sábado, 30 de abril de 2011

Os Maias - Delimitação da acção

21.




4. Delimitação da acção

Se considerarmos apenas a acção central (e intriga propriamente dita, que foca os amores Carlos/Maria Eduarda), trata-se de uma NARRATIVA FECHADA. Com efeito, as personagens morrem, ou fisicamente como Afonso, ou moralmente como Carlos e Maria Eduarda, ficando desmotivados para qualquer acção romanesca. Maria Eduarda casa-se e Carlos adapta-se a uma situação inócua de “homem rico que vive bem”, entregando-se apenas “a essa coisa estúpida e sempre eficaz que se chama distrair…”

A própria solidão do Ramalhete, coração da família, em ruínas no final, é bem o símbolo da desintegração dos Maias.

Mas, atendendo ao subtítulo “Cenas da vida romântica” e às correspondentes descrições dos ambientes sociais, também se poderá considerar uma ACÇÃO ABERTA a crónica de costumes, que na realidade não foi fechada, podendo eventualmente continuar.

Entende-se por acção qualquer facto ou conjunto de factos cuja execução implica uma passagem mais ou menos extensa do tempo da história. Assim, o jantar do Hotel Central é uma acção que se desenrola no curto espaço de algumas horas, como o é igualmente o episódio das corridas; também são acções os comportamentos de Dâmaso, os caprichos da condessa de Gouvarinho, a actividade literária e crítica de Ega, a existência diletante e ociosa de Carlos, acções variavelmente privilegiadas pela atenção do narrador que narra a história.

Como já foi dito acima, a crónica de costumes constitui uma acção aberta, porque nenhum dos episódios impõe um desenlace inultrapassável. Se repararmos bem, há uma quantidade de episódios que poderiam ser omitidos sem que a história ficasse prejudicada.

A intriga, sendo também uma forma de acção, identifica-se com aquilo a que chamamos acção fechada: os eventos sucedem-se por uma relação de causalidade, existindo um acontecimento final, o desenlace, que inviabiliza a sua continuação. A intriga de Os Maias é constituída principalmente pelos amores de Carlos e Maria Eduarda assim como pelo seu desfecho trágico: a descoberta do incesto e a morte de Afonso da Maia.

Outro aspecto relevante é o facto de se verificar muitas vezes que a intriga de um romance é completada e justificada por intrigas secundárias que vão desaguar na principal: os amores, casamento e separação de Pedro da Maia e Maria Monforte. Precedendo factual e cronologicamente as relações de Carlos com Maria Eduarda, as de Pedro e Maria cumprem uma função de intriga secundária. Neste caso, estas relações constituem uma condição imprescindível para que se desencadeie a intriga principal.


22.


sexta-feira, 29 de abril de 2011

A Mena na cozinha

Gelatina de sumo de laranja

6 folhas de gelatina
laranjas para fazer sumo
uvas
morangos
2 maçãs
2 bananas
folhinhas de hortelã

Faça o sumo das laranjas (0,5 l). Coloque as folhas de gelatina numa taça, cobertas com água fria. Escorra a água (passado 1 minuto) e leve ao microondas cerca de 15 segundos até derreterem. Dissolva a gelatina no sumo e reserve. Lave as uvas e os morangos e corte-os em pedacinhos. Descasque as maçãs e corte-as em cubos pequenos. Tire a casca à banana e corte-a em rodelas. Divida a frutas pelas taças (6) e, por cima, regue com a gelatina de laranja. Leve ao frigorífico e deixe solidificar.
Na hora de servir, enfeite com folhinhas de hortelã.
Delicie-se!

quinta-feira, 28 de abril de 2011

O grande maestro

Frederico II, O Grande, rei da Prússia, disse que “a trapaça, a má fé e a duplicidade são, infelizmente, o carácter predominante da maioria dos homens que governam as nações”. José Sócrates Pinto de Sousa, o grande maestro, ilustra-o. Na farsa de Matosinhos, a que o PS chamou congresso, usou bem a batuta da mistificação e deu o tom para o que vai ser a sua campanha: ilibou-se de responsabilidades pela crise e condenou o PSD; tendo preparado, astutamente, a queda do Governo, ei-lo, agora, cinicamente, a passar para o PSD o ónus da vulnerabilidade que nos verga. Como a memória é curta e o conhecimento não abunda, os hesitantes impressionam-se com o espalhafato e o discurso autoritário, ainda que recheado de mentiras. Porque em tempo de medo e de apreensão, a populaça não gosta de moleza.
O aviso fica feito: não menosprezem as sondagens. Urge clarificar e não ser ambíguo. Eu não vou ser.
1. Na segunda metade de 2009, as escutas do caso Face Oculta trouxeram à superfície a teia subterrânea que preparava a aquisição da Media Capital pela PT. Objectivo? Condicionar a orientação noticiosa da TVI, afastar José Eduardo Moniz e calar Manuela Moura Guedes. Que mão segurou a batuta deste tenebroso conúbio entre a política e o dinheiro?
Este é um, apenas um episódio, de uma longa série de acções para calar a opinião livre e subjugar o espaço público, que o grande maestro protagonizou. José Manuel Fernandes, Henrique Monteiro e Mário Crespo, entre outros, denunciaram-nas, sem peias. Se não vos assusta o poder hegemónico e incontestável, voltem a votar nele. Se vos chega uma democracia amordaçada, escolham-no uma vez mais.
2. Para encontrar alguma analogia com a cadeia de escândalos que envolveram José Sócrates, temos que ir à Itália de Berlusconi. Na nossa História não há precedente que lhe dispute tamanho mar de lama. Da licenciatura na Independente às escutas oportunamente silenciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, passando pela saga escabrosa dos projectos de engenharia da Guarda, os mistérios dos apartamentos da Braamcamp e os inarráveis processos Cova da Beira e Freeport, saiu sempre judicialmente ileso, o grande maestro. Como Il Cavaliere. Se isso vos chega e querem manter um primeiro-ministro que se julga ungido de clarividência única, medíocre e incompetente, que vos mente sem rebuços, teimosamente cego, presumido omnisciente e contumaz calcador de todos os escrutínios morais, só têm que esperar até 5 de Junho. Votem nele.
3. As obras públicas entranharam em Sócrates, compulsivo, a ideia que criam emprego. Viu-se com os vários estádios do Euro 2002, que nos custaram milhões e qualquer dia serão destruídos sem glória nem uso. Estamos por ora salvos da loucura do TGV e das imprudências, dadas as circunstâncias, do aeroporto e da terceira ponte sobre o Tejo. Mas se quiserem a megalomania de volta, mais Magalhães a pataco, quadros interactivos inúteis e escolas novas destruídas para que o grande maestro inaugure outras mais modernas, é só votar nele, já em Junho.
4. Sócrates foi, durante os seis anos da sua governação, o grande maestro da táctica para esconder os números do endividamento externo e a realidade do défice e das contas públicas. Depois de utilizar irresponsavelmente o Orçamento de Estado de 2009 para colher benefícios eleitorais, negou sempre que a crise financeira nos tocava. Desorçamentou e manipulou contabilisticamente as contas do Estado, até ao limiar da bancarrota e ao pedido de assistência financeira, que humilha Portugal. Se querem ajudar a destruir o resto, portugueses, votem nele, uma vez mais.
5. Enxerguem-se, portugueses: se somarmos à actual dívida pública a dívida das empresas públicas, chegamos a 125 por cento do PIB (o nosso PIB anda pelos 172 mil milhões de euros); a este número, medonho, somem mais 60 mil milhões, a pagar pelos nossos filhos e netos, que o grande maestro foi comprometendo em parcerias público/privadas, com as empresas do regime; quando, em 2005, arrebatou a batuta, o grande maestro encontrou 6,6 por cento de taxa de desemprego; agora, em 2011, o grande maestro abandonou à sua sorte uma triste banda de quase 700 mil desempregados, 11,1 por cento de taxa de desemprego, a pior desde que há registos em Portugal; estamos no “Top Ten” dos países mais caloteiros do mundo (100 por cento do PIB de dívidas das famílias portuguesas, mais 150 por cento do PIB de dívidas das empresas lusas, tudo por volta de 430 mil milhões de euros); temos a maior vaga de emigração de licenciados de todos os tempos, a segunda pior taxa de fuga de cérebros no universo da OCDE e a terceira no que toca ao abandono escolar. Se este painel factual não vos belisca, votem nele. Ofereçam-lhe uma batuta vitalícia e entronizem-no, até que o céu vos caia em cima.
6. Esclareçamos que a assistência financeira apenas nos tira a corda do pescoço nos próximos dois a três anos, na medida em que nos assegura honrarmos os compromissos da divida pública. Mas não resolve o problema do crescimento económico, que supõe outra política. Se acreditam que o vosso coveiro pode ser o vosso salvador, votem no grande maestro e enterrem-se sozinhos, que ele já está, obviamente, protegido e salvo, pronto para a sua antecipada reforma dourada, que nenhuma troika cortará.

Santana Castilho

Carta aberta ao Povo Finlandês

Encontrei por bem contar aqui os pormenores de uma história que, por muito que pareça pertencer ao passado, tão facilmente nos lembra a todos das travessuras partidas de que a História é capaz de pregar. E por muito incompreensível que possa parecer, as travessuras e partidas que a História às vezes prega, surpreendem em especial aqueles com a memória mais curta. O local foi Lisboa, e o ano, 1940, mais concretamente o trigésimo nono dia após o final da primeira e heróica guerra combatida pelo perseverante povo Finlandês contra a tentativa estrangeira de apagar a vossa pequena nação do mapa dos países livres e independentes da Europa. A Guerra do Inverno na qual a Finlândia contrariamente ao que todos julgavam poder ser possível derrotou o bolchevismo o imperialismo Russo, teve na altura um impacto muito maior do que o que julga hoje a maior parte dos finlandeses. Os gritos de sofrimento e os horrores da primeira guerra Russo-Finlandesa e os terríveis sacrifícios impostos ao vosso pequeno país, comoveu e tocou o coração do povo Português no outro longínquo canto deste velho continente chamado Europa. Talvez fosse por causa de um sentimento de irmandade, ou mesmo de identificação com os sacrifícios para que uma outra nação pequena e periférica acabava de ser atirada...mas a ânsia de ajudar a Finlândia rapidamente emergiu entre os Portugueses, tão orgulhosos que são hoje quanto orgulhosos eram então dos valores da independência e da nacionalidade. A nação europeia com as fronteiras mais estáveis e com a paz mais duradoura de todas, não podia permitir-se, e não permitiu, permanecer no conforto da passividade de nada fazer relativamente ao destino para o qual a Finlândia tinha sido atirada, confrontada que esta estava com o perigo iminente de se tornar em apenas mais uma província Estalinista. Portugal era na altura um país encruzilhado, submergido em pobreza e constrangido por uma ditadura cruel e fascista. Os Portugueses eram nesses tempos quase todos invariavelmente pobres, analfabetos, oprimidos e infelizes, mas também trabalhadores, honestos, orgulhosos, unidos e cheios de compaixão, mobilizados em solidariedade para oferecerem o que de mais pequenino conseguiram repescar para ajudarem o necessitado e desesperado povo Finlandês. Em cidades e vilas e aldeias de Portugal, agricultores, operários e estudantes, pais e mães, que aos milhões talvez possuíssem não mais do que apenas 3 mudas de roupa, ofereceram os para si mais modestos e preciosos bens que, mal grado a penúria, conseguiram prescrever como dispensáveis: cobertores, casacos, sapatos e casacões, e para os mais felizardos sacos de trigo e quilos de arroz cultivados à mão nas lezírias e terras baixas dos rios portugueses. As ofertas foram recolhidas por escolas e igrejas do norte e do sul, e embarcadas para Helsínquia com a autorização prévia da Alemanha Nazi e Aliados. Num extraordinário gesto de gratidão, o Sr. George Winekelmann, que era o então representante diplomático da Finlândia em Lisboa e Madrid, publicou um apontamento na primeira página do prestigioso jornal “Diário de Noticias” para agradecer ao povo Português a ajuda e assistência prestadas à Finlândia no mais difícil de todos os inconsoláveis tempos. O bem-haja a Portugal foi publicado no vigésimo primeiro dia de Abril de 1940, há quase exactamente 70 anos neste dia presente que corre, e descreve que “Na impossibilidade de responder directamente a cada um dos inumeráveis testemunhos de simpatia e de solidariedade que tive a felicidade de receber nestes últimos meses, e que constituíram imensa consolação e reconforto moral e material para o meu país, que foi objecto de tão dolorosas provações, dirijo-me à Nação Portuguesa, para lhe apresentar os meus profundos e comovidos agradecimentos. Nunca o povo finlandês esquecerá a nobreza de tal atitude. Estou certo de que os laços entre Portugal e Finlândia se tornaram mais estreitos e que sobreviverão ao cataclismo do qual foi o meu país inocente vítima, contribuindo assim para atenuar as consequências de tão injustificada agressão”.Em virtude de um outro esforço de ajuda à Finlândia organizado por estudantes Portugueses, o Sr. George Winekelmann mais uma vez voltou à primeira página do mesmo jornal para, numa nota escrita no dia 16 de Julho de 1940, expressar o seu imenso agradecimento: “O Sr. George Wineckelmann, ministro da Finlândia, esteve ontem no Ministério da Educação Nacional (…) a agradecer o interesse que lhe mereceram as crianças do seu país por ocasião do conflito com a Rússia (…) e o seu reconhecimento pela importante dádiva com que os estudantes portugueses socorreram os pequeninos da Finlândia”. Por irónico que seja, o nacionalismo e as formas pelas quais alguns Europeus escolhem para o expressar nos dias presentes, estão em completo contraste com o valor do conceito de Nação expresso há 70 anos por um país bem mais velho, e por um povo bem menos rico e bem mais analfabeto, quando confrontado com a luta pela sobrevivência de uma nação-irmã, que é bem mais rica, bem mais instruída e….bem mais jovem. Todos devemos ao passado a honra de não esquecer os feitos e triunfos daqueles que já não vivem. O conceito de verdadeiro nacionalismo não pode jamais ficar dissociado do dever de honrarmos o passado. Ao cabo de 870 anos de História, por vezes com feitos tremendos e ainda maiores descobertas, um dos sucessos de Portugal como nação tem sido a capacidade de o seu povo unido e homogéneo, olhar serenamente de mãos dadas para lá do horizonte da sua terra, sem nunca ter medo dos desafios desconhecidos dos sete mares em frente, sem nunca fechar a ninguém as portas hospitaleiras e da amizade, e sem nunca fugir dos contratempos que possam defrontar-se-lhe na senda do seu destino. Por mais irónico que seja, algo não parece bater certo quando a condição a que chegou a economia de um Estado de uma pequena nação, por maneira curiosa se torna talvez decisiva nas escolhas eleitorais tomadas por um povo de uma outra e ainda mais pequena nação, no outro canto tão longínquo da Europa. Por mais que merecida ou desejável que possa ser, a recusa de auxiliar e ajudar uma nação dorida e testada pelos ventos de um cataclismo financeiro não é provavelmente o passo mais sábio de países unidos por espírito e orgulhosos de honrarem os verdadeiros intrínsecos valores de solidariedade e mútua amizade, em especial quando atormentados por adversidade e ventanias de crise. Por mais corrupta que a sua elite se comporte, por mais desgovernado que o seu país ande, e por mais caloteiro que o seu Estado seja, os homens e mulheres comuns de Portugal, filhos e filhas e netos e netas daqueles que viviam há 70 anos atrás, sentem-se e são os reféns e vítimas inocentes de uma Guerra financeira que viram ser-lhes declarada contra os seus bolsos e carteiras, e que ameaça as suas honestas e modestas poupanças. Mas não obstante confrontados nos agora tempos de hoje, em aparente insolvência e nas mais sozinhas de todas as suas horas, com o desespero e adversidade, eu estou confiante e seguro de que os Portugueses de hoje, mães e pais, agricultores, trabalhadores, padres e estudantes, e até mesmo crianças, de lés a lés naquele país se elevariam da consciência, a fim de mostrar os seus mais sinceros e genuínos sentimentos de nacionalismo e humildade para ajudarem e confortarem a Finlândia e o povo finlandês, se alguma outra vez cataclismo ou desastre batesse à porta da Finlândia e iluminasse a ideia obscura da extinção da heróica nação Finlandesa, tal como aconteceu há sete décadas passadas. Todos nós podemos aprender com as pequenas e genuínas lições dos tempos que lá vão.

Hélder Fernandes (Correspondente da TSF)

As flores





Houve um dia, um rasgo, em que deixei de dar flores.

Eu colhia-as e guardava-as entre os dedos pequenos de uma mão, numa concha húmida que protegia as flores só para ela. Fui crescendo e continuava a oferecê-las, mas depois veio aquela fase em que é suposto, não sei por quem, nós deixarmos de dar flores e avançar, não sei para onde, mas avançar na idade. Eu senti esse preciso momento em que os meus movimentos cederam perante as palavras, eu senti porque ouvi dizer «ele é esquisito» e comecei a pensar na razão de o ser, pois eu tinha sido sempre assim. Fiquei atento, talvez eu estivesse doente, ou outra coisa qualquer, e só percebi quando ouvi, logo de seguida, «ele é amaricado». «Amaricado?», pensei, confundido, enquanto apanhava flores e eles caminhavam atrás de mim. «Ele é amaricado. Olha para aquilo! A apanhar flores…». E tanto ouvi que fiquei muito preocupado, «Eu seria maricas?». Havia um, segundo me contaram, que morava num prédio próximo do meu e que gostava de flores. E de homens. Eu não gostava de homens, mas gostava tanto de flores! «Seria meio-maricas?»

No meio de uma crise mais aguda em que um rapaz me perguntou «tu gostas de homens?» e em que eu respondi com uma bofetada e recebi três ou quatro ou cinco, decidi não colher mais flores. Ele era só um, mas mais parecia ser dois. Levei tanto pontapé e bofetada que, desde esse dia, especializei-me na arte de fugir rapidamente, a correr, de preferência ainda antes de me verem. Comecei a apanhar lagartixas. Não era tão bom, eu tinha pouco talento para a caça, mas lá conseguia apanhar uma ou outra mais desprevenida. Fazia uma pequena forca com um caule resistente, mas maleável, e agarrava-as pela cabeça e era vê-las espernear e a largar o rabo. Perder o rabo. Elas, sim, eram mariconças, pois davam logo o rabo quando eram caçadas. A primeira que apanhei deu-me uma grande alegria porque todos viram e podiam, finalmente, deixar de pensar coisas tontas. E fiquei tão alegre que a levei para casa, já quieta, imóvel, pendurada pelo pescoço, e mostrei-lhe e dei-lha, «é para ti», com muito amor e orgulhoso da minha perícia. Ela gritou. Não sorriu, não me deu um beijo, não a guardou num vaso, só gritou. Aí eu percebi que nem todo o objecto ou animal pode conter tudo o que queremos dar. A lagartixa não podia guardar o meu amor por ela.

Mário Rufino


quarta-feira, 27 de abril de 2011

"África – Surge et Ambula"



"Dormes! e o mundo marcha, ó pátria do mistério.

Dormes! e o mundo rola, o mundo vai seguindo...

O progresso caminha ao alto de um hemisfério

E tu dormes no outro o sono teu infinito...


A selva faz de ti sinistro eremitério

Onde sozinha à noite, a fera anda rugindo...

Lança-te o Tempo ao rosto estranho vitupério

E tu, ao Tempo alheia, ó África, dormindo...


Desperta! Já no alto adejam negros corvos

Ansiosos de cair e de beber aos sorvos

Teu sangue ainda quente em carne de sonâmbula.


Desperta! O teu dormir já foi mais que terreno

Ouve a voz do Progresso, este outro nazareno

Que a mão te estende e diz:

África, surge et ambula!"



António RUI DE NORONHA, poeta moçambicano, nascido a 28 de Outubro de 1909, em Lourenço Marques (hoje, Maputo), e falecido a 24 / 25 de Dezembro de 1943. Era filho de um cidadão goês (Goa - Índia) e a mãe uma princesa zulo de Durban, Natal.

... Surge… et… ambula (Levanta-te e anda) – Foi com estas palavras que Jesus Cristo curou o paralítico.


Nos Açores, ANTERO DE QUENTAL escreveu um poema inspirado nessa frase bíblica...SURGE ET AMBULA…intitulado: A um poeta' Surge et ambula

Tu que dormes, espírito sereno,

Posto à sombra dos cedros seculares,

Como um levita à sombra dos altares,

Longe da luta e do fragor terreno,


Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,

Afugentou as larvas tumulares...

Para surgir do seio desses mares,

Um mundo novo espera só um aceno...


Escuta! é a grande voz das multidões!

São teus irmãos, que se erguem! são canções...

Mas de guerra... e são vozes de rebate!


Ergue-te, pois, soldado do Futuro,

E dos raios de luz do sonho puro,

Sonhador, faze espada de combate!

ANTERO DE QUENTAL

Em Moçambique, décadas mais tarde a mesma frase, inspira o poeta Rui de Noronha (1909 -1943): "África – Surge et Ambula"