Sete anos
de pastor Jacob servia
Labão,
pai de Raquel, serrana bela;
Mas não
servia ao pai, servia a ela,
E a ela
só por prémio pretendia.
Os dias,
na esperança de um só dia,
Passava,
contentando-se com vê-la;
Porém o
pai, usando de cautela,
Em lugar
de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o
triste pastor que com enganos
Lhe fora
assim negada a sua pastora,
Como se a
não tivera merecida,
Começa de
servir outros sete anos,
Dizendo:
- “Mais servira, senão fora
Para tão
longo amor tão curta a vida!”
Luís de Camões
O amor
não tem limites, vai além da vida. Depois de sete anos de trabalho, Jacob diz a
Labão, pai de Raquel: "Mais servira, se não fora / Para tão longo amor tão
curta a vida!". O seu amor transcendia o plano histórico em que ele vivia
e projectava-se para uma zona ideal, indiferente à astúcia e à malícia de
Labão. Jacob teria a sua amada custasse o que custasse, pois o sentimento não
era de carne, mas do espírito. Ele vivia somente pelo amor. A servidão podia
atingir-lhe o corpo, mas nunca a alma, pois ela gozava de plenitude em razão do
sentimento que o ligava a Raquel. Jacob servia a ela, a si próprio ou ao Amor,
não a Labão, por isso servia destemido e contente.
Este
poema de Camões trata de um assunto de inspiração bíblica, embora Jacob se
sacrifique devido ao amor por Raquel. Este amor acaba por se enquadrar no que
se considera ser o alto amor, o amor verdadeiro, sublime, que subsiste
platonicamente durante catorze anos.
Vejamos,
então, a história bíblica que está presente no soneto: Labão enganou Jacob,
fazendo-o trabalhar para ele durante sete anos. Prometera-lhe o casamento
com uma das filhas, mas deu a Jacob a mão da filha mais velha, Lia. Jacob
persistiu e, para ter Raquel, acordou com o Tio que teria de trabalhar mais
sete anos, sem qualquer remuneração. Tendo trabalhado, assim, durante catorze anos por amor.
É o valor do amor a mensagem bíblica fundamental, que serve esta parábola, tal
como o valor da persistência.
Este
poema é uma soneto, constituído por duas quadras e dois tercetos, versos
decassilábicos.... Mas, neste soneto há uma narrativa, conta-se uma história
com personagens e respectiva interacção, um tempo histórico específico e,
inclusivamente, notamos a existência do discurso directo nos dois últimos versos.
O uso do
Pretérito Imperfeito do Indicativo remete a história narrada para os longínquos
tempos bíblicos (“servia”; “Passava”). Na narração da história está
também presente o uso do gerúndio, que implica um prolongamento da acção
(“Vendo”).
Esta
composição poética rege-se pela simplicidade retórica e linguística. Tal como A
Bíblia apresenta uma linguagem igualmente simples, não se divisam no poema os
habituais cultismos renascentistas, frequentes na Lírica Camoniana. A figura de
retórica mais evidente no texto é o hipérbato (1.º verso; 1.ª estrofe; 1.º e 2.º
versos da segunda estrofe; dois primeiros versos do primeiro terceto), por necessidades
rimáticas.
Na
chave-de-ouro, certifica-se a ideia de que a duração daquele amor não poderia
abranger uma vida curta, como a humana e, sobretudo, o tempo perdido de Jacob
que só pode obter a mão de Raquel após catorze anos de extenuantes trabalhos.
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