Peroração
"cousa morta não quer Deus que se lhe ofereça, nem chegue aos seus altares". Consola-os, muita sorte eles têm: "Peixes, dai muitas graças a Deus de vos livrar deste perigo, porque melhor é não chegar ao sacrifício, que chegar morto".
Antes de terminar o sermão, padre António Vieira dirige-se aos peixes num discurso intimista, confessa-se e faz mea culpa, por não conseguir cumprir com o fim para que foi criado. Os peixes podem aparecer diante de Deus, porque nunca o ofenderam. Pelo contrário, ele muito o tem ofendido:
"Ah que quase estou por dizer que me fora melhor ser como vós, pois de um homem que tinha as mesmas obrigações, disse a Suma Verdade, que "melhor lhe fora não nascer homem".
O pregador convida os peixes a louvar e dar graças a Deus por tê-los favorecido com tantas qualidades:
"Benedicite, cete, e omnia quae moventur in aqui, Domine: "Louvai, peixes, a Deus, os grandes e os pequenos".
É um sermão ousado, mas também belo pelo seu poder descritivo, pela ironia, pelo sarcasmo, pela audácia crítica das suas afirmações e pela sua simbologia.
Alguns recursos estilísticos
Antíteses:
"Tanto pescar e tão pouco tremer!";
"No mar, pescam as canas, na terra pescam as varas (...)";
"(...) deu-lhes dois olhos, que direitamente olhassem para cima (...) e outros dois que direitamente olhassem para baixo (...)";
"A natureza deu-te a água, tu não quiseste senão o ar (...)";
"(...) traçou a traição às escuras, mas executou-a muito às claras.";
"(...) António (...) o mais puro exemplar da candura, da sinceridade e da verdade, onde nunca houve dolo, fingimento ou engano.";
"Oh que boa doutrina era esta para a terra, se eu não pregara para o mar!"
Comparações:
"Certo que se a este peixe o vestiram de burel e o ataram com uma corda, parecia um retrato marítimo de Santo António.";
"O que é a baleia entre os peixes, era o gigante Golias entre os homens.";
"(...) com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge;
com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura (...)";
"As cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia (...)";
"(...) e o salteador, que está de emboscada (...) lança-lhe os braços de repente, e fá-lo prisioneiro. Fizera mais Judas?";
"Vê, peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade, pois Judas em tua comparação já é menos traidor!"
Paralelismos e anáforas:
"Ou é porque o sal não salga, e os pregadores...;
ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes...
Ou é porque o sal não salga, e os pregadores...;
ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes...
Ou é porque o sal não salga, e os pregadores...;
ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes..."
"Deixa as praças, vai-se às praias;
deixa a terra, vai-se ao mar..."
"Quantos, correndo fortuna na Nau Soberba (...), se a língua de António, como rémora (...)
Quantos, embarcados na Nau Vingança (...), se a rémora da língua de António (...)
Quantos, navegando na Nau Cobiça (...), se a língua de António (...)
Quantos, na Nau Sensualidade (...), se a rémora da língua de António (...)"
"(...) com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge;
com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela;
com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura (...)"
"Se está nos limos, faz-se verde;
se está na areia, faz-se branco;
se está no lodo, faz-se pardo (...)"
Ironia:
“Mas ah sim, que me não lembrava! Eu não prego a vós, prego aos peixes."
"E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa (...) o dito polvo é o maior traidor do mar."
Metáforas:
"Esta é a língua, peixes, do vosso grande pregador, que também foi rémora vossa, enquanto o ouvistes; e porque agora está muda (...) se vêem e choram na terra tantos naufrágios."
"(...) pois às águias, que são os linces do ar (...) e aos linces que são as águias da terra (...)"
"(...) onde permite Deus que estejam vivendo em cegueira tantos milhares de gentes há tantos séculos?!"
" (...) vestir ou pintar as mesmas cores (...)"
"(...) e o polvo dos próprios braços faz as cordas."
Trocadilhos:
"Os homens tiveram entranhas para deitar Jonas ao mar, e o peixe recolheu nas entranhas a Jonas, para o levar vivo à terra."
"E porque nem aqui o deixavam os que o tinham deixado, primeiro deixou Lisboa, depois Coimbra, e finalmente Portugal."
"(...) o peixe abriu a boca contra quem se lavava, e Santo António abria a sua contra os que se não queriam lavar."
Costeletas com maçã salteada
batatas em palitos
maçãs
orégãos
sal
pimenta
vinho branco
alhos
louro
Frite as costeletas.
Bom apetite!
Trabalhinho:
Obrigado, excelências.
Obrigado por nos destruírem o sonho e a oportunidade
de vivermos felizes e em paz.
Obrigado
pelo exemplo que se esforçam em nos dar
de como é possível viver sem vergonha, sem respeito e sem
dignidade.
Obrigado por nos roubarem. Por não nos perguntarem nada.
Por não nos darem explicações.
Obrigado por se orgulharem de nos tirar
as coisas por que lutámos e às quais temos direito.
Obrigado por nos tirarem até o sono. E a tranquilidade. E a alegria.
Obrigado pelo cinzentismo, pela depressão, pelo desespero.
Obrigado pela vossa mediocridade.
E obrigado por aquilo que podem e não querem fazer.
Obrigado por tudo o que não sabem e fingem saber.
Obrigado por transformarem o nosso coração numa sala de espera.
Obrigado por fazerem de cada um dos nossos dias
um dia menos interessante que o anterior.
Obrigado por nos exigirem mais do que podemos dar.
Obrigado por nos darem em troca quase nada.
Obrigado por não disfarçarem a cobiça, a corrupção, a indignidade.
Pelo chocante imerecimento da vossa comodidade
e da vossa felicidade adquirida a qualquer preço.
E pelo vosso vergonhoso descaramento.
Obrigado por nos ensinarem tudo o que nunca deveremos querer,
o que nunca deveremos fazer, o que nunca deveremos aceitar.
Obrigado por serem o que são.
Obrigado por serem como são.
Para que não sejamos também assim.
E para que possamos reconhecer facilmente
quem temos de rejeitar.
Joaquim Pessoa
A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos.
Mas ricos sem riqueza.
Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos mas de endinheirados.
Rico é quem possui meios de produção.
Rico é quem gera dinheiro e dá emprego.
Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro. ou que pensa que tem.
Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele.
A verdade é esta: são demasiados pobres os nossos "ricos".
Aquilo que têm, não detêm.
Pior: aquilo que exibem como seu, é propriedade de outros.
É produto de roubo e de negociatas.
Não podem, porém, estes nossos endinheirados usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram.
Vivem na obsessão de poderem ser roubados.
Necessitavam de forças policiais à altura.
Mas forças policiais à altura acabariam por lançá-los a eles próprios na cadeia.
Necessitavam de uma ordem social em que houvesse poucas razões para a criminalidade.
Mas se eles enriqueceram foi graças a essa mesma desordem (...)
MIA COUTO