«Exma. Sra. Merkl [sic],
Fala-lhe um cidadão português do interior daquilo que já foi a classe
média. Como deve saber, como líder da maior economia da União Europeia, a
ex-classe média foi a salvaguarda do sistema democrático porque reuniu em si a
génese de um sistema que resultava da iniciativa, trabalho, produtividade,
justiça fiscal, oportunidade, emprego, riqueza, qualidade individual e
colectiva de vida.
Foi a classe média europeia um sonho de igualdade social, abençoado à
esquerda e à direita, que sustentou nas democracias europeias a estabilidade e
a Paz. Foi também através da classe média que o Estado Social, que e Europa se
orgulhou de um dia ter criado, se financiou, permitindo a inúmeras gerações
reformas dignas, sistemas de saúde eficazes, justiça, ensino, acesso a bens
culturais, equidade e paz social.
Parece-me que a forte economia alemã, que é o primeiro país da União a
não cumprir contenção, controle do deficit, sobreendividamento público,
conquistou este estatuto a reboque do que a ex-classe média do resto da Europa
produziu como superavit, uma vez que o maior mercado para os produtos alemães é
a restante UE.
Ao entronizar Austeridade sobre Austeridade para os seus parceiros
europeus, algo que não pratica em casa, está V.Exª a matar o que resta do motor
da economia da zona Euro e a trucidar o que resta do Estado Social. Não ficará
a Alemanha que V.Exª dirige isenta de culpas no crescimento de uma preocupante
conflitualidade social a cada dia mais violenta, na desagregação do espirito
europeu, no fim do sentido de comunidade e pertença, no fim do projecto Euro,
no desaparecimento da Paz na Europa, historicamente tão vulnerável à falta de
solidariedade interna entre os seus membros.
Quer-me parecer que esta vontade indómita de liderança que V.Exa quer
impor aos seus parceiros, faz deles menos parceiros e mais súbditos. Por essas
razões, e muitas outras, Portugal, que nunca foi súbdito, começou já a
demonstrar nas ruas, já que o Governo o não faz, que não aceitará trabalhar
mais, pagar mais, para o enriquecimento do único pais que afinal V.Exa, já a
muito custo, ainda dirige.
"Um muro por mais alto não separa/ Os que têm fome dos que têm a
seara." in "Silêncio" 1999
Atentamente,
Pedro Abrunhosa»
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