quinta-feira, 11 de abril de 2013

Sete anos de pastor Jacob servia - Camões






Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: - “Mais servira, senão fora
Para tão longo amor tão curta a vida!”

 Luís de Camões



O amor não tem limites, vai além da vida. Depois de sete anos de trabalho, Jacob diz a Labão, pai de Raquel: "Mais servira, se não fora / Para tão longo amor tão curta a vida!". O seu amor transcendia o plano histórico em que ele vivia e projectava-se para uma zona ideal, indiferente à astúcia e à malícia de Labão. Jacob teria a sua amada custasse o que custasse, pois o sentimento não era de carne, mas do espírito. Ele vivia somente pelo amor. A servidão podia atingir-lhe o corpo, mas nunca a alma, pois ela gozava de plenitude em razão do sentimento que o ligava a Raquel. Jacob servia a ela, a si próprio ou ao Amor, não a Labão, por isso servia destemido e contente.

Este poema de Camões trata de um assunto de inspiração bíblica, embora Jacob se sacrifique devido ao amor por Raquel. Este amor acaba por se enquadrar no que se considera ser o alto amor, o amor verdadeiro, sublime, que subsiste platonicamente durante catorze anos.
Vejamos, então, a história bíblica que está presente no soneto: Labão enganou Jacob, fazendo-o trabalhar para ele durante sete anos. Prometera-lhe o casamento com uma das filhas, mas deu a Jacob a mão da filha mais velha, Lia. Jacob persistiu e, para ter Raquel, acordou com o Tio que teria de trabalhar mais sete anos, sem qualquer remuneração. Tendo trabalhado, assim, durante catorze anos por amor.
É o valor do amor a mensagem bíblica fundamental, que serve esta parábola, tal como o valor da persistência.
Este poema é uma soneto, constituído por duas quadras e dois tercetos, versos decassilábicos.... Mas, neste soneto há uma narrativa, conta-se uma história com personagens e respectiva interacção, um tempo histórico específico e, inclusivamente, notamos a existência do discurso directo nos dois últimos versos.
O uso do Pretérito Imperfeito do Indicativo remete a história narrada para os longínquos tempos bíblicos (“servia”; “Passava”). Na narração da história está também presente o uso do gerúndio, que implica um prolongamento da acção (“Vendo”).

Esta composição poética rege-se pela simplicidade retórica e linguística. Tal como A Bíblia apresenta uma linguagem igualmente simples, não se divisam no poema os habituais cultismos renascentistas, frequentes na Lírica Camoniana. A figura de retórica mais evidente no texto é o hipérbato (1.º verso; 1.ª estrofe; 1.º e 2.º versos da segunda estrofe; dois primeiros versos do primeiro terceto), por necessidades rimáticas.
Na chave-de-ouro, certifica-se a ideia de que a duração daquele amor não poderia abranger uma vida curta, como a humana e, sobretudo, o tempo perdido de Jacob que só pode obter a mão de Raquel após catorze anos de extenuantes trabalhos.

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