quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Isto e... Autopsicografia



Análise do poema "Isto", comparado com o texto "Autopsicografia"

O assunto do poema "Isto", tal como o do poema "Autopsicografia" foca a teoria da criação poética. Parece até que a afirmação "dizem que finjo ou minto / Tudo que escrevo" é uma resposta a supostas críticas nascidas de possíveis interpretações do poema "Autopsicografia".
O poeta responde na primeira parte ( primeira estrofe) que o seu fingimento não é propriamente mentira, mas uma síntese rara (como se ele fosse um predestinado) da sensação e da imaginação.
Enquanto em "Autopsicografia" o poeta distinguia entre sensação (dor sentida) e fingimento (dor imaginada), aqui simplesmente sente com a imaginação (atente-se no valor expressivo do advérbio de modo a marcar a exclusividade de outra qualquer sensação que não seja a sensação intelectual, a sensação-imaginação). O poeta parece esquecer, neste poema, o ponto de partida que em "Autopsicografia" era a sensação (coração). Mas, não esquece, simplesmente realiza (no acto da criação poética) a síntese da sensação com a imaginação, sobressaindo esta, porque intelectual, operada pela razão. O poeta não usa o coração, porque lhe basta a imaginação, que surge aqui como concentração do sensível e do intelectual.
Em "Autopsicografia", o poeta fala na 3.ª pessoa, dando a entender que a teoria exposta tem aplicação universal: é um processo verificável em todo o verdadeiro poeta. No poema "Isto", o poeta fala na 1.ª pessoa, não há nenhuma frase de carácter axiomático, de aplicação universal. Aqui Fernando Pessoa apresenta-se como o poeta intelectual por excelência.
A segunda parte do poema (segunda estrofe) constitui uma confirmação do conteúdo da primeira parte, baseada na experiência vivida. Todas as contingências da sua vida ("Tudo o que sonho ou passo, / O que me falha ou finda") são como que um terraço sobre outra coisa, e essa coisa é que é linda. Essa coisa são os dados da imaginação, são a transfiguração artística operada pela inteligência-imaginação. Repare na expressividade da comparação "como que um terraço", a simbolizar as aparências que escondem a realidade mais bela (essa coisa é que é linda). Mas o poeta não separa o terraço da beleza que ele esconde: as contingências da vida são como um terraço com tudo o que ele esconde de mais belo. Parece então sugerir que nele a inteligência-imaginação, num único acto de síntese, abarca ao mesmo tempo as esperanças e os fracassos da sua vida (o terraço, isto é, as aparências) e as belas realidades poéticas, a essência pura da poesia criada pelo fingimento.
Enquanto na "Autopsicografia", o poeta distinguia dois momentos (o da sensação e o da imaginação), aqui tudo se processa num só momento: as realidades (belas) subjacentes ao terraço (aparências) são vistas por ele, poeta-Pessoa, automática e simultaneamente.
É evidente que paira aqui a doutrina platónica da reminiscência: olhar para as aparências (as coisas deste mundo) e ver imediatamente as realidades puras de um mundo mais alto. Verifica-se aqui também a grande emoção (de natureza intelectual) que o poeta punha naquilo que ele considerava o fulcro, o âmago da poesia: "Essa coisa é que é linda".
Na terceira parte do poema (terceira estrofe), o poeta, a jeito de conclusão, ("Por isso...") afirma que escreve "em meio / do que não está ao pé". O que está ao pé são as sensações, é o mundo das aparências; o que não está ao pé é o mundo da inteligência, o mundo das realidades puras, da imaginação que transforma, que eleva as sensações ao nível da literatura, ao nível da poesia. A arte poética nasce da abstracção do mundo sensível. Só quando o poeta é livre do seu enleio (do mundo sensível, do coração) é que pode dar-se o milagre da poesia. Só com os super-poetas, como ele, Fernando Pessoa, é que o milagre se realiza plenamente, porque não usa o coração, porque está livre do seu enleio e sério do que não é (entenda-se "sério" por liberto, ou seja, livre do mundo sensível, das aparências).
O verso "Sério do que não é" está aqui para repetir e marcar bem a ideia do verso anterior "livre do meu enleio".
O poeta considera "sério" quem, como ele, é capaz de se abstrair do mundo sensível (do acidental), para se concentrar no mundo intelectual (mundo das essências). Para Fernando Pessoa a perfeição está no mundo intelectual e não no mundo sensível.
O poeta fecha o poema com uma pergunta retórica e uma exclamação de sentido irónico-depreciativo: "Sentir?" Note-se como esta interrogação, em conjunto com a exclamação "Sinta quem lê!" é uma resposta irónica ao "Dizem que finjo ou minto" do início do poema. O poeta não sente, deixa isso para os leitores, para quem não é poeta, para quem brinque com o sensível, com o mundo das aparências. Para ele, super-poeta, tudo se passa no mundo da inteligência-imaginação, no mundo das essências.
O último verso interrogativo-exclamativo parece o fechamento de uma circunferência iniciada no primeiro verso que deixa margem à reflexão, a um dinamismo intelectivo que fica a desenvolver-se na mente do leitor. Tal como no poema "Autopsicografia", essa circunferência melhor se diria uma pista circular sem limite, onde se processa o jogo sensação-imaginação e se perpetua a vitalidade do poema no seu aspecto lúdico.
Depois de uma análise essencialmente ideológica, vamos agora ver as razões de uma certa opacidade da mensagem poética. Apesar de todo o vocabulário ser simples, surgem no poema certas palavras, embora de sentidos denotativos vulgaríssimos, carregadas, no contexto, de conotações, originando a plurissignificação.
Assim, o verso "Dizem que finjo ou minto" tem aqui o sentido que lhe atribuem os que dizem que o poeta finge, isto é, "não ser sincero", "faltar à verdade", como se depreende da disjuntiva "finjo ou minto". Este sentido é depreciativo e corresponde ao uso popular da expressão "pessoa fingida", isto é, falha de verdade. Por isso, o poeta se apressa a negar esse sentido ao seu fingimento: "Eu simplesmente sinto / Com a imaginação, / Não uso o coração.". O fingimento do poeta é pois o trabalho mental que tudo transfigura, por meio da imaginação. A sua emoção está nessa transfiguração imaginativa onde floresce a poesia. A expressão "não uso o coração", não tem sentido exclusivista, isto é, o poeta não quer dizer que não parta das sensações, que nunca use o coração. O que ele pretende significar é que as sensações (o coração) não são o campo onde se elabora a grande poesia. As palavras "uso", "usar", na sua significação habitual, são portadoras da ideia de persistência, continuidade. Ora o que o poeta quer afirmar com "não uso o coração" é: o centro, ou o fulcro, da grande poesia não está nas sensações, no coração, mas na inteligência, na imaginação.
De notar a diferença de sentidos do verbo sentir: na primeira estrofe (sinto) refere-se à emoção intelectual e não às sensações; na última estrofe (sentir e sinta) refere-se às sensações próprias das pessoas que dizem que ele finge ou mente.
Os dois primeiros versos da segunda estrofe referem-se às contingências da vida do poeta; contingências, porque nenhum dos quatro verbos (sonho, passo, falha, finda), são propriamente activos, ficando a impressão de que o que sucede ao poeta é marcado pelo destino. Esta ideia é sugerida sobretudo pelo verso "O que me falha ou finda", em que o poeta não figura como sujeito das acções, mas como destinatário marcado pelo destino (o que se vê na forma pronominal "me"). O mesmo sugere a forma verbal "passo", que o poeta poderia substituir por "faço". Não o fez, porque enquanto "faço" apontaria para algo realizado pelo poeta, a forma "passo" aponta para algo que lhe sucede por fatalidade. Quer isto dizer que o poeta só por contingência se achava entre as coisas contingentes deste mundo (no mundo das aparências), pois o seu lugar, como poeta, situa-se para lá dessas coisas, para lá do terraço.
A metáfora (comparação) centrada em terraço é admiravelmente expressiva da fronteira, difícil de ultrapassar, entre o mundo sensível e o mundo intelectual. O verdadeiro poeta (neste caso Pessoa) é o privilégio que é capaz de ultrapassar essa fronteira, para usufruir da beleza que lá se encontra.
Ao notarmos a expressividade do adjectivo "linda" (essa coisa é que é linda), notemos também como o poeta recupera para o campo poético a banalidade significativa da palavra "coisa", fazendo-a expressiva daquilo que é indefinível, daquilo que fica para lá do terraço, na região onde se gera a poesia.
Note-se, na última estrofe, o desabitual o imprevisto que encontramos na expressão antitética "em meio / Do que não está ao pé". O que está ao pé é o mundo sensível; o que não está ao pé é o mundo que está para lá do terraço, o mundo da poesia. Fernando Pessoa, como poeta genial, escrevia bem metido nesse mundo misterioso da poesia, livre do seu enleio (note-se a expressividade do substantivo "enleio", que aponta para a prisão que é o mundo sensível).
Como é natural num texto de índole teórica, predominam os nomes e os verbos. Os verbos encontram-se todos no tempo presente, sendo de destacar a importância do verbo "ser" a significar existir na expressão "sério do que não é". "O que não é" é o mundo sensível (das aparências) e "o que é" é o mundo inteligível, onde o poeta se move na elaboração dos seus poemas.
São importantes os nomes "coração" e "enleio" (a conotar o mundo sensível); e "imaginação", "coisa" (a conotar o mundo inteligível). "Terraço" conota ao mesmo tempo o mundo sensível e o inteligível, pois estabelece a separação dos dois.
Quanto à forma do poema, o poeta usa o verso curto de seis sílabas (hexassílabo) num poema de fundo pesado, em que se expõe uma teoria da criação poética. Para que o discurso lógico, apesar disso, decorra mais livremente, aparecem os casos de encavalgamento: 1.º e 2.º, 3.º e 4.º versos da primeira estrofe; versos 2.º e 3.º, 3.º e 4.º da segunda estrofe; versos 1.º e 2.º da terceira estrofe.
O esquema rimático é igual nas três estrofes e apresenta rimas cruzadas e emparelhadas: ABABB. Há nas rimas variedade de sons, predominando nas duas primeiras estrofes os sons nasais e fechados e alternando, na última estrofe, os fechados com os abertos, sugerindo, talvez, o esclarecimento final do problema focado. São de salientar também os vários casos de aliteração (versos 3.º, 7.º, 23.º, 15.º).








Portugal, uma praça para o mundo

PORTUGAL, UMA PRAÇA PARA O MUNDO from Anze Persin on Vimeo.




Trabalhinho: pintura com água em velas





A Mena na cozinha

Frango tropical

4 bifes de frango ou coxas
1 cebola
2 dentes de alho
1 malagueta grande
azeite
1 dl de leite de coco
3 colheres de sopa de polpa de tomate
sal
2 colheres de caril
salsa picada

Pique a cebola e o alho, corte a malagueta em pedacinhos e leve ao lume em azeite.

Corte os bifes de frango em tiras e junte ao preparado de cebola, quando esta estiver translúcida. Deixe a carne ganhar uma corzinha. Adicione a polpa de tomate e deixe cozinhar mais um pouco.

Salpique o frango com o caril e tempere com sal. Deixe apurar.

Por fim, junte o leite de coco e tape o tacho, deixando cozinhar.

Quando estiver pronto, polvilhe com salsa picadinha e envolva.

Sirva com arroz branco ou com esparguete e uma boa salada.


Bom apetite!

2 comentários:

Daniela Tavares disse...

Olá Mena!

Fantástico! Vou dar Fernando Pessoa ste ano, e cheira-me que toda esta descrição vai-me dar cá um geitaço! Obrigada.
A música do Mundo Cão... adoro, a banda deles é fantástica.
O trabalho ficou perfeito, como sempre: uma técnica que desconhecia, que bom. (:
Quanto À receita... nem preciso de repetir a sensação de formigueiro no estômago que me causas de tanta água na boca. :b

Beijinho,
Daniela Tavares.

Mizii disse...

Olá...gostei muito do blog =)
Este ano vou dar Lusíadas...e queria perguntar se poderia arranjar alguma análise ao canto VII. mto bgdo