quinta-feira, 28 de abril de 2011

As flores





Houve um dia, um rasgo, em que deixei de dar flores.

Eu colhia-as e guardava-as entre os dedos pequenos de uma mão, numa concha húmida que protegia as flores só para ela. Fui crescendo e continuava a oferecê-las, mas depois veio aquela fase em que é suposto, não sei por quem, nós deixarmos de dar flores e avançar, não sei para onde, mas avançar na idade. Eu senti esse preciso momento em que os meus movimentos cederam perante as palavras, eu senti porque ouvi dizer «ele é esquisito» e comecei a pensar na razão de o ser, pois eu tinha sido sempre assim. Fiquei atento, talvez eu estivesse doente, ou outra coisa qualquer, e só percebi quando ouvi, logo de seguida, «ele é amaricado». «Amaricado?», pensei, confundido, enquanto apanhava flores e eles caminhavam atrás de mim. «Ele é amaricado. Olha para aquilo! A apanhar flores…». E tanto ouvi que fiquei muito preocupado, «Eu seria maricas?». Havia um, segundo me contaram, que morava num prédio próximo do meu e que gostava de flores. E de homens. Eu não gostava de homens, mas gostava tanto de flores! «Seria meio-maricas?»

No meio de uma crise mais aguda em que um rapaz me perguntou «tu gostas de homens?» e em que eu respondi com uma bofetada e recebi três ou quatro ou cinco, decidi não colher mais flores. Ele era só um, mas mais parecia ser dois. Levei tanto pontapé e bofetada que, desde esse dia, especializei-me na arte de fugir rapidamente, a correr, de preferência ainda antes de me verem. Comecei a apanhar lagartixas. Não era tão bom, eu tinha pouco talento para a caça, mas lá conseguia apanhar uma ou outra mais desprevenida. Fazia uma pequena forca com um caule resistente, mas maleável, e agarrava-as pela cabeça e era vê-las espernear e a largar o rabo. Perder o rabo. Elas, sim, eram mariconças, pois davam logo o rabo quando eram caçadas. A primeira que apanhei deu-me uma grande alegria porque todos viram e podiam, finalmente, deixar de pensar coisas tontas. E fiquei tão alegre que a levei para casa, já quieta, imóvel, pendurada pelo pescoço, e mostrei-lhe e dei-lha, «é para ti», com muito amor e orgulhoso da minha perícia. Ela gritou. Não sorriu, não me deu um beijo, não a guardou num vaso, só gritou. Aí eu percebi que nem todo o objecto ou animal pode conter tudo o que queremos dar. A lagartixa não podia guardar o meu amor por ela.

Mário Rufino


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