema divide-se em duas partes lógicas: um antes (passado, no qual predomina o Pretérito Imperfeito do Indicativo, que marca a continuidade de uma acção passada) e um agora (presente, em que se destaca o uso do Presente do Indicativo).
O passado é associado à juventude, à casa dos pais, um espaço de sonho e imaginação e o presente é o tempo das viagens, da descoberta, mas também da perda da inocência de criança.
"eu conhecia já o rebentar do mar" = Antes de sair de casa dos pais, o sujeito poético já revelava conhecimento do mundo.
"das páginas dos livros que já tinha lido" = A leitura era a grande fonte do seu conhecimento passado.
"e era só ouvir o sonhador falar/ da vida como se ela houvesse acontecido" = O sujeito poético falava da vida que imaginou como se já a tivesse vivido.
"e havia para as coisas sempre uma saída" = Tudo era fácil e havia sempre uma solução para os problemas.
"Só sei que tinha o poder de uma criança" = Tinha o optimismo de uma criança perante os objectivos que quer atingir.
O sujeito poético apresenta-nos duas idades: a juventude entre o sonho, a inocência e a felicidade e a idade adulta, idade em que o sujeito lírico se sente privado destes aspectos. Neste poema está expressa a dicotomia “antes” e “agora”. O “antes” corresponde à idade da infância e da juventude, que terminou no momento em que o sujeito poético decidiu sair de casa dos pais e viajar. Antes, o “eu” conhecia a vida através dos livros, da leitura e do acto de sonhar. Nessa idade, não havia preocupações e tudo era possível, bastava sonhar. O “rolo das manhãs” é o símbolo de todos os possíveis que existiam na juventude do sujeito lírico. Por oposição, surge a idade adulta. No antes “tudo era possível”, mas no agora, implicitamente, o sujeito lírico transmite a ideia de que já nada é possível como era antigamente. Esta ideia é reforçada através do pretérito imperfeito, expressando uma felicidade durável, constante, transportando o sujeito poético para o reino do encantamento, do “era uma vez”. Este tempo verbal é utilizado na referência à juventude, pois a idade adulta traz a instabilidade, a inconstância.
Depois de viajar, o sujeito poético quase não consegue precisar o tempo da sua juventude dourada “Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer”. No entanto, sabe que tinha o poder de uma criança, o poder de transformar toda a realidade. As crianças têm, como os poetas, o poder de transformar a realidade. A viagem marca a transição para a idade adulta e, do ponto de vista simbólico, representa um trajecto de experiência activa, um momento de descoberta, de aprendizagem e de conhecimento. Descoberta e conhecimento de um mundo que nos rodeia, dos outros e de nós mesmos.
Em conclusão, neste poema, a ideia de viagem está ligada ao próprio acto de crescer, de descoberta de uma realidade que não era visível no mundo fantasioso da infância e da juventude: uma realidade bem mais amarga, onde o homem se confronta com as suas próprias limitações.
Trabalhinho:
2 comentários:
Olá Mena
Essa é uma faceta de muito do nosso povo: falta de personalidade!
Adorei reler o poema.Obrigada!
Bjs.
boa tarde,td bem?
antes de mais gostei de saber que foste ver a Diolinda...
no outro dia comprámos 2 álbuns deles...
agora esta questão da tourada...tem sempre os seus contras e aficionados.
eu moro mesmo nas traseiras da praça de Touros aqui da Moita...e a última vez que assisti foi no ano passado;)
fica bem,jinhos***
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