Floriram por engano as rosas bravas
Floriram por engano as rosas bravas
No inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?
No inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?
Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que um momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!
E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...
Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze _quanta flor! _do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?
Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'
Tema: A condição humana é efémera, o amor é precário e ilusório ("Floriram por engano", "As vozes com que às vezes me enganavas", "castelos doidos!").
1 ‑ Idêntica organização das duas quadras: constatação de uma mudança, formulação de perguntas e de exclamações, através das quais se interpela enfaticamente o TU.
2 ‑ Duas imagens são aqui visualizadas: a Rosa, símbolo da máxima fragilidade, e os Castelos doidos, metáfora dos desejos tomados como realidades. Surge também outra expressão com dimensão simbólica: mãos dadas ‑ união que é negada pela expressão alheio o pensamento. Esta desunião, este mútuo alheamento, são confirmados pelo desencontro de olhares (brevidade da conjugação de olhares: um momento). Talvez por causa desse breve encontro tivessem florido as rosas, mas por engano... O vento desfolhou-as logo, isto é, a vida desfaz o que é frágil, o sonho, a ilusão.
3 ‑ Os tercetos, através da copulativa e , estabelecem uma relação cumulativa com as quadras. Neles, um sujeito plural ("E sobre nós", "sobre nós dois") suporia, passivamente, a inexorável passagem do tempo.
4 ‑ A expressão "Em triunfo" chama a atenção para a existência de uma força superior à vontade Humana.
5 ‑ "Nupcial", "é como um véu", "quanta flor!-do céu...sobre os nossos cabelos!"-Estas expressões remetem para o cerimonial do casamento, mas um casamento na "Acrópole de gelos", "na morte"?
6 ‑ As cores sugeridas ("rosas, "neve", "Inverno") são simbólicos: amor, castidade, tristeza/velhice. O ambiente parece pincelado à moda dos impressionistas: neve como pétalas caindo, "como um véu"‑ vento desfolhando rosas bravas numa paisagem de Inverno, véu que tudo desfoca, esbate e que torna impreciso os contornos...
Alda Pina Albuquerque, Dulce Pascoal, Elisa Azevedo, Luísa Pinto
A 1 de Março de 1926, morre em Macau, vítima de tuberculose pulmonar, a que não será estranho o uso excessivo de ópio, o advogado, professor e poeta Camilo Pessanha (1867-1926), autor do livro de poemas “Clepsidra” (1920), considerado o expoente máximo do simbolismo em língua portuguesa, apreciado por poetas como Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Ana de Castro Osório.
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